Os 50 anos da RCC na Amazônia: Uma experiência que começou com os franciscanos em Santarém do Pará

Foto: II Assembleia Geral da RCC, na gestão de Everaldo Cordeiro. Arquivo Pessoal/Everaldo Cordeiro

Das origens aos dias atuais, uma breve reflexão sobre a caminhada do Movimento Eclesial Renovação Carismática Católica – RCC, na Amazônia brasileira, passa, necessariamente, pela experiência de Santarém. A cidade foi a pioneira da experiência carismática católica no Estado do Pará e na Região Norte.

Depois de surgir no mundo em 1967, a RCC, que chegou ao Brasil no ano de 1969, vem para o Norte, a partir da experiência de dois frades franciscanos que viviam na então Prelazia de Santarém, trabalhando na Igreja de São Sebastião. 

Frei João Schwieters e Frei Paulo Zoderer, foram convidados a participar de um encontro em Goiânia, para líderes católicos brasileiros que falassem inglês. Como eram norte-americanos, participaram do retiro com o sacerdote canadense, Pe. George W. Kosicki, CSB, padre da Congregação de São Basílio.

Entusiasmados com a graça, que mudaria suas vidas para sempre, Frei João Schwieters e Frei Paulo Zoderer, convidaram o pregador daquele encontro em Goiânia, a vir até Santarém, partilhar da mesma experiência com a Igreja local.  

Em 22 de janeiro de 1973, há 50 anos, chegava em solo santareno, o Padre George Kosicki, para no dia seguinte, 23 de janeiro de 1973, no Centro de Formação Emaús, Casa de Retiros da então Prelazia de Santarém, acontecesse o primeiro retiro carismático católico na Amazônia e Norte do Brasil.

Para a vinda do Padre Kosicki, o mesmo, rezou ainda em Goiânia, diante do convite de Frei João e Frei Paulo. Disse que orassem e, se fosse da vontade de Deus, se deslocaria até Santarém. Assim, discerniram que a vontade de Deus era que o mesmo deveria vir a Santarém, e ali mesmo no saguão do aeroporto, conseguiram mudar providencialmente as passagens que o levariam para o Canadá. Assim, antes do padre voltar ao seu país de origem, passaria por Santarém.

Para que o Retiro de Santarém acontecesse, foi essencial o apoio de Dom Tiago Ryan, então Bispo da Prelazia de Santarém. Frei João testemunha de que Dom Tiago foi um dos primeiros a entrar na fila para receber a imposição de mãos de Padre George Kosicki e, assim, experimentar uma nova efusão do Espírito, chama pela RCC de Batismo no Espírito Santo.

Antes, porém, a grande contribuição de Dom Tiago Ryan, para que a primeira experiência carismática católica acontecesse em Santarém, foi sua articulação com todos os frades da Prelazia, para que, naquela data, cancelassem todos os outros compromissos e estivessem em Emaús para o Encontro. Não havia ainda presbitério diocesano em Santarém. Então, a hierarquia católica era toda ela formada pelos frades franciscanos. 

Frei João Schwieters lembrou certa vez, em um dos nossos colóquios, que naquele momento que no Centro Emaús, os frades experimentavam a Efusão do Santo Espírito, Frei Vicente Fuerst, que não estava entre eles, sofria um acidente aéreo, no qual perdeu a vida. Alguns discerniram que, aquele acontecimento trágico, foi um sinal de que uma vida havia sido ceifada, em sacrifício, pela conversão dos frades com a graça manifestada naquele Retiro histórico em Emaús.

Depois de Emaús, os frades desceram muito animados para Santarém e começaram a organizar encontros carismáticos na Igreja de São Sebastião, primeira paróquia a acolher o movimento. Além de Frei João Schwieters, que foi o grande animador daqueles inícios, Frei Tomás Krupski, foi a primeira liderança a tomar a frente do movimento na Igreja de São Sebastião. 

Na Paróquia de São Sebastião, foram organizados os primeiros encontros, os primeiros grupos e os primeiros Seminários de Vida no Espírito, em nove semanas, para preparar os leigos e leigas que receberiam o Batismo no Espírito Santo.

Foi também na Igreja de São Sebastião, que aconteceram os primeiros congressos carismáticos locais e depois regionais, com lideranças renomadas vindas de todo o Brasil para pregar aprofundamentos na caminhada de fé e no exercício dos carismas. 

Logo a RCC se espalhou por toda a cidade de Santarém, em especial, pela região de planalto, onde várias comunidades rurais foram evangelizadas a partir dos Seminários de Vida no Espírito e Experiências de Oração. Irmão Norberto, Irmão Tomé, Irmão Haroldo (religiosos da Congregação de Santa Cruz), Profª Francisca Carvalho e David Lima (leigos das paróquias do Santíssimo e São Sebastião) foram os pioneiros líderes animadores da vida carismática na região.

