Frei Edilson relata visita à Missão São Francisco do Rio Cururu

 

Frei Raoul, Frei Edilson, Reginaldo e Elsio em viagem pelo Rio Cururu (Jacareacanga – PA). Foto: Frei Edilson Rocha.

 

Nos dias 1º a 10 de outubro, a Ir. Lioneide Brito da Silva, Coordenadora da Unidade do Imaculado Coração de Maria, da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição (SMIC), Frei Raoul Azevedo, OFM, e eu realizamos uma visita à Missão São Francisco, mais conhecida como “Missão Cururu”.  Desde o ano passado, a presença dos frades se tornou escassa e, por fim, ficamos ausentes da Missão já por praticamente um ano, com a exceção de algumas visitas esporádicas em algumas aldeias, feitas pelos Frades Carmelitas de Jacareacanga ou por Frei Raoul e Pe. Ronaldo, a partir de Itaituba. Num tempo particularmente difícil para o povo Munduruku, com a pandemia e as ameaças de todo tipo que pairam sobre os povos indígenas e particularmente sobre os Munduruku, deixamos as irmãs sozinhas na Missão São Francisco, com o peso enorme das responsabilidades que decorrem deste compromisso missionário da pastoral indigenista. No momento estão assegurando a presença missionária na Missão as irmãs Cláudia Regina Carlos de Morais e Antônia Débora Bernardo de Paulo. Duas missionárias, dedicadas e corajosas! 

Os “paim” e as irmãs, embora não tenham autoridade política sobre as lideranças das Aldeias Munduruku, constituem uma autoridade moral e religiosa, muito importante na vida deste povo e muito valorizada por eles. Quando percebem que há um real interesse, conhecimento de sua causa, compromisso com suas lutas por parte dos missionários, as lideranças Munduruku procuram seus conselhos e, mesmo que possam parecer desinteressadas no momento da escuta, levam estes conselhos a sério, sobretudo em situações complexas como as que estão vivendo atualmente. Depois de mais de um século de presença muito significativa de grandes missionários e missionárias franciscanos entre o povo Munduruku, a nossa ausência e omissões, num tempo de crises e de graves ameaças à vida, unidade e cultura deste povo, também ameaçam a nossa credibilidade diante deles e da Igreja Local, que confia a nós essa Missão. Outros agentes religiosos fundamentalistas e não comprometidos com a vida, valores culturais e lutas do povo Munduruku vão ocupando o vazio deixado por nós. A devastação é bem mais ampla do que a destruição do meio ambiente, da unidade das comunidades e da autoridade dos autênticos líderes e de seus velhos sábios… Um processo de destruição silencioso e perverso está em curso. “O Rio Cururu é o último de águas cristalinas que ainda está preservado, mas as pressões são enormes…” diziam-me algumas lideranças das aldeias.  

 

Frei Edilson, Irmãs e Catequistas da Missão Cururu. Foto: Arquivo Pessoal.

 

 

Esta visita em conjunto com a Ir. Lioneide estava planejada desde o ano passado. Teríamos ido à Missão São Francisco em maio de 2020, ano I da pandemia. Dom Wilmar Santin, OCarm. nos havia convidado para uma assembleia da pastoral indígena da Prelazia de Itaituba, que seria realizada na “Missão Cururu”. Mas a pandemia chegou em março e paralisou tudo e obrigou todo mundo a simplesmente cancelar as agendas. No segundo semestre de 2021, com o avanço da vacinação e relaxamento das restrições às viagens, bem como pelos dados cada vez mais positivos sobre o arrefecimento da crise sanitária, achamos possível a realização desta visita, aproveitando a festa de São Francisco de Assis, que é o padroeiro da “Missão Cururu”. Pedi ao Frei Raoul para organizar toda a logística para a viagem, o que ele fez com muita dedicação e competência, por já ter um pouco de experiência e conhecimento dos caminhos que levam à Missão. Trata-se de uma viagem extremamente dispendiosa. Neste caso, ainda mais porque levamos muitas cargas, precisando de um frete de avião entre Jacareacanga e a Missão, ida e volta, e de duas embarcações com pilotos especializados em Rio Tapajós e Rio Cururu. Além de precisar fretar uma camionete de Itaituba até Jacareacanga e depois até o Ramal do Bena, acima da maior cachoeira do Tapajós, para levar parte das cargas, divididas entre as duas embarcações que subiram ao Cururu. O suporte logístico dado por Frei Raoul foi excelente e a acolhida e apoio em nossa fraternidade de Itaituba, por Frei Paixão, também excelentes e fundamentais na ida e na volta! Nossa gratidão por todo o apoio e acolhida! 

