A sabedoria que vem da Amazônia

Saber por onde começar

A palavra sabedoria nos remete a uma qualidade relativa ao saber. Dizemos que alguém é um(a) sábio(a) por suas palavras ou atitudes. Existe também o que chamamos sabedoria coletiva ou popular. A sabedoria é tema de simpósios acadêmicos e de simpósios de amigos, em conversas coloquiais. Vemos então, a sabedoria construída por estudos científicos e a de cunho popular, não necessariamente em oposição. Desse modo podemos afirmar que a sabedoria se dá em variadas formas. As culturas de algum modo fazem reverência aos seus saberes e as pessoas que os transmitem. E elas, as expressões culturais são todos reflexos dessa sabedoria. 

 A origem da palavra saber, do latim “sapere”, significa ter sabor ou perceber pelo gosto. A sabedoria nos remete a sapiência, reconhecer que somos “sabedores”.  A cultura grega utilizava a expressão “sofia” para falar de sabedoria. Mas também ao tratar de conhecimento se pode encontrar os termos gregos “episteme” (ciência) e “logos” (palavra, discurso…), o que, no entanto, não vamos aprofundar aqui. A sabedoria pode ter várias formas de ser compreendida e ir além de uma apreensão meramente pela “razão”. A filosofia formal se ocupou bastante dessas discussões. Isso tudo posto, podemos falar então de uma sabedoria amazônica, ou seja, que é gestada no ventre dessa realidade singular. 

Querida Amazônia e as sabedorias amazônicas

Foto: Maribeth Joerigth

Muitos têm buscado o saberes amazônicos, são numerosos os pesquisadores(as) que pisaram nesse espaço sagrado para aprender.  Podemos listar cientistas de diversas áreas e de tempos diversos.  Alguns passaram, em seu processo de contato com as culturas amazônicas e sua vasta sabedoria passaram do “conhecer” raso e “sobre” para um conhecer por dentro e conhecer “com e como” os povos da região. Outros ainda, conheceram, registraram, catalogaram e foram embora, mas de alguma forma também foram tocados pela sabedoria amazônica. Podemos falar hoje ainda dos pesquisadores locais e também dos sábios “sem titulação formal” ou formados no “viver amazônico”, esses são os autóctones geradores de novos conhecimentos.  

Os povos da Amazônia aprenderam a dialogar com o ambiente e a criar técnicas próprias para viver nesse bioma. Podemos falar então em uma misteriosa sabedoria da Amazônia, contida na sábia dinâmica do ambiente e de uma sabedoria na Amazônia, gerada pelo viver humano. A exortação Querida Amazônia, do Papa Francisco, reconhece essa sabedoria amazônica e expõe para nós algumas indicações sobre o tema. Vejamos então de que modo Francisco nos fala sobre as sabedorias amazônicas.

No sonho social, ao falar das muitas faces da cultura amazônica, o Papa, fala das ameaças aos povos e culturas nativas, interrompendo assim, uma transmissão de sabedoria muito antiga que perdura por séculos. É como o fluxo de um rio de sabedoria que seca e não mais segue o seu curso. Os diversos grupos e comunidades tradicionais na Amazônia conseguiram partejar sabedorias variadas. Em Querida Amazônia se destaca que “os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria” (QA, 32). E essas sabedorias estão comprometidas com a destruição dos povos e ambientes.

A forma de transmissão dessa sabedoria também é descrita em Querida Amazônia. O Papa destaca que essa sabedoria cultural foi durante séculos transmitida pelos povos amazônicos de forma oral, “através de mitos, lendas, narrações” (QA, 34). Essa mesma sabedoria também ganhou páginas de livros, virou canções gravadas, desenhos e filmes inspirados nos saberes locais. Assim, se percebe que na Amazônia os saberes são comunicados de várias formas e locais. Nos hábitos mais corriqueiros se pode colher gestos de saberes ancestrais. 

Os conhecimentos técnicos e científicos se apropriaram e se enriqueceram muito com as sabedorias ancestrais da Amazônia. Parece que mais uma vez não houve diálogo, mas apropriação de saberes. É necessário então profeticamente buscar a alteridade de saberes, inclusive no campo teológico. Um pensar e experimentar sobre Deus, ou uma teologia amazônica dentro da cosmovisão e das sabedorias locais está preste de antes da chegada de missionários. As sementes do Verbo estão inteiramente contidas nas sabedorias amazônicas. O estilo de vida que muitas vezes é tido como “inculto” é fonte de rica sabedoria. Sabedoria dos pequeninos a quem o Pai revela seus mistérios.   

Saberes e sonhos para o futuro da Amazônia 

Foto: Maribeth Joeright

No sonho ecológico mais uma vez se evoca as sabedorias amazônicas. Elas são vistas como formas de sabedoria que inspiram cuidado pela casa comum. Os saberes amazônicos têm muito para ensinar sobre respeito no relacionamento com o ambiente onde nasceram e são transmitidos por muitos anos. Para o cuidado da Amazônia, Francisco indica a união entre saberes ancestrais e conhecimentos técnicos contemporâneos, visando preservar estilos de vida e valores dos habitantes.  

Ao discorrer sobre o sonho eclesial o Papa Francisco fala de inculturação como processo que escuta e diálogo com as “pessoas e realidades e histórias do território” (QA, 66). Esse processo é então um encontro entre sabedorias. Um caminho que valoriza a tradição da sabedoria cristã em dinâmica de aproximação, respeito e mútua fecundação com as sabedorias amazônicas. Francisco aponta que “para conseguir uma renovada inculturação do Evangelho na Amazônia, a Igreja precisa de escutar a sua sabedoria ancestral, voltar a dar voz aos idosos, reconhecer os valores presentes no estilo de vida das comunidades nativas, recuperar a tempo as preciosas narrações dos povos”. É preciso então escutar a voz dos saberes locais da Amazônia como um saber que “reeduca” frente ao consumismo e a indiferença. Sabedoria, mesmo com os limites que possa ter, que reside em um estilo de vida fraterno que nos chama a buscar novas relações. 

O saber viver dos povos e comunidades da Amazônia é diverso e encantador. Fonte de uma sabedoria que dialoga com outros saberes do Mundo. Desse modo, o que vemos em Querida Amazônia é um reconhecimento da importância do existir sapiencial das populações amazônidas. O diálogo entre os saberes se faz então uma urgência para, com o auxílio da sabedoria divina, tecer os sonhos sociais, ecológicos e eclesiais. Saborear-se com o banquete das sabedorias amazônicas é reconhecer que em põe essa farta mesa é um só e mesmo Senhor que tudo criou com seu infinito saber.  

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