Madalena, imagem da Igreja?
Maria Madalena, como todas as mulheres do seu tempo era tratada como inferior, como impura, como alguém que só servia para aprender as atividades domésticas. Porém, devido a sua história, nascida em Magdala, uma pequena aldeia e para diferenciar de tantas outras Marias, foi chamada de Maria Madalena. Foi uma mulher muito “avançada” para o seu tempo, queria estudar, frequentar a sinagoga, participar, conversar com todos, aprender a ler e tudo mais. Inclusive conversava com os homens olhando nos olhos, sem medo das acusações e preconceitos, colocando-se como igual. Foi educada pela sua mãe com muita liberdade, era uma mulher fora do comum para àquela época. Tudo o que despertava seu interesse ela procurava aprender e conseguia. Por causa da sua coragem, audácia e determinação, era alvo dos comentários injustos e machistas de sua época, ao ponto ser chamada de prostituta, que possuía espíritos maus.
Esta mulher corajosa e determinada, ouviu falar que em Magdala ia passar o homem de Nazaré, Jesus. Madalena foi ao encontro de Jesus, ouviu atentamente suas palavras e ficou “embriagada” com tanta sabedoria, força, beleza e respeito. Continuou ouvindo e resolveu seguir Jesus. Entrou no Seu grupo e isso, foi fundamental, pois os demais grupos existentes na época, não aceitavam mulheres. No grupo de Jesus, as mulheres eram aceitas e acolhidas. Madalena percebeu que com o Mestre Jesus a relação era de iguais, logo criou entre eles uma grande empatia, uma sintonia profunda. Passou a assumir junto com Jesus, o Seu Projeto Libertador. Então, colocar Madalena como imagem de uma Igreja, mostra que para estar com Jesus e segui-lo fielmente, é preciso assumir Seu projeto de libertação e justiça, é preciso ter uma intimidade profunda ao ponto de colocar-se a serviço do Seu plano de amor e, corajosamente enfrentar as realidades injustas e desumanas com determinação, coragem e empatia com Jesus e com os irmãos e irmãs. Pois a Igreja que tem a missão de evangelizar, precisa ter a coragem de viver relações de iguais, coragem e audácia de Madalena, como testemunha da Ressurreição e presença viva de Jesus no mundo. Por outro lado, Madalena representa a discípula amada de Jesus, uma mulher sem medo de mostrar seu rosto, capaz de quebrar as indiferenças, preconceitos. Portanto, a Igreja como a esposa amada de Jesus, também deve ter a coragem de testemunhá-lo.
Sete pensamentos sobre a figura de Maria Madalena
No Evangelho de Marcos 16, 9-11 diz que tendo ressuscitado na madrugada do terceiro dia, Ele apareceu primeiro a Maria Madalena, de quem havia expulsado sete demônios. E ela foi anunciá-lo àqueles que tinham estado em companhia d’Ele e que estavam aflitos e choravam. Eles ouviram o que ela disse, mas não acreditaram.
A importância desta mulher é tanta, que nos faz refletir sobre vários aspectos:
1º – Se Jesus Ressuscitado apareceu primeiro a ela, é porque a sua importância para Jesus era marcante e Ele sabia que ela iria assumir mais esta grande obra do Seu Projeto.
2º – O texto relembra que Jesus a libertou de algumas correntes da maldade da sociedade do seu tempo, então ela também é símbolo vivo da ação libertadora de Jesus.
3º – Ela foi anunciar a Vitória de Jesus aos que tinham estado com Ele pois estavam aflitos, tristes e chorosos, ou seja, sem esperança.
4º – Maria Madalena mesmo não sendo acreditada pelos homens, manifestou mais uma vez sua coragem, seu amor e convívio com Jesus sem perder a esperança e a alegria da ressurreição.
5º – Ela foi mais uma vez “embriagada” “envolvida” “encharcada” pela presença de Jesus, desta vez muito mais forte, porque venceu a morte.
6º – Madalena, tinha consciência clara que seu papel era anunciá-lo vencedor e companheiro em todas as situações. E para fechar com a chave da perfeição bíblica, temos o 7º pensamento e afirmação.