 

Frei Edilson e profissionais que atuam na Missão. Ao fundo a vista da Casa das Irmãs. Foto: Arquivo Pessoal.

 

Nós que saímos de Santarém pela BR-163 e seguimos pela Transamazônica até Jacareacanga e Ramal do Bena (no sentido Apuí-AM), precisamos enfrentar cerca de 850 quilômetros de estradas, maior parte de trechos ruins, sem asfalto e bem perigosas, sobretudo entre Itaituba e Jacareacanga. As belezas das paisagens, sobretudo dos Rios Tapajós e Cururu, compensam todos os desafios e sacrifícios da viagem. 

Em nossos dias de visita, celebramos a festa de São Francisco, na aldeia da Missão do mesmo título. Celebramos no domingo, dia 3 de outubro, pela manhã, e à noite, participamos da encenação-celebração do Trânsito de São Francisco, feita na Praça São Francisco, ao lado da Igreja, pelos jovens da comunidade. Muitas pessoas das aldeias vizinhas vieram participar da festa e todos os momentos foram bem participados. Domingo cedo, antes das 7h, a comunidade vizinha da Aldeia do Caroçal chegou trazendo a imagem de São Francisco, acompanhado por São Benedito, na procissão que subiu da margem do Cururu até a Igreja da Missão. A juventude das duas aldeias conduziu a procissão, com participação majoritária de jovens e crianças. Houve a Missa da Festa com celebração do Sacramento da Confirmação de alguns jovens, com a autorização de Dom Wilmar Santin.  O resto do dia 4 de outubro foi só de festa, com a presença de muita gente das outras aldeias. No dia 5 de outubro, dia de São Benedito, bem cedo de manhã, a imagem de São Benedito, que viera com São Francisco de Assis no dia anterior, foi levada de volta para a Aldeia Caroçal. Celebramos a festa de São Benedito em Caroçal com duas Missas: pela manhã, às 7h30 e à noite, às 19h. À tarde, Frei Raoul celebrou um casamento e alguns batizados de crianças. Eu escutei as confissões de 14 crianças, que celebraram a Primeira Comunhão, na Missa de encerramento da festa, à noite, celebrada na pracinha ao lado do Posto Médico. Após a celebração, seguiu-se um momento cultural, com muitos cantos e danças, na pracinha. Pernoitamos na Aldeia e retornamos à Aldeia da Missão na manhã do dia 6 de outubro. Almoçamos cedo e seguimos para a Aldeia de Santa Maria, aonde chegamos no meio da tarde. No dia 7 pela manhã celebramos a Missa, com um casamento de um casal de adolescentes. Depois da Missa, Frei Raoul celebrou os batizados. Perdemos o almoço nesta manhã, porque foi servido muito cedo e não prestamos atenção à chamada. Antes do meio-dia começamos a subida para a Cachoeira do Kreputiá, onde passamos algumas horas contemplando a paisagem e aproveitando para tomar um banho nas águas ainda cristalinas e puras do Rio Cururu. Dali, descemos à Aldeia de Bananal, onde pernoitamos. Reunimos com a comunidade à noite e celebramos a Eucaristia às 7h30 da manhã do dia 8 de outubro, com a primeira comunhão de quatro crianças. Após a Missa, retomamos a descida do Cururu até à Missão São Francisco, onde encontramos a acolhida amorosa de Ir. Claudia nos esperando com o almoço já na mesa. Nestes dias, as Irmãs Lioneide e Débora nos acompanharam nas visitas às Aldeias. Ir. Débora é excelente para animar os jovens e as crianças, bem como ajudar a preparar as liturgias em cada Aldeia. A participação dos jovens e crianças na animação é impressionante! A presença dos Ministros da Palavra e Catequistas em cada Aldeia é muito animadora. Um trabalho que precisa ser continuado com o apoio e a formação necessários. Uma última visita antes da nossa partida da Missão foi feita por Frei Raoul à comunidade do Posto Indígena Munduruku. Eles pediram esta visita na nossa passagem pela Aldeia, no dia 1º de outubro. Frei Raoul retornou ao Posto Munduruku, no dia 9 de outubro e celebrou com a comunidade alguns batizados de crianças. Retornou para a Missão no dia 10 de outubro, quando retornamos para Jacareacanga. Ainda celebramos também a Missa dominical na Aldeia São Francisco, na manhã do dia 10 de outubro. Ali, como em todas as Aldeias, sentimos o esvaziamento da participação nas celebrações pelo fato de muitas famílias terem descido para Jacareacanga naqueles dias. Os primeiros dias do mês são dias de receber benefícios, salários, aposentadorias etc. Nas reuniões que tivemos com os capitães de algumas aldeias, eles reclamaram dos sacrifícios, riscos e altos custos das viagens mensais até Jacareacanga.

