Parece não ser novidade que mudanças geralmente são acompanhadas de crises. Paradigmas se quebram algumas estruturas e pensamentos precisam se renovar e os que estavam acostumados com uma certeza se veem sem o chão. A crise vem nos tomar de assalto e nos espantar. O susto diante da crise e nossas formas de reação são também um desafio para uma Igreja que pretende caminhar junto das “dores e alegrias” da humanidade.
O sofrimento, as rupturas, mas também, as decisões e novas opções são todos elementos que nos podem colocar a crise. E de alguma forma essa situação crítica da atualidade, com suas múltiplas faces, nos faz recordar uma conhecida parábola de Jesus: O Bom Samaritano (Lc 10, 29-37). A humanidade nos seus caminhos se vê muitas vezes “surpreendida e assaltada” pela crise. As mudanças tomam-nos de assalto e muitos de nós nem percebem que elas se avizinham e nem sabem como agir diante delas. Esse abalo, joga as certezas humanas na beira da estrada e questiona as atitudes daqueles e daquelas que se deparam com esses efeitos da crise. Muitos são os que passam e desviam o olhar e seguem direto como se a crise não os afetasse.
A Igreja Samaritana, imagem que inclusive ressoou no documento final do Sínodo para a Amazônia, não é indiferente aos dramas da humanidade atual. O seu oposto é o que o Papa Francisco cunhou como “globalização da indiferença”. Muitos sinais de aproximação e busca de soluções para as diversas dimensões da crise atual são tocados no pontificado de Francisco. Outros temas são também presentes no pontificado de Francisco, tais como a crise migratória, degradação socioambiental, realidade juvenil, familiar, dilemas eclesiais, ausência ética, dimensão política e outros . Ao falar de bem comum e amizade social, com a encíclica Fratelli Tutti, ele recupera as ideias da parábola do bom samaritano. Esse trecho é referenciado de forma ampla no segundo capítulo “um estranho no caminho”.
A alteridade diante das dores do mundo é uma atitude de quem reconhece e ajuda o seu próximo. Essas são chaves necessárias diante de alguns rumos que o mundo tem tomado. A ética do Samaritano, um estrangeiro, que se compadece do Outro tem muito a nos ensinar. Em um ambiente em que parece que muitos estão focados nos seus interesses apenas e na conservação dos seus ganhos, o samaritano sabe parar. Mesmo que o fluxo prossiga, mesmo que ele se atrase ou fique para trás, mesmo assim, ele para. Ele sabe empenhar seus recursos para a promoção do bem, mesmo para alguém que não conhece e nem tem como retribuir, porque lhe fora tirado aquilo que possuía. E aqui nos é relembrado um outro elemento que urgentemente precisa ser redescoberto: o cuidado.
O projeto eclesial do Papa Francisco é de uma Igreja que não se acomoda e não teme se aproximar. E mais do que discursos, muitas atitudes do atual pontífice têm evidenciado essa sua resposta às urgências do nosso tempo. O seu convite é para sairmos ao encontro das crises nas periferias concretas e existenciais. A complexidade da crise ética atual, que atinge pessoas e instituições, exige uma resposta de diálogo e comunhão com todas as dimensões humanas, para que em unidade se possa achar as soluções.
Francisco (2020) nos chama atenção para o fato: “a misericórdia cristã também inspira uma partilha justa entre as nações e as suas instituições, a fim de enfrentar a presente crise de solidariedade”. Suas falas nos recordam que as crises humanitárias e planetárias estão cada vez mais exigindo atitudes de todos e em especial dos cristãos. Por que nós (os cristãos) devemos dar as mãos com os que buscam os caminhos de saída para o labirinto das crises.
O “estranho no caminho” continua a ecoar no coração e interpelar o agir eclesial. Uma vez que alegrias e esperanças, bem como as dores e angústias da humanidade, sobretudo dos pobres são também as dos seguidores de Cristo (GS 1), a Fratelli Tutti (PAPA FRANCISCO, 2020) recorda que as passagens bíblicas se somam ao ícone do Bom Samaritano e afirmam o dever do amor ao próximo. Essa caridade se dá transpondo barreiras impostas. Um amor que extrapola as fronteiras.
A situação do homem à beira do caminho é de abandono. Muitos passam e não reagem. Estão preocupados com “suas vidas, seus rituais” com seus ritmos próprios. Também hoje esse caminhar apático pode ser fruto do individualismo e do fechamento ao outro. Dar do seu tempo em nosso momento atual é uma das ofertas mais complicadas. Um dos sintomas da nossa sociedade enferma é o de não deixar de lado os seus planos diante da urgência dos sofredores. Boa parte dos nossos contemporâneos não têm concedido tempo para o gesto empático sugerido na carta aos Romanos: “alegar-nos com os que se alegram e chorar com os que choram” (Rm 12, 15). Que tempo temos dado aos outros? Podemos nos perguntar a nós mesmos.
As circunstâncias de sofrimento em nosso tempo são para nós um desafio. “A provocação do forasteiro” nos exige uma tomada de atitude com base nas raízes da nossa fé. O amor ao próximo anunciado por Jesus tem um papel importante diante das incertezas atuais. A compaixão com os sofredores e olhar atento aos outros são também outros pontos que devem contrapor muitos ideais hodiernos. Esperamos que esse paradigma do Bom samaritano continue a iluminar os passos da Igreja na sua resposta aos muitos desafios colocados pelo contexto de crise. Somos chamados a olhar o mundo como Igreja Samaritana que tem claro o sentido social da existência, inspirada por uma espiritualidade fraterna, convicta da dignidade das pessoas e que ama e acolhe a todos (cf. FT, 86).
Frei Fábio Vasconcelos, OFM
Acadêmico de Teologia no ITF (Petrópolis – RJ)