7º – Madalena é porta voz do anúncio da Ressureição e testemunha fiel do Amor de Jesus e ao mesmo tempo representa a força e a disponibilidade da mulher que sai para semear a Boa Notícia.
A afirmação de uma Igreja Madalena
Acredito fielmente que uma Igreja Madalena, é aquela que ama profundamente o seu Senhor, que assume corajosamente o seu profetismo e que tem o coração ardendo para a missionariedade. Madalena, concretamente assumia em sua vida todos esses aspectos que além de fundamentais e básicos para uma Igreja, é o rosto concreto do compromisso que brota do encontro com Jesus. Madalena não só acolheu o amor e a companhia de Jesus, como ela também penetrou profundamente no coração de Jesus, ao ponto d’Ele aparecer pra ela no dia da Ressurreição e confiar a ela, a missão de anunciar aos demais irmãos e irmãs a notícia que Ele estava vivo. Então, Jesus confiou e deu o poder à Madalena para sair gritando e proclamando “Eu vi, eu vi o Senhor. Eu vi o Senhor!”. Ela é a apóstola dos apóstolos, a mensageira fiel da ressurreição. Madalena é apóstola tão fiel, que desde que conheceu Jesus, nunca o abandonou, sempre alimentou e fortaleceu a proximidade com Jesus e Seu projeto. Ela esteve ao pé da cruz juntamente com Maria, a mãe de Jesus e o discípulo amado, assim como em toda trajetória da sua paixão, morte e ressurreição. Porém, ela não enterrou a esperança e o amor pelo Mestre, no seu peito estava viva a certeza da vitória. E é da sua boca que ecoa “Ele está vivo”!
A atualidade amazônica de Maria Madalena
Diante de tanta destruição, perseguições e injustiças cometidas pela ganância do ter e do poder na Amazônia, vejo com esperança a presença de tantas pessoas, comunidades, entidades populares, religiosas e religiosos, ONGs, sindicatos, povos indígenas, estudantes, universidades, estudiosos, ambientalistas, cientistas, etc, que fiéis e corajosamente permanecem lutando e gritando como Madalena; amando a natureza e a criação, como Madalena amor o Senhor da vida; buscando justiça e anunciando que é preciso cuidar, zelar e amar, como Madalena; enfrentando os poderosos doentes pela ambição, como Madalena enfrentou os preconceitos e machismos da sua época.
A força, a coragem, a astúcia e a esperança de Madalena estão presentes na vida, no coração e na organização de todos que lutam pela preservação e por toda espécie de vida na Amazônia. Inclinemos nossos ouvidos para escutar o grande eco: A Amazônia está viva! Eu vi, eu vi a luta do povo! Eu vi a justiça acontecer.
As Madalenas na Amazônia hoje
Quem crê, carrega no seu ventre, no seu seio, no seu interior as mais belas experiências de lutas, resistências esperanças. Creio na presença de tantas Madalenas hoje no nosso chão Amazônico. São mulheres guerreiras que se organizam, falam, lutam, representam o povo nas mais longínquas comunidades desta tão extensa Amazônia. São indígenas que como guardiãs da vida, da floresta, das águas, das terras, da natureza em geral, não se cansam de gritar e lutar corajosamente em todas as esferas da sociedade. São comunidades ribeirinhas, povoados, aldeias, cidades, periferias que não cansam e com um extraordinário dinamismo sustentam a fé, a luta e a presença do Ressuscitado na esperança que Jesus vencedor de todas as trevas, está caminhando junto para vencer as trevas que tentam escurecer as belezas da Amazônia. São religiosos, religiosas, clero, que destemidamente assumem a evangelização neste chão e caminham junto com o povo, fazendo acontecer a presença da Igreja sinodal que escuta, que partilha e que comunga dos mesmos sofrimentos, angústias, alegrias e esperanças.
O desejo de liberdade, a coragem, a audácia e o dinamismo de Madalena estão presentes em todos os leigos e leigas que assumem seu papel de ser Igreja nesta rica terra da Amazônia.
