Um abraço fraterno aos Quilombos de Santarém
O projeto Omulu, que atua junto da Federação das Associações quilombolas da de Santarém (FOQS), Oeste do Pará, planejou e articulou em parceria com a Custódia São Benedito e com o apoio da Franciscan Mission, uma ação solidária de final de ano, intitulada Omulu Solidário. O gesto de solidariedade consistiu na distribuição de kits de final de ano. O material entregue consistia em alguns itens de alimento não perecível para famílias das comunidades tradicionais. Ao mesmo tempo a atividade representou a partilha que este tempo do Natal sempre desperta e foi ainda uma forma de ser presença em cada um dos territórios, que contabilizam um total de 12, contaremos aqui como foram as entregas em duas áreas da zona rural de Santarém. A coordenadora do Projeto Omulu, Marluce Coelho, comentou sobre essa iniciativa.
– O projeto OMULU surgiu no começo da Pandemia da Covid-19. No boom da Pandemia os territórios quilombolas não sabiam ainda a dimensão da Covid e aí surgiu a ideia de iniciar o projeto. O antropólogo, Aldo Luciano, foi quem deu o pontapé inicial junto com a Sra. Miriane Coelho e por mim (Marluce Coelho). Escrevemos o projeto e esse foi aprovado por várias instituições e com esse apoio financeiro nós compramos cestas de alimentos e kits de higiene pessoal para distribuir nos quilombos.
Ainda conforme a coordenadora, o projeto transpassou a ideia inicial e foi dada continuidade com ações solidárias.
– A Custódia São Benedito da Amazônia através do projeto encaminhado à Franciscan Missions é uma das maiores apoiadoras na parte humanitária. No primeiro momento fizemos a ação da Covid-19, pois com toda situação, muitos dos quilombolas não tinham o mínimo na mesa. Neste ano de 2022, a ação que estamos realizando é uma “Ação Maior”, que é a distribuição de cestas básicas para as festas de fim de ano. Essa é a segunda fez que estamos realizando. Ano passado só conseguimos entregar cestas e brinquedos em uma comunidade. Agora conseguimos entregar em 12.
Os frades da Custódia São Benedito da Amazônia, abraçaram a iniciativa dentro de um projeto mais amplo de solidariedade no tempo do Natal, que além da partilha com os grupos quilombolas, também alcançou indígenas e pessoas necessitadas da realidade urbana. O sentimento que brota é de que, ao celebrar a fé no Deus que repousou na manjedoura e se solidariza com a nossa fragilidade humana, todos devem reconhecer e manifestar nosso amor aos irmãos e irmãs. Inspirados pelo Evangelho reconhecemos os apelos que brotam das necessidades concretas das pessoas e assim respondemos ao pedido de Jesus “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
Pelos Quilombos do Planalto
No dia 29 de dezembro, os voluntários da distribuição das cestas, os membros da FOQS, o membro da OFS e do movimento quilombola, Aldo Luciano, dois frades, Frei Fábio Vasconcelos e Frei Juan Kaio, e o fotógrafo Jaime Carvalho, seguiram para a região do Planalto Santareno. Um micro-ônibus conduziu a equipe e os kits foram transportados em um pequeno caminhão. O grupo, com treze integrantes, por volta das 7h30 começou a carregar todos os materiais necessários e logo em seguida partiu para ação. Nem mesmo a chuva que caia naquele momento e que acompanhou boa parte da viagem conseguiu impedir a atividade. Foram visitados nesse dia quatro quilombos, na respectiva ordem: Bom Jardim, Murumurutuba, Murumuru e Tiningu.
Em cada quilombo era feita uma recepção por parte do presidente do quilombo, uma apresentação dos participantes, uma fala sobre o projeto Omulu, feita pela coordenadora Marluce Coelho, uma alocução do atual Presidente da FOQS, o senhor Mário Coelho. Por sua vez, Frei Fábio e Frei Juan se revezavam nos momentos de bênção e deixavam uma mensagem franciscana às populações visitadas, como forma de um agradecimento público dos frades à entidade apoiadora, além de uma fala sobre um aspecto de partilha. Em seguida prosseguia-se com a entrega das cestas.
