O cuidado com as raízes segundo Papa Francisco

Arquivo Custodial

A raiz da questão

O Papa Francisco é notavelmente alguém que guarda com alegria suas raízes. Francisco é bem consciente de onde vem e de quais são as suas raízes. O filho de imigrantes piemonteses, nascido no berço de um continente onde muitas vezes a alteridade cultural foi encoberta. Com um olhar teológico e pastoral voltado para Deus e para o povo, Francisco, muitas vezes, se preocupa em falar sobre as raízes culturais e religiosas. As raízes são símbolos que evocam ancestralidade, origem, fundamento, profundidade, comunicação, contato, resistência e vitalidade. Enraizamento é por certo uma necessidade e a ação da Igreja pode ajudar as pessoas a fortalecer e criar raízes. Vejamos então resumidamente alguns ensinamentos do Papa Francisco sobre o tema das “raízes”. 

Assumir nossas raízes

Aos jovens indígenas, em um encontro mundial ocorrido em Soloy-Panamá, o Papa Francisco enviou uma mensagem de vídeo (2019). No conteúdo da fala aos jovens de povos originários Francisco destacou mais uma vez as raízes. Exortou os jovens a “voltar às culturas originais”, que significa ser grato pelo passado, corajosos no presente e esperançosos no futuro. Estimulou as juventudes indígenas a assumir suas raízes, de onde provém força para crescer, florescer e frutificar. E esse assumir as raízes é bem enfatizado como atitude necessária, exclamada e desejada pelo Papa na mensagem. No fim do pronunciamento, Francisco ainda cita um poeta que afirma que o que se vê de florido se origina no que se tem enterrado. 

Jovens com Raízes

Na mesma relação entre juventude e enraizamento encontramos o capítulo VI de Cristo Vive (Christus Vivit). O capítulo é intitulado como “jovens com raízes”. O Papa começa essa parte do escrito recordando árvores belas e grandes, mas que depois de uma tempestade foram ao chão por não terem raízes. Francisco questiona ainda projetos de futuro aos jovens, mas que desconsideram a presença de “raízes”. Na mesma parte do documento trata de temas como: não ser arrancado da terra, a relação com os idosos, sonhos e visões e arriscar juntos. 

Arquivo Custodial

Raízes vivas para florescer e frutificar

Em discurso aos membros do Pontifício Colégio Pio Romeno, o Papa Francisco (2022), recordou o encorajamento para “resistir às novas ideologias que procuram impor-se e desenraizar os povos, às vezes de modo dissimulado, das suas tradições religiosas e culturais”. E convidou ainda os presentes para redescobrir de modo completo as suas raízes. Recordou ainda que “sem alimentar as raízes, todas as tradições religiosas perdem a fecundidade”. Esse pensamento nos propõe a importância de cultivar a memória do dinamismo das origens. Podemos apenas olhar para o tronco, as folhas e frutos e esquecer de o que mantém a árvore são as raízes. 

No mesmo discurso, Francisco, alertou ainda sobre os perigos do carreirismo, do querer “crescer sem raízes” ou do esquecimento de “regá-las”. O Papa frisou ainda que muitos têm medo do crescimento, ficando apenas escondido nas raízes. Podemos ser pessoas que praticam a “poda das raízes” para não legitimamente progredir. A tradição eclesial é, segundo Francisco, um pouco como as raízes, pois dá força para seguir, sem repetir as coisas do passado, mas como impulso da primeira inspiração. O Bispo de Roma tratou ainda do fato de os participantes não esquecerem suas origens e vocação.  

A Alegria do Evangelho e o cuidado das raízes

Em Evangelli Gaudium, sua primeira exortação apostólica, o Papa Francisco já apresenta uma preocupação com aspectos culturais em um mundo globalizado. O perigo do desenraizamento foi pontuado nesse documento com os seguintes termos: “O real cede o lugar à aparência. Em muitos países, a globalização comportou uma acelerada deterioração das raízes culturais com a invasão de tendências pertencentes a outras culturas, economicamente desenvolvidas, mas eticamente debilitadas”. (EG, 62). 

Tratando da relação evangelização global e local, ou entre geral e particular, Francisco destaca que é necessário mergulhar as raízes na terra fértil e história do povo do lugar, mas com perspectiva ampla. Seria agir localmente, enraizadamente, mas com pensamento amplo. Um diálogo que não aniquila as particularidades, mas que ajuda a crescer como comunidade de harmonia pluriforme.  

Raízes na Querida Amazônia

Foto: Frei Bruno Laviola

Em Querida Amazônia, no sonho cultural (Cap. II), Francisco (2020) dedica uma parte do capítulo para tratar do cuidado das raízes (n. 33-35). As raízes culturais são descritas como fonte de sentido de dignidade e identidade, algo profundamente ameaçado na cultura de descarte. Como o corte pela raiz se interrompe uma transmissão cultural de uma sabedoria multissecular. Mais uma vez, recorrendo a poesia, Francisco cita versos que dizem “que tua raiz/ se agarre à terra/ mais e mais para sempre” (Javier Yglesias). 

O desenraizamento é apontado pelo Papa como uma das fontes de uma “coisificação” humana. As raízes precisam ser amadas e cuidadas, pois permitem crescer e responder a novos desafios, afirma o Pontífice. E aos batizados e batizadas somam-se ainda as raízes do povo de Israel e da Igreja, enraizados também nelas se pode beber da alegria e inspiração para agir bem hoje. Também tocando no tema do encontro intercultural, Francisco afirma que: É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas (QA, n. 37).  

Na Viagem Apostólica ao Canadá

Entre os dias 24 e 30 de julho de 2022, como foi amplamente divulgado, o Papa Francisco fez a sua peregrinação penitencial, como ele mesmo definiu a viagem, ao Canadá. Um encontro marcado por profundo respeito e amor pelas raízes culturais dos povos autóctones. Desde a saudação no voo o tema das raízes foi tocado. Por estar comemorando o Dia dos Avós, enfatizou que eles recebem histórias, costumes e muitas coisas. E mais uma vez destacou as raízes como fonte de força para florescer e frutificar.  

Percorrendo então as falas sobre a importância das raízes que nos vem da teologia e práxis do Papa Francisco percebemos o empenho que devemos ter para ajudar no enraizamento. Igualmente precisamos frear o desenraizamento de pessoas e comunidades. Conscientes e felizes com nossas origens podemos abraçar o presente com garra e colaborar na consolidação de um outro mundo possível. Diante de tudo isso encontramos nossa raiz na graça e no amor da Trindade. 

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