Abraçando a irmã morte: um jeito franciscano de encarar a morte

“Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal, da qual homem algum pode escapar. Aí dos que morrerem em pecado mortal! Felizes os que ela achar conformes à tua santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal! Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças, e servi-o com grande humildade”. (Cântico das Criaturas, São Francisco de Assis)

Para muitos “mortais”, a morte é o seu pior medo, enquanto muitos outros ignoram completamente a sua existência. Outros aproveitam e exploram o tema da morte para ganhar dinheiro através do entretenimento nas mídias sociais, dessensibilizando os espectadores para a realidade da mortalidade. Já os cristãos, que mantêm a esperança escatológica da vida após a morte, a inevitabilidade da morte não deve representar o medo e a ansiedade que tantas vezes evoca. Buscar uma mudança do medo doentio da morte à autêntica esperança cristã é uma lição que cada cristão, cada cristã deve aprender, num processo de conversão e pacificação ao longo da vida.

Essa foi a experiência vivida por São Francisco de Assis há mais de 800 anos e ainda hoje nos inspira com tanta atualidade. Neste dia em que celebramos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, dia 2 de novembro, faz bem buscarmos no exemplo de Francisco de Assis inspiração para refletirmos sobre a nossa irmã Morte, e como estamos vivendo o dom da vida que recebemos de Deus e nos preparamos para este abraço final.

Como muitos de nós, no início de sua vida, Francisco temia a morte por sua ameaça à sua felicidade contínua e engajamento mundano, mas pelo no fim de sua vida, Francisco havia feito as pazes com sua própria mortalidade, chegando a chamar a morte de sua “Irmã”: Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal. A compreensão de Francisco sobre a morte no contexto da criação de Deus foi um achado espetacular que completou seu processo de conversão e busca de Deus ao longo da vida. E no centro de sua capacidade de fazer as pazes com sua própria mortalidade foi sua visão de mundo fraterno com toda a criação.

No Cântico das Criaturas, escrito por Francisco antes de Trânsito para o Pai, podemos compreender a transformação do medo da morte para para o acolhimento da morte como “irmã”. A poesia orante de Francisco ilustra o processo de aprendizagem de Francisco para aprender a abraçar morte. A primeira seção do Cântico resume de muitas maneiras a cosmovisão fraterna de Francisco. O que encontramos nos primeiros nove versos não é um florido poema ou simples expressão artística, mas um convite para nos juntarmos a ele no hino de louvor a Deus, um hino que está enraizado em nossa comunhão com toda a criação. A segunda seção do Cântico naturalmente se baseia sobre o alicerce que está colocado no primeira seção. A reconciliação e a paz só podem ser encontradas onde há autenticidade de relação. Reconhecer a dignidade de toda a vida deve obrigar-nos a ver além das nossas próprias necessidades e desejos, nossos próprios medos e ansiedade, para apreciar a conexão que nos chama a apoiar-nos uns aos outros e cuidamos de toda a criação.

Além de ver a presença e a obra de Deus no mundo, Francisco nunca esqueceu o verdade central da mensagem cristã, que se enraíza na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Por causa da ressurreição, a morte não é mais o fim absoluto da vida. Pelo contrário, embora a morte continue a ser um mistério que só pode ser plenamente compreendido através de experiência pessoal, a visão transformadora de Francisco sobre a morte pinta a morte como uma fonte de Esperança. Francisco viu, através de sua conexão com a criação e sua relação com Deus através de toda a criação, essa morte era uma parte natural do plano de Deus para a humanidade. Sim a morte é inescapável, mas não marca um fim tanto quanto marca o liminar da experiência de um novo começo.

Ao aproximar-se do seu próprio fim terreno, Francisco, recordando o amor de Deus manifestado no dom da criação, aguardava com esperança a sua participação na ressurreição de Cristo. Não havia mais necessidade de evitar ou explorar a morte, porque a morte era sua irmã, mais próxima para ele do que o medo do desconhecido. Com os braços estendidos, Francisco não se acovardou destino com medo e ansiedade, mas abraçou a morte corporal de sua irmã com todo o seu coração e deixou este mundo em paz.

Viver à luz de uma visão de mundo fraternal que honra a conexão de toda a criação ajuda a libertar-nos do medo da morte. A transformação do medo em esperança na vida de Francisco de Assis, a morte nos fornece um modelo para a vida cristã em um ambiente cada vez mais secular, de um mundo violento e pessimista. Ao acolher a morte como nossa irmã, podemos servir como faróis da esperança cristã, de vida nova, e viver o chamado profético do Evangelho, proclamando “que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os governantes, nem as coisas presentes, nem as coisas vindouras, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra coisa em toda a criação, ser capaz de nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 8,38-39).

*Artigo de Frei Dan Horan OFM – traduzido e sintetizado por Frei Francisco Paixão OFM

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