Muitos grupos de oração e as primeiras comunidades de aliança e evangelizadoras brotaram dessas experiências e dos encontros, congressos e as festas de Pentecostes realizadas sempre na Igreja de São Sebastião que, sob a animação de Frei João e Frei Tomás, constituiu-se como um grande centro católico pentecostal. 

A Comunidade de Aliança Alegria no Senhor e, logo depois, as pequenas Comunidades Evangelizadoras no Espírito Santo – EVES, como Anuncia-me, Jesus é Nossa Vida, Deus Vivo, Caminheiros de Cristo, dentre outras, foram se organizando em paróquias e regiões pastorais, para além de São Sebastião que reunia centenas de pessoas mensalmente nos chamados 4º Domingos de Louvor – Assembleia de Oração aberta a todo o povo. As grandes festas no Tríduo de Pentecostes também aconteciam em São Sebastião, reunindo muita gente de várias comunidades da zona urbana e da zona rural do município de Santarém.

Foi na mesma Paróquia de São Sebastião, especificamente nas dependências do Colégio do Amando, que surgiu o primeiro grupo de jovens da RCC, o Grupo Fanuel, que fomentou grande evangelização da juventude católica, realizando as primeiras vigílias de Carnaval na Igreja de São Sebastião, que depois viriam a ser os retiros de carnaval, com o nome de Cristoval, realizados no Centro de Formação Emaús. 

Nomes como Eder Coelho, Mônica Godinho, José Wilson Ribeiro, Luiz Carlos Matos, Joaquim Figueira, Jerônimo Sampaio, Alderico Pinto, Tarcísio Maia, Mauro Celso Maia, Ildemar Portela, Antônia Torres, Auricélio Paulino, dentre outros que idealizaram e animaram os primeiros cristovais. Esse retiro viria a se tornar no início da década de 1990, o maior retiro de carnaval da região Norte do Brasil, como uma espécie de “Carnaval Diferente”, com muita alegria, samba no pé e Jesus no coração. O slogan por muitos anos foi “Tire sua fantasia e caia na realidade”, sugerido pelo jovem Antônio Sá de Aguiar.

Foto: Cristoval realizado no Estádio Colosso do Tapajós. Arquivo Pessoal/Everaldo Cordeiro

Adultos e jovens foram se organizando, com a criação da então Equipe Diocesana de Serviço e Equipe Jovem da RCC, os demais ministérios e equipes que deram e dão sustentação a grupos e comunidades espalhados por toda a área de jurisdição da hoje Arquidiocese de Santarém.

As lideranças foram constituindo, sob orientação dos pastores da Igreja particular de Santarém, as Equipes Paroquiais e outros serviços como evangelização nas praças, pelo rádio, televisão e internet. Nas gestões em que participei como membro das equipes diocesanas de serviço e como coordenador diocesano da RCC, na década de 90, pude contribuir para a organização pastoral do movimento.

Resgatamos orientações do pastoreio de Dom Lino Vombommel, quando a RCC vivia tensões internas e externas. Com sabedoria, ele escreveu uma carta pastoral, orientando a RCC a descentralizar-se da paróquia de São Sebastião, e constituir a partir das bases, Equipes Paroquiais, para organizar o movimento à nível diocesano. Resgatamos essa carta e colocamos em prática, criando o primeiro estatuto da RCC Santarém.

Há mais de 50 anos a RCC tem prestado um serviço de inserção pastoral em Santarém e em todo o Estado do Pará. É organizada a partir do Conselho Arquidiocesano, que se faz representar no Conselho Estadual da RCC Pará, contribuindo assim para a Evangelização, a partir da Cultura de Pentecostes, em todo o Estado, na Amazônia, na Região Norte e em todo o mundo, inserindo-se na pastoral de conjunto, em associações, cebs, grupos, setores e mesmo outros movimentos eclesiais.

Ainda como Coordenador Diocesano da RCC Santarém, integrei o primeiro Conselho Estadual da RCC Pará. E, a partir do nosso estatuto em Santarém, ajudamos a criar o primeiro estatuto da RCC Paraense. Integrei no total cinco conselhos estaduais, nas gestões de Norma Bentes Chermont, Lucineide Pinheiro, Noemi Braga, Ronaldo Lima e Mário Lúcio. Além de Coordenador Diocesano, fui Coordenador Regional da RCC Oeste do Pará e o primeiro Coordenador Estadual do Ministério Universidades Renovadas.

