O varadouro estreito e a travessia do rio: percursos de conversão amazônica 

Foto: Arquivo Custodial

A experiência de entrar em uma embarcação pequena, seja canoa, “uma rabeta”, ou voadeira para atravessar o rio, apresenta para nós muitas lições. Imaginemos que a viagem pelo rio é toda a nossa vida, na qual nós vamos enfrentando os desafios para chegar ao nosso destino, sempre no encontro com Deus. Se mostram então, diante de nós, um caminho largo e outro estreito. Assim, os varadouros, que são tipos de cortes na mata que cerca os grandes rios e que servem como um acesso para tornar a viagem rápida, também tem um ensinamento para nos passar. Entrar por um varadouro, ou por um igarapé exige de quem está no barco esforço e atenção. Dessa maneira nós podemos comparar a cena da passagem pelos “furos” do rio com o ensinamento de Cristo sobre a “porta pequena” e os caminhos de conversão na Amazônia. 

Certa vez, quando estava no Alto Tapajós, nós, frades e o bispo fomos visitar a aldeia Boca da Estrada para celebrar a festa de São José. Se apresentaram diante de nós duas possibilidades de caminho, o primeiro por terra, caminhando pelos campos e depois, entrando em um igarapé, em um tipo de varadouro, onde só se transitava com “rabeta”. Nosso grupo de visitantes teve então que deixar a voadeira em um local e entrar na embarcação menor ainda. Dentro do varadouro uma surpresa: havia uma árvore caída que tornava a passagem bem mais estreita. Assim, as pessoas que estavam na embarcação tiveram de ajustar-se para passar naquele caminho. E nós, literalmente, nos inclinamos diante da natureza. Ao chegar foi grande a alegria e, logo em seguida, fomos recebidos para um momento de refeição. 

O evangelho de Lucas (Lc 13, 22-30) conta que uma pessoa chegou perto de Jesus e perguntou se era verdade que poucos se salvam. Jesus respondeu então que todos deveriam fazer o esforço de passar pela porta estreita, porque depois que o dono da casa fechar a porta, os do lado de fora vão chamar e não terão resposta. Já no evangelho de Mateus (Mt 7, 13-14) são apresentados dois caminhos: o caminho espaçoso, largo, que leva para a perdição e a porta estreita que leva para a vida. Essas duas passagens nos recordam que para seguir Jesus é preciso renúncia, é preciso fazer uma escolha. Fazer opção por um caminho significa não trilhar o outro.  

A porta estreita nos recorda o esforço e a doação que devemos fazer para sermos mais irmãos, ou seja uma conversão social. Deus não aceita quem bate à sua porta e pratica a injustiça. Não passa no varadouro que leva para o Reino de Deus quem não se esperta para viver o amor. E para atravessar esse caminho é preciso praticar o que ensinou Jesus e não apenas saber quem ele é ou então falar o seu nome. Jesus acaba por não responder se são poucos os que se salvam, ou se seriam apenas um povo ou cultura escolhidos, mas ele apresenta como se salvar. E assim, ele mostra que a salvação é para todos (universal). A mesa do Senhor recebe gente para comer de todas as partes do mundo, do Oriente e do Ocidente, de culturas diferentes. Precisamos então, aqui na terra, fazer o esforço para passar pelo varadouro estreito nos comprometendo para fazer desse mundo um lugar melhor, para depois chegarmos à festa da refeição com Deus. No documento final do Sínodo para a Amazônia?  Se apresentaram as conversões, ou os varadouros, que temos de passar se quisermos chegar a uma evangelização com rosto amazônico. 

Precisamos nos dar conta de que estar entre as terras e águas do alto Tapajós representa um momento muito oportuno, para uma conversão cultural, de encontro com o mistério da vida cristã e da cultura munduruku. Desse modo teremos a possibilidade de refletir dentro dos ritmos de missão e contemplação presentes no território da Mundurukânia. Partilhar, ouvir as pessoas, conhecer lugares, histórias são elementos que tecem uma espiritualidade amazônica. Aprender o franciscanismo que os povos tradicionais praticam e pensar os desafios da vida franciscana que podemos viver juntos são grandes elementos dessa etapa. 

Necessitamos sempre “começar de novo” como nos indicou São Francisco. Nos converter pastoralmente e trilhar novos caminhos como o bispo de Roma tem nos chamando. Talvez os recomeços e renovações possam ser semelhantes ao da singeleza da dança da natureza que vai sempre se reinventando. E assim também o seja, com a graça de Deus, a vida e vocação do Frades Menores nestas terras. As sendas do Evangelho (Xipat Ekawẽn) Munduruku continuam vivas e abertas, nos clamando um conversão integral, para que possamos juntos viver o projeto de Jesus.      

Frei Fábio Vasconcelos, OFM



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