 

Irmã Cláudia e dois jovens Munduruku. Foto: Arquivo pessoal.

 

Em todas as aldeias por onde passamos, as lideranças da comunidade nos pediram uma reunião. Em geral, era para apresentar suas necessidades e projetos de melhorias, especialmente para as Capelas. Mas as demais carências das aldeias saltam aos olhos de qualquer pessoa atenta: os postos médicos, as escolas, as capelas…  estão em lamentável estado de deterioração. Na reunião que tivemos com os capitães de algumas aldeias do Rio Cururu, na tarde do dia 3 de outubro, escutamos um rosário de necessidades das comunidades e pedido de ajuda para superar essas carências. Anoitei tudo e prometi estudar soluções e respostas para aquelas que estiverem ao nosso alcance. Outros detalhes se encontram na crônica que redigi sobre esta visita, registrando o dia a dia da viagem ao Rio Cururu e visitas a algumas de suas aldeias. Na passagem de volta por Itaituba, expus ao Dom Wilmar algumas destas carências e os pedidos das lideranças, especialmente no que toca à questão dos casamentos civis. 

 

Frei Edilson conversando com lideranças das aldeias. Foto: Arquivo pessoal.

 

Concluo estas linhas agradecendo a Deus pelo bom êxito da nossa visita e pela acolhida e hospitalidade fraterna que experimentamos em todo o percurso da viagem, começando pela hospitalidade dos confrades de Itaituba, a solicitude dos irmãos missionários Carmelitas de Jacareacanga, tão fraternos conosco, a acolhida das Irmãs Claudia e Débora, na Missão São Francisco, os cuidadosos pilotos Munduruku, Reginaldo e Elsio, e o carinho e hospitalidade dos irmãos Munduruku em todas as Aldeias por onde passamos, começando pelos Capitães, Ministros da Palavra e Catequistas que animam as comunidades na fé. 

Se tivermos missionários disponíveis e coragem para continuarmos presentes entre o povo Munduruku, continuaremos a ser a última presença missionária franciscana, de modo permanente e comprometido, entre os povos indígenas no Brasil. 

São Francisco de Assis, Santa Clara e São Benedito nos ajudem! 

Frei Edilson Rocha, OFM

 

 

Confira mais algumas fotos da visita:

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