A Cultura dos povos indígenas da Missão Cururu é a primazia do coletivo sobre o individual

Lição de vida, curiosidades, muitas descobertas e uma nova experiência com 42 anos de vida presbiteral, assim se definem os 62 dias vividos por Frei Flávio Guerra na Missão do Rio Cururu (Jacareacanga – PA). Tudo começou com uma mensagem no aplicativo de conversa, quando Frei João Carlos Karling – visitador para o Capítulo Custódia 2022 da Custódia São Benedito da Amazônia – convidava Frei Flávio para passar uns meses na Missão Cururu, pois a área missionária ficaria os meses de agosto e setembro sem a presença dos frades e das Irmãs SMIC que moram lá.

Foto: Frei Flávio Guerra

– Moro na mesma fraternidade que Frei João Carlos e esse ano de 2022, tirei como ano sabático, mas sempre aberto a novos desafios e foi quando em uma reunião que o visitador da Custódia estava realizado por aqui teve a feliz ideia de me enviar o convite e eu prontamente aceitei, pois já havia um desejo em conhecer o norte do país e ter a oportunidade em poder vivenciar a realidade indígena foi fácil aceitar o convite. – Comentou, Frei Flávio Guerra.

O frade da Província São Francisco de Assis, no Rio Grande do Sul, afirmou que “não é de criar expectativas” e nem de imaginar o que teria pela frente e assim foi com a sua visita à Missão Cururu. 

– Eu tenho costume de não ficar imaginando como seria quando se chega no lugar e não crio expectativa, isso não faz parte do meu modo de ser. Eu sempre me preparo, vou e estou aberto aquilo que aparecer, aquilo que acontecer e aquilo que vou viver. A única expectativa que talvez poderia ter é a de chegar lá e perceber a realidade da aldeia e depois das aldeias, mas sempre aberto para tudo. – Destacou o frade.

Frei Flávio Guerra ficou o mês de agosto, setembro e começo de outubro na Missão Cururu. No mês dos pais, Frei Lauro Matheus foi quem ajudou o frade gaúcho nos serviços, depois Frei Lauro voltou para Itaituba e foi a vez do Frei Amauri dos Santos acompanhar o frade convidado.

– Quando chegamos na Missão a receptividade foi maravilhosa, mas muito rápido porque logo fomos para uma comunidade celebrar o santo padroeiro de lá. No primeiro momento tivemos dificuldade em saber para quem recorrer, caso acontecesse alguma coisa, pois as Irmãs não estão lá e a língua deles também dificultava o contato, mas esse desafio nós superamos aos poucos. Frei Lauro esteve comigo no primeiro mês e depois veio o Frei Amauri. 

Nos 62 dias que ficamos lá percorremos 16 comunidades e todas nos acolheram muito bem. Uma curiosidade é que quanto mais afastada era a comunidade visitada, mais receptiva ela era. Acho que por serem mais afastadas e não receberem com frequência visitas, eles se alegram quando alguém chega lá, ainda mais se for “paim”. Outra lembrança que tenho é que em uma comunidade que visitamos quase todos estavam na beira do rio para nos cumprimentar e nós ainda dentro da voadeira. Quando saímos fizeram tipo um corredor e nos cumprimentam e depois da celebração, todos nos cumprimentam novamente. Frisou, Frei Flávio Guerra.

Entre os serviços realizados por Frei Flávio estão a celebração de batizados, 1ª comunhão, crisma e casamento. 

– Celebramos com todas as comunidades que visitamos. Todas as celebrações foram bem participadas e uma coisa que me chamou muita atenção é que eles cantam muito bem. Eles animam muito bem a missa e a assembleia é muito participativa. Tive que ter jogo de cintura por conta da língua, procurei usar a técnica da repetição para eles me compreenderem melhor, mas em todas as celebrações tiveram professores para realizar a tradução. Comentou o frei.

Foto: Frei Flávio Guerra

Uma das percepções do frade gaúcho é que os povos de todas as comunidades se sentiam mais “seguros”, com a presença dos frades. 

– Senti que eles se sentiam mais seguro conosco lá, pois por vezes a voz deles é representada pela voz da Igreja e a Igreja tem uma voz de certa autoridade na defesa das causas indígenas e é claro, estando os “paim” lá, as pessoas que são contra essa causa podem se acuar, ou pelo menos se conterem um pouco. Penso que é nesse sentido a percepção da segurança. O desejo deles é que se tenha uma presença permanente de paim lá e não com frequência. Explicou, Frei Flávio Guerra.

O modo de vida dos povos indígenas da Missão do Rio Cururu chamou atenção do Frei Flávio, principalmente a forma de como eles tratam os filhos.

Passei dois meses lá e nunca vi e nem ouvi nenhuma pessoa levantar a voz para nada. Ouvi muito os bebês e as crianças chorarem, mas nunca ouvi os pais falarem uma palavra para que aquele bebê ou criança calasse. Acho que a pedagogia de vida deles é que não precisa brigar, xingar, gritar ou se alterar para ensinar algo, pois as crianças e bebê se calavam por si só. Na verdade, durante todos esses dias que passei lá, não vi ninguém se alterar por nenhum motivo e li também um testemunho de uma Irmã que mora no qual fala que eles não se alteram para nada. – Completou, o frade.

Além da experiência, Frei Flávio Guerra levará consigo uma lição de vida. 

– Dentro do espírito franciscano, inclusive li três livros na missão sobre São Francisco e aproveitei o tempo para meditar, rever a minha vida, para comparar a nossa vida com a deles e percebi que eles com a vida simples, pobre, com pouco e mesmo com esse pouco ainda se repartem entre eles e são contentes e felizes. E isso para mim, foi uma grande lição porque nós nos enchemos de coisas que não são necessárias e reclamamos muito. A vida deles é muito sacrificada, eles ficam muito distantes da cidade e qualquer coisa que precise, são dois dias para ir e dois para voltar, além do gasto com a gasolina que é alto, fora a aventura que é para realizar essa demanda. Destaco ainda, a relação deles com o rio, pois esse rio é o que fornece peixe, fornece a lenha, pois, no tempo da cheia, derruba muitas árvores e na seca eles recolhem essas lenhas para cozinhar, assar o peixe. O rio é para se banhar, lavar as roupas, as louças, além do rio que mata a sede. Essa vida do coletivo é uma grande lição. Destacou, Frei Flávio.

Outra lição que Frei Flávio levará é a gratidão, pois ele conheceu parentes de pessoas que saíram da Missão Cururu para estudarem para poderem voltar e ensinar seus irmãos.

– Uma outra descoberta foi que muitos deles fazem faculdade com o intuito de voltar para casa e ensinar seus irmãos, quando falo irmão quero me referir a todos os que estão ali. E isso é muito bonito, pois, não é em todos os lugares que vemos pessoas que saem com o desejo de voltar e ensinar o que foram buscar de conhecimento. Finalizou o frade.

“A Cultura dos povos indígenas da Missão Cururu é a primazia do coletivo sobre o individual. A nossa sociedade é ao contrário, é a primazia do individual sobre o coletivo” – Frei Flávio Guerra.

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