
Arte: Frei Fábio Vasceoncelos, OFM
A liturgia de hoje nos coloca diante do grande mistério da nossa fé. O nosso Deus, apesar de tantos sinais de morte, ódio e vingança, é o Deus da vida. Um mistério é algo escondido, não revelado ou o que nós não compreendemos. Alguns mistérios se revelam e são compreendidos, mas outros são tão grandes que não conseguimos compreender. Quando enfrentamos a dor da morte de alguém que amamos, olhamos para um corpo sem o sopro da vida e não conseguimos compreender o mistério da morte. Ao mesmo tempo há um mistério bem maior, a própria vida. Diante do mistério da vida, do universo, da criação, nunca podemos compreender, calamos, só podemos contemplar.
Abraão estava diante destes dois mistérios: da morte e da vida. Ao redor dele, todos os povos sacrificavam a vida do filho primogênito para agradar aos deuses. Mas para ele, Deus era o Deus da vida, e o filho era o sinal da promessa da terra prometida e de uma grande descendência. Impensável imaginar que Deus estava pedindo a vida do próprio filho! Diante de tal mistério, Abraão se cala e acredita na promessa, superando a dúvida pela vivência da fé no Deus da vida. Abraão contempla o mistério de Deus e age contrário ao costume do tempo, conservando a vida. É o mistério da vida que vence o mistério da morte.
Ao longo da história, desde as primeiras comunidades cristãs, Jesus sempre foi um mistério, pois sempre existia a pergunta: quem é Jesus? No evangelho de hoje, escutamos o relato da transfiguração, mas logo antes deste relato, Marcos lembra as palavras de Jesus: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8, 31). Diante deste anúncio, Jesus leva os três, Pedro, Tiago e João para uma alta montanha que representa o lugar onde Deus se manifesta. Lá sua aparência mudou por completa, o rosto ficou brilhante como o sol e suas roupas ficaram brancas. Jesus se transfigurou, manifestando a sua glória futura. Os discípulos queriam ficar, para contemplar a cena, pois um grande mistério estava se revelando. Mas aí escutaram a voz do Pai: “Este é meu Filho amado. Escutai o que ele diz” (Mc 9, 7b). É preciso lembrar que é Jesus que tem a palavra da vida, e justamente a partir do anúncio da morte, que se descobre o mistério da vida. A transfiguração revela o mistério de Jesus que mostra a sua futura gloria, a sua futura vitória sobre a morte. Em outras palavras, Jesus transfigura o mistério da morte em mistério de vida.
Somos cercados pelos sinais da morte. Cada semana escutamos notícias da violência em nosso meio, tanto no Brasil como em outros países. A grande pergunta que nos questiona toda vez que escutamos estas notícias: a que ponto chegamos? Parece que estamos no tempo de Abraão, quando a vida não tinha valor e sacrificar a vida era o costume.
De fato, a morte é decretada por várias situações: a violência onde a vingança fala mais alto que o perdão; a indiferença e intolerância que criam a exclusão de tantas pessoas; a corrida desenfreada pela riqueza onde os bens materiais são mais importantes que as pessoas e de toda a criação; a cultura de corrupção e propina que tem as suas consequências no desrespeito pela dignidade das pessoas quando os direitos de alimentação, moradia, saúde e educação são negados. Estes são poucos exemplos entre tantos outros que mostram, como alguém já disse: “Brasil não é um país pobre, mas injusto”.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos chama a atenção para o nosso compromisso como cristãos para viver a Amizade Social. Nos lembra que acreditar na transfiguração e contemplar a glória de Jesus é reconhecer que é preciso descer da montanha para construir uma cultura de encontro onde será possível viver a paz e a fraternidade. O mistério da morte faz parte da nossa existência, mas diante deste mistério há um mistério bem maior: a vida. Como Abraão somos chamados a acreditar que o nosso Deus é o Deus da vida, acreditar nEle é vencer os sinais da morte em esperança de vida. Numa sociedade onde o mais comum é contemplar e experimentar a morte, precisamos lembrar as palavras que vinham da nuvem “Este é meu Filho amado, escutem o que ele diz”. Contemplar Jesus em sua glória, é lembrar que Jesus transfigurou a morte em vida e que a nossa missão é também descer da montanha para transfigurar os sinais de morte num mistério bem maior que é a vida.
Por: Frei Gregório Joeright, OFM