A filosofia em nossa vida
Em sua conhecida obra A república, Platão traz o diálogo de Sócrates com Glauco, que versa sobre a ideia de que os males de determinada sociedade seriam sanados com a existência de um filósofo que se tornasse governante, ou de um governante que se tornasse filósofo. Com esta passagem, e guardadas as devidas proporções, traduções e contexto, conseguimos pensar a Filosofia como uma área de grande importância para a sociedade. Apesar de – pelo menos em nossa realidade – o “filósofo” ser aquele que se graduou ou que se especializou na área, todo mundo que tem a capacidade de raciocinar pode ter a atitude de filósofo.
Como podemos definir uma atitude filosófica?
Na mesma obra, Platão nos traz a narrativa da caverna. Sócrates, pede para seu interlocutor imaginar uma caverna na qual viviam pessoas acorrentadas nos membros e pescoço, não podendo olhar para outro lugar senão a parede à sua frente, onde conseguiam enxergar somente a sombra de pessoas que passavam carregando os mais variados objetos; sombras essas que eram projetadas por conta de uma fogueira. Para os prisioneiros, o que viam se constituía como a realidade absoluta. À medida que um desses, por acaso se libertasse, passaria a enxergar a realidade como é verdadeiramente, não sem antes queimar as vistas no sol para somente aos poucos conseguir compreender o mundo real.
Essa alegoria é elementar para compreender a ideia de filosofar: é saber que nem tudo o que está posto à nossa frente é a verdade absoluta, e que o processo de desvelar a realidade pode ser doloroso e trabalhoso. É sobre ela raciocinar, indagar, duvidar, criticar. É construir novas perspectivas, dialogando com outros saberes e outros grupos diferentes do nosso. É saber, enfim, estar atento a tudo. Não é à toa que a tradição filosófica possui diversas áreas de abordagem: Política, artes, religião, cultura, linguagem, tudo é abraçado pela filosofia.
A amizade com o tempo
O termo Filosofia significa “amor pela sabedoria”. Como o significado de “amor” grego pode aludir a outras coisas, geralmente se opta por dizer que o filósofo é “amigo da sabedoria”. Em outras palavras, se sente atraído pela sabedoria, por ela tem um afeto e portanto, procura-a. O bom filósofo (ou quem tem a atitude de filósofo) ainda precisa de um segundo “amigo”: o tempo.
A expressão “envelhecer como vinho” faz todo o sentido quando não se é imediatista em termos de conhecimento. A busca e a escolha das melhores ferramentas para compreender o mundo que nos cerca se configura em uma jornada de anos; tempo esse em que a pessoa se constrói e se desconstrói. Que amadurece em suas opiniões e nas reflexões sobre seus atos passados e futuros. Que experimenta situações que a fazem enxergar as coisas de um modo que anteriormente jamais passaria por sua cabeça. Em que a pessoa compreende que existem inúmeros pontos de vista com os quais se pode dialogar. Kant afirma que quando a pessoa trilha esse caminho de forma autônoma, sem precisar que outros pensem por ela (situacionalmente ou por medo), ela sai da “minoridade” para a “maioridade”.
A máxima de Heráclito, “não se pode banhar duas vezes no mesmo rio” sintetiza as mudanças às quais a realidade se submete constantemente. Se as coisas se transformam, nossa maneira de pensar também deve possuir a mesma dinâmica. A própria tradição filosófica é marcada por diversos momentos cujas discussões do momento eram postas sob diálogo a todo tempo , o que visto posteriormente mostra muito bem como a área acompanhou as transformações sociais. As eras seguintes consideraram elementos que anteriormente ainda não estavam no espectro da abordagem. É assim que entra na filosofia contemporânea a discussão sobre o ambiente, a ciência, a tecnologia, o pensamento de povos subalternizados pela história, etc.
A paciência filosófica num mundo acelerado
No mundo corrido, como é o nosso, o desafio do pensamento é grande e o do tempo maior ainda. Estamos imersos em um mundo que desafia os limites da difusão de informação, no qual somos bombardeados quase que o dia inteiro, o que não significa necessariamente que as pessoas sejam mais críticas ou pensem mais sobre o que captam. A informação vem cada vez mais facilitada em imagens, vídeos, briefings, existem inclusive sites que estimam o tempo de leitura, para que o leitor saiba quanto tempo ele precisa para absorver aquela informação. Essas formas de comunicação possuem um lado positivo, por serem melhor absorvidas. Em compensação, percebe-se que o status quo é: quanto mais informação em menos tempo para absorve-la, melhor. Ao mesmo tempo que somos altamente produtivos, porque nos é exigido, somos também muito receptivos. É preciso saber desacelerar e filtrar.
Franciscanos: amigos do tempo e da sabedoria
A ordem franciscana possui vários filósofos de renome, como Guilherme de Ockham, Duns Scotus e São Boaventura. No tempo da formação religiosa, a filosofia é importante como uma ferramenta que auxilia os religiosos a desenvolverem conhecimentos fundamentais para sua opção de vida. O próprio Francisco era um indagador, alguém que não se conformava com o mundo, alguém que pensava constantemente. Não é por menos que ele inicia a saudação às virtudes com “Ave, Rainha sabedoria”, seguido de sua “irmã”, um elemento que o filósofo também precisa ter: “a simplicidade”.
Para que a filosofia?
A filosofia é, portanto, feita na existência. Somos seres em construção, e amadurecemos através de erros de percurso, acertos, experiências boas e dolorosas. Cabe a cada um tentar compreender esses aspectos da vida como parte de um longo processo que não tem um ponto específico, e que é durante ele que escolhemos se queremos ou não nos tornar mais sábios e transformadores da realidade.
Michel Albuquerque Maciel
Graduado em filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco, Manaus – AM.
Referências:
PLATÃO. A República. Trad. Anna Lia Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”?. In: Textos Seletos, 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
HERÁCLITO. Fragmentos. In: Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 2017.