Os frades norte-americanos da Custódia São Benedito da Amazônia guardam ainda hoje em muitas das casas o costume de celebrar o Dia de Ação de Graças, ou Thanksgiving. Este feriado nacional dos Estados Unidos é comemorado sempre na última quinta-feira de novembro. Recordo tradicionalmente os frades preparam um peru, ou outra ave, que era partilhado entre pessoas do Convento. Chama atenção que em nosso país o dia comercial da “black friday” tenha se popularizado mais que o dia para ação de graças. Será que isso é um sinal de que a cultura do consumo e do descarte tem superado o gesto de bendizer em uma sobriedade feliz?
Além de pensar neste dia comemorativo e suas origens podemos, a partir dele, nos concentrar no que significa o sentimento de gratidão no coração da Amazônia. Falando aos Frades Menores na Amazônia, no Capítulo Custodial 2022, Dom Leonardo Steiner ressaltou a gratuidade de Francisco como elemento significativo para a vida e missão em contexto amazônico. O Cardeal, na ocasião, ressaltava a “pura liberdade do viver e conviver”. Nessa dinâmica de gratuidade os seres amazônicos não são objeto de exploração e comércio, mas são suavemente irmãos e irmãs. Admirar-se da gratuidade do despojamento e da cruz do Senhor são respiros para uma vida de doação ao modo de Francisco de Assis. O gesto da gratidão com toda a Criação, impulsionados pelo louvor de Francisco, são verdadeiras atitudes de uma conversão ecológica.
Aprender a gratidão amazônica
Em Querida Amazônia (n. 70) reconhecemos que entre as riquezas provindas dos povos pré-colombianos está “o sentido da gratidão pelos frutos da terra”. Não faltam exemplos dessa afirmação, quando olhamos para as festas das comunidades e o seu modo de celebrar. No livro pequenos fatos da vida (2016) o missionário Padre Henrique Uggé conta que observando o plantio dos maniva dos Saterê-mawé, observou que eles deixavam “espaços vazios” como pequenas clareiras no roçado. Inquietado com esse procedimento o missionário perguntou por qual motivo os nativos deixavam espaços sem plantio, e uma mulher o respondeu que deixava partes livres no terreno para a primeira mandioca, uma moça muito bela, pudesse dançar e abençoar os pés plantados naquele dia. Ouvindo essa narrativa recordamos que precisamos dar lugar para a gratuidade. Precisamos ainda reconhecer que o sentimento de gratidão e partilha andam muito unidos.
Cultivar a gratidão e a profecia
Gratidão e profecia formas os subtítulos do documento comemorativo dos 50 anos do encontro da Igreja na Amazônia. O caminhar de cinco décadas de uma Igreja comprometida com a Encarnação na realidade e uma evangelização libertadora geram um natural e profundo agradecimento. A entrega, vivida na gratuidade, de tantos missionários e missionária, que se doaram por inteiro, instiga uma atitude profética da nossa parte. A vida missionária na Amazônia é marcada pela acolhida. As palavras do discurso sobre a missão dos discípulos: “vocês receberam de graça, dêem também de graça!” (Mt 10,8) ressoam fortemente neste chão. Temos muito a agradecer pela nossa vida nesta vasta e bendita região. Enfim, que no seio da mãe Amazônia possamos ser sempre gratos por cada fruto colhido ser repartido.
Frei Fábio Vasconcelos, OFM