Os Franciscanos na Amazônia: Um olhar histórico
Assim como na história do Brasil, os Franciscanos estiveram presentes na história da Amazonia desde os primórdios da evangelização. Apesar de a Foz do Rio Amazonas ter sido visitada pelos exploradores espanhóis ainda na última década do século XV e de algumas célebres expedições descendo o grande rio desde os domínios espanhóis de além dos Andes, ainda durante o século XVI, somente na segunda década do século XVII foi iniciada a conquista da Amazônia pelos portugueses, iniciando por São Luis do Maranhão e Belém (1613-1616), mais de um século depois da chegada das caravelas de Cabral à Bahia. Também nos inícios da entrada dos europeus na grande região Norte do Brasil, inicialmente toda ela chamada de “Maranhão”, os filhos de São Francisco se fizeram presentes, sejam os Capuchinhos Franceses, em São Luis, ou os Franciscanos das Províncias de Portugal. Para uma visão bem detalhada desta presença franciscana no Maranhão e Grão-Pará, no período colonial, recomendamos uma visita à obra de Maria Adelina Amorim, Os Franciscanos no Maranhão e Grão-Pará. Missão e Cultura na metade de Seiscentos. Edição do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa 2005.
A primeira época: presença franciscana na Amazônia Colonial
Os frades menores estiveram presentes na região amazônica – Capitanias do Maranhão e Grão-Pará – desde as expedições contra os franceses, no Maranhão, em 1614, até a segunda metade do século XVIII. Seguindo uma divisão dos territórios da região entre os grupos missionários, determinada pelo Rei D. Pedro II, de Portugal, em Carta Régia de 19 de março de 1693, os frades das três províncias portuguesas que atuavam na região, chamados à época de “Capuchos”, um dos ramos da reforma dos observantes, ficaram encarregados das missões situadas ao norte do Rio Amazonas e do Cabo do Norte. Um território que abrangia o arquipélago do Marajó, Cabo do Norte (Atual Amapá), Gurupá e as localidades da margem esquerda do rio Amazonas: Almeirim, Prainha, Monte Alegre, Alenquer, Óbidos, Faro, etc. topônimos que foram impostos pelo novo “Diretório de 1757”, maior expressão da política pombalina para os domínios coloniais lusitanos do Maranhão e Grão-Pará. Como resultado dos muitos conflitos entre os missionários presentes na região e o governo despótico do Marquês de Pombal, grande parte dos missionários que atuavam na região desde os inícios da colonização foram expulsos. A maior luta foi com os Jesuítas (Companhia de Jesus), mas também muitos Franciscanos foram expulsos e houve um desmonte e destruição geral do sistema missionário dos aldeamentos indígenas. Os frades das três províncias que atuaram na região até 1757 se retiraram das missões por não concordarem com o novo regime paroquial imposto pela legislação pombalina.
Entre o final do período colonial e o início da época imperial, já com o Brasil independente, a presença franciscana continuou, pelo menos até 1830. Entretanto, as restrições e a política de sufocamento impostos pelo Estado à vida religiosa, junto a outros fatores internos à própria vida religiosa, os frades menores foram desaparecendo da cena. Quem se destacará em algumas missões na região, em meados do século XIX, serão os Capuchinhos, que também são presença franciscana na região.
A segunda época: recomeço missionário na Amazônia do século XIX
Os frades menores retornaram à região na última década do século XIX, com tentativas frustradas de estabelecimento de novas missões no Amazonas. Frades italianos e holandeses, que diante do clima e das doenças endêmicas da época, acabaram migrando para os Estados do Sudeste e Sul. Uma nova presença, mais estável e duradoura, dos franciscanos na região, veio quando os frades menores foram chamados para assumir a Prelazia de Santarém. Erigida em 1903, a imensa Prelazia de Santarém abrangia cerca da metade do Estado do Pará. Diante de tal extensão territorial e da ausência de clero e de missionários, a Santa Sé recorreu aos frades menores para lhes lançar o desafio de cuidar da nova Prelazia. Foi assim que, a partir de 1907, a Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil começou a enviar missionários para Santarém e região do Baixo-Amazonas. Entre 1907 e 1957, 77 frades daquela Província, grande parte deles alemães, passaram pela Prelazia de Santarém. Entre os frades missionários da primeira leva, dos inícios do século XX, junto com Dom Frei Amando Bahlmann, alguns vieram da Província da Imaculada Conceição do Brasil. Ambas as Províncias, do Nordeste e do Sudeste do Brasil, tinham sido restauradas com missionários provenientes da Alemanha. Quando as duas Províncias se encontravam totalmente restauradas e já com numerosas vocações brasileiras, os frades alemães, sempre movidos por forte espírito missionário, aceitaram o desafio de missionar nas terras amazônicas, enfrentando o clima diferente, as doenças endêmicas, as distâncias enormes, uma vida cheia de sacrifícios. Quando, na década de 1950, a Prelazia de Santarém já contava com um bom número de frades norte-americanos, da Província do Sagrado Coração de Jesus, dos Estados Unidos, os frades da Província de Santo Antônio, junto com Dom Floriano Lowenau, a partir de 1957, assumiram os cuidados pastorais da Prelazia de Óbidos, recém-criada, separando o extremo Oeste do Pará da Prelazia de Santarém. A história dos frades menores, ao longo do século XX, nesta parte da Amazônia, é muito marcada por um forte espírito missionário. Os frades não vinham dar alguns anos de sua vida na missão: vinham dispostos a dar todo o tempo de sua vida!
