A Vigília Pascal

A Vigília Pascal, celebrada geralmente na noite do Sábado Santo, é considerada o ponto de convergência todas as celebrações do tríduo da paixão, morte e ressurreição do Senhor, bem como ápice de todo ano litúrgico. Com essa celebração a Igreja, rompendo o silêncio contemplativo do sábado Santo, “espera, velando, a ressurreição de Cristo, e a celebra nos sacramentos”. Santo Agostinho (século IV), a definiu como a “mãe de todas as vigílias”.

Na Igreja dos primeiros séculos, na noite do Sábado Santo, os que haviam sido admitidos no processo do catecumenato, recebiam os sacramentos da iniciação cristã, isto é, o batismo, a confirmação (crisma) e a primeira eucaristia. Logo, desde muito cedo, sobressai o caráter batismal da Vigília Pascal. Os neófitos (planta nova ou recente), iluminados pela ressurreição de Jesus na noite da Páscoa, eram introduzidos no mistério de Cristo-luz através das catequeses mistagógicas. 

Ilustração: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

A estrutura ritual da Vigília Pascal passou por diversas mudanças ao longo do desenvolvimento daquela que hoje conhecemos como liturgia romana, ora sendo enriquecida de textos eucológicos e elementos simbólicos, ora sendo privada dos mesmos. A intervenção que talvez tenha ocasionado maior prejuízo à celebração da vigília foi a decisão do Papa Pio V em transferir, não sem razoáveis motivos, a vigília para a manhã do sábado Santo. Assim, a Vigília Pascal perdia uma das suas principais características, a de ser uma celebração noturna, onde se evidenciava a passagem entre morte e vida, trevas e luz. 

A situação mudou quando Pio XII, acolhendo os bons ventos do movimento litúrgico, aprovou uma nova reforma no ordenamento das celebrações litúrgicas da semana santa, recolocando a celebração da Vigília Pascal na noite de sábado. 

Por sua vez, o Concílio Vaticano II (1962-1965), também se ocupou de um conjunto de reformas cujo objetivo era fazer com que o “depósito sagrado da doutrina cristã ‘fosse’ guardado e ensinado de forma mais eficaz” (Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, 1962). Entre as reformas realizadas encontra-se aquela operada na Liturgia. 

O missal romano de 1970, que recolhe o trabalho da comissão litúrgica responsável por colocar em prática a reforma litúrgica deseja pelo vaticano II, põe a celebração da Vigília Pascal em estreita relação com o domingo de Páscoa, colocando-a entre as celebrações do “Domingo da Páscoa na ressurreição do Senhor”, atribuindo-lhe um formulário próprio. O início temporal da vigília foi ampliado; mesmo permanecendo uma celebração noturna, foi permitido antecipá-la um pouco, mas é preciso fazer atenção para que essa “não comece antes do anoitecer e sempre termine antes da aurora de domingo”.

Quanto à sua estrutura, a Vigília Pascal está dividida em quatro partes: a celebração da luz, a liturgia da palavra, a celebração batismal e a liturgia eucarística.

Na celebração da luz, conhecida também como o solene lucernário, abençoa-se o fogo novo e prepara-se o círio pascal. Terminada a preparação, acende-se o círio com fogo novo, apenas abençoado, e dá-se início à procissão do Lumen Christ (Eis a luz de Cristo!). Ao chegar no presbitério, o diácono, tendo colocado o círio pascal no candelabro, entoa a solene proclamação da Páscoa. Na ausência de um diácono, o novo ordenamento consente a um cantor pode entoar o solene anúncio da Páscoa, omitindo as partes próprias, reservadas aos ministros ordenados. 

Na liturgia da palavra as leituras do Antigo Testamento (AT) e do Novo Testamento (NT) formam uma unidade, tornando visível o dinamismo da ação de Deus na história da Salvação, desde a criação até a encarnação. Esta segue de forma linear, sem a interrupção para a administração do sacramento do batismo, como era previsto no rito pré-conciliar. As leituras do AT são sete: a criação (Gn 1); o sacrifício de Abraão (Gn 22); a passagem do mar vermelho (Ex 14); a nova Jerusalém (Is 54); a oferta de salvação da parte de Deus (Is 55); a fonte da sabedoria (Br 3); o coração novo e o espírito novo (Ez 36). É dada também a possibilidade de se reduzir as leituras do AT a três, e em caso excepcional, a duas; no entanto, não se deve omitir o texto bíblico de Ex 14.

As leituras do NT são, a epístola, que sublinha o tema do batismo como participação na morte e na vida de Cristo (Rm 6) e o texto do evangelho que se anuncia a Ressurreição de Jesus, conforme o ano litúrgico em curso: Mt 28 (A); Mc 16 (B); Lc 24 (C). Depois da última leitura do AT, com o respectivo salmo e a oração correspondente, se acendem as velas do Altar e o sacerdote entoa o hino do Glória, rompendo assim o silêncio contemplativo iniciado após a missa da Ceia do Senhor, na quinta-feira. Terminada a leitura da epístola, o presidente entoa o solene canto do aleluia, expressão da alegria pela vida que superou a morte. 

 

Na noite Santa em que se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, através da sua ressurreição, a Igreja, comunidade dos seguidores de Jesus, acolhe pelo sacramento do batismo os adultos que percorreram o caminho do catecumenato. Terminada a liturgia da palavra, inicia-se a liturgia batismal. Segue a benção da água batismal, o sacramento do batismo e a renovação das promessas batismais. Caso não haja catecúmenos para serem batizados, o rito prevê a simples benção da água lustral, para ser aspergida sobre a assembleia após a renovação das promessas batismais, conservando, assim, o caráter batismal próprio da liturgia do sábado Santo.  

Conclui a Vigília Pascal a celebração eucarística, ápice da solenidade pascal. A comunidade, depois de ter-se alimentado à mesa da Palavra e recordado os prodígios de Deus realizados ao longo da história da Salvação, se nutre da Eucaristia, sinal permanente da presença do Senhor ressuscitado entre os seus discípulos. Na Eucaristia, a Igreja faz memória da Páscoa do Senhor. 

Ressuscitou!

A Ele, o Vivente, glória e poder por toda a eternidade. 

Feliz Páscoa!

 

Frei John Araújo, OFM

 

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Notas

O presente texto recolhe algumas informações a respeito da Vigília pascal, destacando, em grandes linhas, os elementos que constituem a celebração da vigília, com a qual se faz memória da ressurreição de Jesus.
Norme generali per l’ordinamento dell’anno liturgico e del calendario, in Messale Romanum ex decreto Sacrosancti œcumenici Concilii Vaticani II instauratum auctoritate Pauli pp. VI promulgatum, Editio Typica, typis polyglottis Vaticanis, 1970, n. 21.
Agostino d’Ippona, Sermo 219, I: PL 38, 1088.
No batismo o neófito recebe a luz de Cristo ressuscitado e se torna um novo homem, iluminado. A terminologia utilizada em grego para designar o batismo é photismós, traduzido como iluminação.
Duas seriam as possíveis causas dessa gradual antecipação da vigília pascal para a manhã do sábado: o batismo, sempre mais numeroso de crianças, com a consequente diminuição do batismo de adultos; e o rigorismo do jejum pascal que se concluía com o início da celebração da vigília.
“Mesmo celebrada antes da meia-noite, a Missa da vigília é a verdadeira Missa do domingo da Páscoa”. Missal Romano, 1970, n.4, 270.
Missal Romano, 1970, n.3, 270.

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