Origem e desenvolvimento histórico
A festa da Apresentação do Senhor é o momento em que celebramos o mistério pascal de Cristo que se manifesta como luz das nações, tem sua origem ligada à tradição judaica da oferta no Templo em razão do nascimento de um filho, conforme a prescrição de Levítico 12, 1-8. A narrativa bíblica de Lucas 2, 22-40 nos conta esse evento. Sua ligação é profunda com o Natal do Senhor, embora seja celebrada fora deste ciclo, ela é como a sua conclusão definitiva (ADAZÁBAL, 2013).
O Missal Romano nos diz que com essa festa se encerram as celebrações natalinas. Por outro lado, com a oferta da Virgem e a profecia de Simeão se abre o caminho da Páscoa. Quarenta dias depois do Natal, no dia 02 de fevereiro, é que se celebra essa festa. Sua origem tem como testemunha remota a peregrina Egéria, que no século IV descreveu como se celebrava essa festa litúrgica em Jerusalém. A peregrina, ao descrever essa liturgia, a situa na quadragésima da Epifania e a apresenta como momento de grande solenidade com procissão na Anástase (MARTINS, 2017).
De acordo com Adolf Adam (1990), essa festa já seria testemunhada em Roma pela metade do século V. A procissão com as velas de algum modo ressignifica ou substitui a procissão de purificação da cidade. Essa caminhada de expiação se chamava amburbale e se celebrava de cinco em cinco anos, sempre no início de fevereiro. As vestes roxas que eram prescritas até 1960, indicavam o tom penitencial que era originário daquela antiga festa romana.
No século III, temos a introdução da lâmpada de luz (lucerna) na ceia da comunidade, conforme a Tradição de Hipólito de Roma, o que leva a crer que essas liturgias, com uso da luz e louvor ao Cristo, clarão do Pai, estivessem presentes em certas celebrações ao cair da tarde. No entanto, foi precisamente no século V que se acrescentou a procissão luminosa à Festa da Apresentação. Foi na região da Gália onde originou-se o costume da bênção e procissão das velas (benedictionem candelarum). Conforme Júlian López Martín (1996), foi o papa Sérgio I ( + 701), de origem síria, quem teria adotado essa festa com a procissão luminosa. Esse rito de “lucernário” se mantém até hoje, baseado no trecho bíblico em que Simeão proclama Cristo “a luz das nações”.
Significado
A procissão com a bênção das velas dá sentido ao nome popular para essa festa, conhecida como a festa das candeias ou Candelária. No nordeste brasileiro, mais especificamente em Juazeiro do Norte (CE), ainda se faz uma grande romaria enquanto se canta: “bendita louvada seja a luz que mais alumeia, valei-me meu padinho Ciço e a Mãe de Deus das candeias”.
Em toda a Igreja do Oriente, essa festa era nomeada de hypapante (Ὑπαπαντή), o que em grego literalmente designa encontro. No século VII, a festa do encontro chega à Roma, mas aos poucos, na Igreja do Ocidente, ela passa a ser celebrada como a Purificação de Maria (In Purificatione B. Mariae Virginis), fixando a data para quarenta dias depois de 25 de dezembro. Desse momento em diante, o caráter cristológico desta festa dá lugar ao aspecto mariano. No calendário reformado à luz do Vaticano II, essa festa volta a assumir um nome que expressa seu significado centrado em Cristo: “Apresentação do Senhor”.
No ano de 1997, o então Papa João Paulo II, designou o dia da festa da Apresentação do Senhor como dia mundial da vida consagrada. Assim, alguns institutos de vida consagrada optam por celebrar a profissão religiosa junto da festa litúrgica deste dia.
A celebração da Apresentação de Jesus no Templo se insere nas Festas do Senhor que ocorrem no Tempo Comum. Desta maneira, essa festa se celebra depois do ciclo do Natal, após já termos celebrado o Batismo de Jesus. No entanto, ela tem um forte tom de liturgia da manifestação de Cristo, o Verbo encarnado. Ao mesmo tempo, ela é carregada de uma forte ligação com a Páscoa anual, seja por ser na quadragésima do Natal, seja por começar com uma liturgia lucernar. A expectativa da segunda vinda, um dos elementos marcantes do ciclo do Natal (especialmente do Advento) pulsa dentro dessa celebração festiva.
