O desafio de falar sobre o Oikos franciscano é grande. A proposta de texto que temos aqui é a de uma revisão sobre pontos da espiritualidade franciscana que nos inspirem no nosso viver na Casa Comum. Apresentamos alguns fragmentos do pensamento franciscano sobre Casa e habitação para olharmos Francisco enquanto habitante da Terra. Podemos assim nos perguntar: como pensar em uma casa estática para o itinerante e desapegado Francisco?
O Santo de Assis, não quis se apropriar de nada e fez do seu claustro o mundo todo, conforme metaforizado no diálogo com a pobreza, escrito em “Sagrado Comércio”. Mas, antes da sua conversão, Francisco habitava uma casa, que aqui evoca mais do que um espaço localizado. A experiência da itinerância do residir é um aspecto que nos leva a pensar como Francisco de Assis pode aprender e ver a inteireza desse sistema vivo em cada canto da Casa Comum. A palavra residência nos leva a pensar no campo onde se senta para aprender, um lar de onde se transmitem bons valores e, no residir franciscano, temos espaço largo para aprender a ver a Terra como Casa da Criação.
A casa de Pedro Bernardone, a primeira casa de Francisco, tinha uma estrutura e um pensamento e, o pobrezinho logicamente, seria um dos herdeiros daquela casa. Francisco estava sendo preparado para seguir com o modo de pensamento da casa paterna. Os tempos em cárcere, quando capturado na batalha e feito prisioneiro, no período de um ano, em Perúgia, e depois no seu retorno a Assis na “prisão domiciliar” imposta pelo seu pai, foram para o Sol de Assis um momento de sofrimento e de reajuste de pensamento. Assim, Francisco foi adentrando mais e mais pela “Casa da Conversão” para reconstruir-se e renovar o Oikos de Deus.
A conversão é uma mudança de mentalidade que gera novos hábitos. Reformar a casa interior repercute também no fazer. Leonardo Boff (2021), nos lembra, ao falar de Francisco como ícone da espiritualidade ecológica, que com o espírito do Irmão universal, podemos recriar nossa casa do nosso íntimo, por conseguinte, irradiando o bem viver no exterior da Casa Comum. Neste mesmo processo que hoje também se conclama para uma conversão ecológica, precisamos mudar nosso agir dentro da Casa Comum. Para tal fim, é certo que contamos com a divina inspiração que ajudou na mudança de mentalidade de Francisco e o fez perceber que a casa de Deus é toda a Criação.
Francisco sabia sentir-se em casa. Tornou-se um amante das habitações simples, do viver nos bosques, e desse modo sentia toda a terra como sua casa e todos os seres como seus irmãos e irmãs. Concebia todo lugar com um oratório (rezava algumas vezes dizendo: … aqui e em todas as igrejas do mundo) e uma morada sua. O episódio da sua estadia de Francisco e seus companheiros no tugúrio de Rivotorto, é um louvor à sobriedade feliz daqueles que se fazem habitantes e não possuidores da Casa. Ouvimos que a cabana apertada de Rivotorto não fechava o coração de Francisco, porque seu amor, assim como sua fraternidade, era universal. Interessante notar como todas essas casas, ou lugares (choupana, igrejinha, montanha) onde o Santo passou tornaram-se lares de oração. O universal amor de Francisco e sua mística de cuidado são postos como paradigma da ecologia integral. A casa de Francisco é tão destacada por ser firmada na Boa Nova anunciada as criaturas e por uma “cordial inteligência” (BOFF, 2021).
Outros lugares foram destacados pelo seu cuidado e amor, entre eles a Casa-Igreja de Santa Maria dos Anjos. Também o monte Alverne que foi para ele lugar de oração e da manifestação da presença divina. Ao contemplar os lugares onde Francisco rezava e pregava, muitos suspiraram e puderam exclamar que ele soube bem escolher suas moradas. Em cada um desses lugares Francisco habitou inteiramente como casa presente na grande morada comum de todos os seres. Esses elementos da casa de Francisco expressam bem o conceito de sobriedade feliz da encíclica Laudato Si’.
De acordo com Murray Bodo, o Santo de Assis alargou seu pensamento percebendo sobre Deus, percebido como “aquele que compartilha e vive com todas as criaturas”. Esse habitar de Deus, é fortemente sentido em Jesus que vem habitar entre nós. Da visão econômica dominadora, Francisco passa à economia do Amor, aprendendo que a economia divina é diferente.
Se em nossas casas temos retratos, também podemos dizer que existem retratos na casa comum. O sol é uma radiante imagem de Deus. Assim, Francisco também, em cada retrato louvava o artífice de todas as criaturas. Na beleza dos seres, o santo louva o Belo por excelência. Foi ele quem dispersou bem os itens da casa comum. Afirmar que Deus habita em tudo que criou é uma afirmação correta, nós nos fazemos morada dele. E Cristo, o primeiro de todas as criaturas, fez da nossa Terra um lugar mais repleto de vida.
Habitamos uma única terra, com espaços e culturas diferentes que são chamados à comunhão na diversidade. A itinerância de Francisco o possibilitou estabelecer morada em várias realidades e dialogar com elas. No mundo de hoje, onde em muitos lugares o individualismo e interesses puramente econômicos tornam-se portas fechadas para os clamores dos pobres e da Terra, muitos quantos que, encerrados em suas confortáveis e luxuosas salas, pensam serem loucas as falas de andarilhos às projeções sobre o futuro da Terra e sua necessária reconstrução. E os gritos desesperados vem de nossos irmãos dentro da casa, são como aquele Frade desesperado por comida no meio da noite. No entanto, nem todos são sensíveis como Francisco, que quebrou o jejum para cear com ele. Estão como que trancados nos fortes muros de Assis, sem contemplar os bosques e o cantar dos pássaros, e sem sofrer por isso.
A reflexão que partilhamos aqui, sobre a casa franciscana com uma habitação fraterna da Casa Comum, deve nos iluminar e instigar na busca de uma nova forma de viver no Planeta. O modo franciscano de existir nos inspira o cuidado com o lugar onde habitamos. Os ideais franciscanos constroem um modelo de vida reconstruído que louva e cuida dos dons dados por Deus. Habitar franciscanamente jamais será compatível com saquear, destruir e abandonar a Casa Comum. Que o simples modo de viver de Francisco nos ilumine na luta pela integridade da criação.
Fábio Vasconcelos, OFM
Licenciado em Filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco (Manaus-AM) e acadêmico de Teologia no Instituto Teológico Franciscano (Petrópolis)