No decorrer da atividade não faltaram momentos de boa conversa, logo que os frades se identificavam muitos relembravam a presença franciscana na região. Também por ocasião das entregas foi destacada a importância das mulheres dentro do cuidado e da articulação sócio-política quilombola, o dom das mulheres quilombolas foi valorizado em cada uma das visitas. A acolhida recebida foi algo marcante e para equipe que realiza as entregas fora servidas maravilhosas iguarias locais (açaí, peixe, galinha caipira).
Ao finalizar as visitas o grupo sentiu um grande carinho por parte das pessoas e retornou animado para a etapa no dia seguinte que aconteceria na região de Várzea. Para quem não conhece a região de Várzea tem características próprias, em geral por ser uma área alagadiça que em boa parte do ano convive com as dinâmicas de cheia e vazante dos rios amazônicos.
Nos Quilombos da Várzea
A viagem aconteceu no dia 30 de dezembro, como continuidade das atividades de entrega dos kits de fim de ano. Nessa etapa um barco conduziu o grupo e transportou os alimentos. A saída do porto da praça da matriz, localizado na frente da Cidade, aconteceu às 8h10. Um café da manhã regional foi servido aos voluntários, que eram os mesmos citados acima e mais outros integrantes. Nesse segundo dia os quilombos foram: Arapemã, Saracura, Nova vista, São José e São Raimundo.
A primeira comunidade visitada foi Arapemã, que fica a aproximadamente trinta minutos de Santarém, dela ainda se avista a frente do Município. A dinâmica de entregas seguiu o mesmo procedimento do dia anterior. No quilombo Saracura, quando o sol já estava a pino, foi servido aos membros da equipe um almoço delicioso, com uma variedade de peixes da região. Em seguida, no horário de meio dia e meia, os motores do barco novamente entraram em ação e levaram o grupo para o quilombo seguinte.
As redes atadas no barco permitiram a alguns dos passageiros dar um descanso, muito embora as ondas dos rios, chamadas de banzeiros, estivessem agitando bastante a embarcação. Banzeiros vencidos, e a tripulação aportou no quilombo Nova Vista, um destaque especial para a fala do coordenador da FOQS, que ressaltou a importância de aprender com a sabedoria dos mais velhos na hora de tomar decisões. Logo depois, o grupo atravessou para a outra margem do rio e chegou à comunidade São Raimundo, onde o encerramento dessa fase, do que também se denominou um “abraço fraterno” aos territórios, foi assinalada por muita alegria e empolgação, a começar uma dança bem ao estilo festivo do povo quilombola. Depois de todas as cestas entregues, o barco voltou repleto do sentimento de dever cumprido e cheio de gratidão compartilhada.
Unidos pela solidariedade com os povos da Amazônia
Podemos dizer que essa ação representou um esforço conjunto, num encontro fecundo de muitas pessoas. Tivemos a colaboração dos apoiadores da entidade Franciscan Mission, dos Estados Unidos, da Custódia São Benedito da Amazônia, da Federação das Associações Quilombolas, dos membros do projeto Omulu e de demais pessoas que se envolveram na causa. Os membros da Comunidades abraçaram a iniciativa fazendo ao máximo para que tudo estivesse pronto, e carinho foi visto em cada gesto, como na entrega e confecção de um cartão de fim de ano para cada família beneficiada.
Também podemos afirmar que na concretização desse gesto de partilha fraterna se envolveram membros de diferentes ramos da Família Franciscana. Nesse ponto destacamos de modo especial a Ordem Franciscana Secular (OFS) que dispõe do Centro Franciscano Santa Isabel da Hungria para funcionar como espaço de preparação e distribuição das cestas. E o ato franciscano da solidariedade foi o que nos envolve nestes momentos de encontro.
Igualmente podemos falar de um encontro intercultural que essa ação nos permitiu. Omulu, que dá nome ao projeto, na cultura afro-brasileira é o orixá que representa a cura, presença dos caminhos entre a vida e a morte, e nessa inspiração quisemos nós, como comunidades irmãs nos colocar diante da presença samaritana que cura as feridas, e sermos Inter-religiosamente sinal da paz e do bem.
Frei Fábio Vasconcelos e Sabrina Gonçalves