A centralidade do mistério pascal se mostra na presença da Salvação que vem para os que esperavam sua plena libertação. Essa força pascal e do Espírito que impeliram o caminhar de Simeão são presentes na comunidade que celebra com Cristo. O encontro com o Deus da encarnação e da Páscoa, que são faces de um mesmo mistério, se dá na liturgia que se celebra aguardando sua nova vinda. Essa celebração é memória e anúncio da alegria das nações.
As dimensões em que se desdobra essa festa são a partir do mistério pascal: cristólógica, eclesial e antropológica. Ela tem suas raízes no anúncio de Cristo que se encarna, revela e salva. Perpassa a vida da Igreja chamada a ser comunidade que celebra e espera no seu Senhor, e que por meio da liturgia, atualiza a Apresentação no Templo. Por fim, na sua dimensão humana, manifesta às pessoas a meta da sua vida, a iluminação, o encontro do sentido e o caminhar para a eternidade com Deus. As celebrações litúrgicas são esse encontro da humanidade com Deus, o casamento entre o Esposo e a Esposa.
O calendário popular tem forte apreço por essa Festa das Candeias. Grande e frutuoso diálogo se poderia traçar entre liturgia e piedade popular. Os tempos de romaria e outras caminhadas poderiam ser unidos com essas celebrações. Entre as iniciativas já presentes destaca-se no livro Ofício das Romarias de Reginaldo Veloso, a louvação das Candeias, para uso em celebrações da Palavra de Deus na ausência dos ministros ordenados. Esses e outros elementos, como as “velas bentas”, são espaços onde a piedade popular se une com a tradição litúrgica. O Cântico de Simeão e outros textos bíblicos e litúrgicos nos ajudam a celebrar bem essa Festa. Com essa intenção, a Equipe de música litúrgica da CNBB sugere um repertório que se encontra registrado no CD Festas Litúrgicas.
Texto: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.
REFERÊNCIAS
ADAM, Adolf . The Liturgical Year: Its History & Its Meaning After the Reform of the Liturgy. Estados Unidos: Liturgical Press, 1990.
ALDAZÁBAL, José. Vocabulário básico de liturgia. São Paulo: Paulinas, 2013. pp. 37-38.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
CASEL, Odo. O mistério do Culto no cristianismo. Trad. Gemma Scardini. São Paulo: Loyola, 2011.
CNBB. Hinário Litúrgico III. São Paulo: Paulus, 2016.
HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica: Liturgia e catequese em Roma no século III. Maucyr Gibin,(Org). Petrópolis: Vozes, 1971. 99 p. (Fontes da Catequese; 4).
LIBER USUALIS. Roma: Typis Societatis S. Joannis Evangelistae, 1950.
LITURGIA DAS HORAS. Petrópolis/ São Paulo: Vozes/ Paulinas, Paulus, Ave-Maria, 2004.
MARTINS, Maria Cristina. Peregrinação de Egéria: uma narrativa de viagem aos Lugares Santos. Trad. Maria Cristina Martins. Uberlândia: EDUFU, 2017. Disponível em: < http://www.edufu.ufu.br/sites/edufu.ufu.br/files/e-book_egeria_2017_0.pdf >. Acesso em 22.mar.2021.
MARTÍN, Julián López. La Litugia de la Iglesia: Teología, historia, espiritualidad y pastoral. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1996. (Series de Manuales de Teología). p.271.
OFÍCIO DIVINO DAS COMUNIDADES. São Paulo: Paulus, 2011.
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Missal Romano. Trad.: CNBB. São Paulo: Paulus, 1997.
_______. Palavra do Senhor III: Lecionário para as missas dos Santos, dos comuns, para diversas necessidades e votivas. Trad.: CNBB. São Paulo: Paulus, 1997.