Como a descoberta da verdadeira imagem de Madalena ilumina a vida eclesial na Amazônia?
A vida eclesial na Amazônia é alimentada e iluminada pela presença Viva e iluminadora de Jesus que caminha com seu povo, mas também por inúmeros testemunhos coerentes de fé, coragem, dedicação, resistência de grandes profetas, profetizas, apóstolos, apóstolas, missionários e missionárias que viveram e assumiram o rosto misericordioso de Jesus em defesa da vida e da dignidade de toda a criação. E a verdadeira Madalena, que amou Jesus até às últimas consequências, certamente está presente e ajuda a iluminar a Igreja na Amazônia, que por amor a Jesus e ao Seu Projeto, se encarna nas realidades e realiza uma evangelização libertadora e transformadora das situações de sofrimento e opressão.
Descobrir as virtudes de Madalena e trazer presente sua coragem, audácia e intimidade com Jesus faz renovar o vigor missionário, fazendo experiências de convívio, de mergulho na Palavra de Deus que encanta e faz a vida eclesial acontecer nos diversos lugares.
As CEBs da Amazônia e sua face Madalena
As CEBs aqui em nossa região Amazônica, são celeiros de lideranças, de serviços, de convivência fraterna, de partilha, de solidariedade e comunhão fraterna. São pequenas comunidades que reúnem nas casas, visitam, enfrentam as águas violentas de nossos rios, as estradas empoeiradas, as enchentes, as lamas das ruas das periferias e todos os desafios existentes. Sua face revela a coragem, a persistência, a fé, a resistência, a determinação e acima de tudo a esperança, frente ao caos da violência, da opressão e das injustiças que acontecem todos os dias.
Descobrir que o rosto de Madalena traz esses traços libertadores, é fazer renascer a força interior que vence todas as discriminações e que faz unir as CEBs, em torno do mesmo Amor: Jesus Cristo. As CEBs são o reflexo da Igreja que está presente na casa, no barraco, na ponte, na roça, na rua, no lixão a céu aberto, na beira dos rios e dos lagos. Lá onde não chega o poder público, as CEBs chegam para animar, lutar e celebrar a vida com o povo. Lá onde a Igreja hierarquia não chega, as CEBs chegam para anunciar a Boa Notícia da ressurreição, como fez Madalena. Outro aspecto muito importante nas CEBs que traz presente a figura de Madalena é a presença constante das mulheres.
Madalena e o dom das mulheres na Igreja da Amazônia
Este é um dom Divino, as mulheres carregam no peito a força da ressurreição, do Amor e do compromisso de Jesus. São verdadeiras profetizas que se doam, se dedicam, se capacitam, se organizam e na maioria das vezes assumem a direção das lutas, das comunidades, dos grupos, das CEBs, das organizações. Enfim, as mulheres são terra férteis que fazem brotar tantas flores e frutos na história da Igreja na Amazônia. São senhoras, mães de família, jovens, idosas e até adolescentes que não se intimidam diante das perseguições, que não se calam diante das ameaças, que não dormem diante dos problemas. Mulheres, enraizadas e fundamentadas na Palavra de Deus, que sustenta suas lutas, suas conquistas e suas vitórias.
As mulheres, são a maioria nas comunidades, assumem destemidamente sua missão, seu dinamismo dá vida às comunidades, à Igreja. Suas presenças animam e fortalecem a caminhada, as celebrações, as lutas, as festas e a caminhada da Igreja. São testemunhas fiéis de fé, de coragem, de determinação, dinamismo e experiências ricas na conquista de uma sociedade mais justa e mais fraterna, como é o sonho de Jesus.
Hoje, como Madalena, as mulheres na Amazônia, continuam fazendo ecoar o grito: Jesus está vivo! As mulheres não caminham só, são companheiras de todos e juntos como Igreja, procuram ser verdadeiras testemunhas da ressurreição. E assumir esse testemunho é assumir também as consequências perseguidoras que ele traz.
Ângela Tereza Correa de Almeida