A terceira época: novo sopro e ardor missionário na Amazônia
Desde a retomada da presença franciscana na região, a partir de 1907, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Província de Santo Antônio de Brasil conseguiu prover a Prelazia de Santarém com frades missionários, a maioria deles de origem alemã. O contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tornou muito difícil e até impossível o fluxo de novos missionários alemães em direção ao Brasil. As necessidades pastorais cada vez maiores da imensa Prelazia de Santarém exigiam mais mão-de-obra para assistir melhor as comunidades católicas espalhadas ao longo dos rios e lagos da extensa região. Havia também as populações indígenas, ribeirinhos e quilombolas, com presenças missionárias precárias desde os finais do século XIX.
Frente a estas carências da Prelazia, Dom Anselmo Pietrulla, Bispo Prelado de Santarém desde 1941, fez um apelo ao Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, solicitando o envio de missionários para a região. Ele sugeriu buscar estes missionários nas províncias franciscanas dos Estados Unidos, àquela época muito ricas em número de vocações. Atendendo à solicitação de D. Anselmo, em inícios de 1943, Frei Mathias Faust, delegado geral da Ordem para a América do Norte enviou uma carta ao Provincialado dos Franciscanos da Província do Sagrado Coração de Jesus, dos Estados Unidos, apresentando o apelo do Ministro Geral para o envio de missionários franciscanos para assumirem responsabilidades por alguma área específica da imensa Prelazia de Santarém, no Norte do Brasil. O apelo foi lançado no dia 1º de março de 1943 e, em uma semana 28 frades apresentaram-se como voluntários para a nova missão. Nem todos chegaram a vir ao Brasil, mas grande parte daqueles jovens frades foram enviados para a região e alguns deles deram o melhor de suas vidas nesta missão.
No dia 25 de junho de 1943 chegava o primeiro grupo de frades estadunidenses em Santarém. Eram eles: Frei Junípero Freitag, Frei Severino Nelles, Frei Tadeu Prost e Frei Conleth (Frei Tiago Ryan). A partir de então, sucessivos grupos de frades foram sendo enviados para o novo Comissariado dos Franciscanos do Rio Tapajós, que logo seria transformado em Custódia do Sagrado Coração de Jesus, vinculada à Província do Sagrado Coração de Jesus. Em pouco mais de dez anos – entre 1943 e 1955 – o Comissariado dos Franciscanos do Rio Tapajós, em crescimento constante em número de frades missionários, estaria apto para assumir os cuidados pastorais da Prelazia de Santarém. Em 1957, foi erigida a Prelazia de Óbidos, tendo como seu primeiro Bispo Prelado D. Floriano Lowenau. E junto com D. Floriano, os frades alemães e brasileiros pertencentes à Província de Santo Antônio assumiram os cuidados pastorais da nova prelazia, deixando as casas e paróquias da Prelazia de Santarém com os frades da nova Custódia Franciscana, erigida pela Província do Sagrado Coração de Jesus. Mesmo com a criação da Prelazia de Óbidos, a Prelazia de Santarém continuava com um território muito extenso, equivalente ao tamanho da Itália. A custódia do Sagrado Coração de Jesus continuou crescendo numericamente com o envio de novos frades missionários da Província-Mãe dos Estados Unidos e com as primeiras vocações brasileiras que foram surgindo. A Província de Santo Antônio continuou enviando frades para cuidar da Prelazia de Óbidos, que abrangia toda a parte noroeste do Estado do Pará, entre os municípios de Alenquer e os municípios da fronteira com o Estado do Amazonas. As duas Prelazias evoluíram para o “status” de Dioceses, desde a década de 1980 e hoje não dependem mais dos franciscanos para atender pastoralmente suas numerosas paróquias e comunidades urbanas e rurais. Um clero diocesano autóctone surgiu e cresceu ao longo das últimas décadas. Assim, as antigas Prelazias cumpriram sua missão de implantar e construir as Igrejas Locais na região, entre o início de século XX e início do século XXI, com a participação ativa dos frades menores, que aos poucos foram se retirando e dando lugar a novos grupos, sobretudo ao clero diocesano local.
A Custódia do Sagrado Coração de Jesus foi erigida em Vice-Província, com o título de São Benedito da Amazônia, em 10 de março de 1990. Depois de cerca de 15 anos como Vice-Província, retornou ao status de Custódia, passando a se chamar Custódia Autônoma de São Benedito da Amazônia, por não ser mais dependente de uma Província da Ordem, mas diretamente vinculada ao Ministro Geral.
Esta entidade franciscana, erigida há 31 anos, tem a sua Cúria Custodial em Santarém, no Pará. Atualmente, está presente nas Igrejas locais da Arquidiocese de Santarém, Arquidiocese de Belém, Arquidiocese de Manaus, Diocese de Óbidos, Diocese de Roraima e Prelazia de Itaituba. A Custódia tem 40 membros, entre frades professos solenes, professos temporários e noviços, além de 8 jovens postulantes. A Custódia compõe-se atualmente de nove casas. Uma fraternidade interprovincial, da Conferência dos Frades do Brasil e Cone Sul, em Boa Vista (RR) e uma missão entre o povo Munduruku do Alto Tapajós (PA). Os noviços da Custódia fazem o ano de noviciado na casa de noviciado São Benedito o Mouro, em Montes Claros (MG), pertencente à Província Franciscana de Santa Cruz.
Frei Edilson Rocha da Silva, OFM*