Frei João Schwieters: Um pioneiro da RCC na Amazônia

Nesse capítulo especial dos 50 anos da RCC na Amazônia, nascente em Santarém, crescendo por todo o Estado do Pará e espalhando-se por todo o Norte, destaque especial damos à figura de um dos seus pioneiros, que pela graça de Deus, vive ainda entre nós. É Frei João Schwieters.

Frei João Schwieters, ficou conhecido carinhosamente como Frei Joãozinho. Com um carisma marcante e cheio da graça e da alegria de Deus. Depois da experiência com Padre George Kosicki em Goiânia, veio com o coração pegando fogo para Santarém, contagiando seus confrades com a experiência por ele já vivida dias antes naquele retiro em que ele e Frei Paulo participaram no início de janeiro de 1973.

No auge das reuniões carismáticas, congressos e encontros na Igreja de São Sebastião, no centro de Santarém, Frei Joãozinho se destacava na animação das grandes assembleias. O jornal O Liberal, na década de 1980, em matéria assinada pelo Jornalista Manuel Dutra, intitulada “Dançando como o Rei Davi”, estampou a imagem de Frei João Schwieters cantando e dançando no meio do povo. 

A matéria versava sobre a alegria e espontaneidade do animador da RCC nascente na Amazônia. Ele usava de cantos, danças e gestos espontâneos, com um balanço corpóreo que contagiava e envolvia centenas de pessoas adeptas ao movimento carismático que lotava a Igreja de São Sebastião. O que agradava muita gente, como novidade, mas, também, era visto com desconfiança e preconceito por aqueles que não simpatizavam com a corrente carismática na Igreja.

De uma áurea santa e beleza singela muito agradável, João Schwieters buscou sempre agregar, congregar e integrar o povo de Deus à caminhada da Igreja na Amazônia, no Brasil e no mundo. Sempre cheio do espírito do discernimento e da sabedoria, soube se colocar como animador e servidor zeloso do Povo de Deus. E com humildade buscava fazer as sínteses necessárias entre seu trabalho no Movimento Carismático e também na pastoral de conjunto da Igreja de Santarém.

Frei João se destacou por conceber e organizar grandes momentos festivos e litúrgicos na Igreja de Santarém. Foi animador de muitos encontros da RCC, mas também de assembleias eclesiais; atuando, por exemplo, como Coordenador do III Congresso Eucarístico de Santarém, de 20 a 22 de junho de 1980, quando naquela ocasião a Igreja de Santarém era elevada de Prelazia à Diocese.

Em Frei João Schwieters vemos a síntese de uma pessoa equilibrada, respeitosa à hierarquia, em sua Ordem Religiosa e na Igreja particular de Santarém. Soube em sua prática integrar a caminhada no movimento eclesial com as diretrizes pastorais da Igreja de Santarém, servindo inclusive nas pastorais sociais, como Assessor da Pastoral Carcerária da Diocese de Santarém por muitos anos.

Nos momentos mais tensos, entre RCC e Teologia da Libertação, Frei João Schwieters soube silenciar e ser respeitoso, no espírito da fraternidade, da justiça e da paz, buscando sempre a Unidade do Corpo de Cristo.

O pioneiro da RCC na Amazônia, nos ajudou e ajuda a viver os valores desta corrente de graças, para compreender que:

  • A RCC é uma resposta de Deus à Oração da Igreja que, por meio do Papa João XXIII, clamou por um Novo Pentecostes sobre a face da Terra. 
  • A RCC nasce na Igreja, da Igreja e para a Igreja.
  • A RCC é uma Corrente de Graças para todos: papas, bispos, sacerdotes, religiosos/as, leigos/as. O Papa Paulo VI disse que ela é uma “sorte para a Igreja”.
  • A RCC é composta por homens e mulheres que, mesmo sendo fracos e pecadores, experimentaram, por meio do Batismo no Espírito Santo, o Amor Pessoal, Incondicional e Eterno de Deus.
  • A RCC busca estar em comunhão e obediência à toda Igreja em sua organização hierárquica, em sintonia e oração, amor e zelo, ao Papa, Bispos (em suas Conferências Nacionais, Regionais, Arquidiocese e Dioceses) e padres em suas paróquias e áreas pastorais. 
  • A RCC ama e venera profundamente a Bem-Aventurada e Sempre Virgem Maria, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho e Esposa do Espírito Santo. A Primeira Cristã e Primeira Carismática.
  • A RCC busca viver com zelo a dimensão sacramental da Igreja, isto é, o Batismo, a Confissão, a Eucaristia, o Crisma, o Matrimônio, a Ordem e a Unção dos Enfermos.
  • A RCC ama, vive e prega a Palavra de Deus, evangelizando pelo Serviço, Diálogo, Testemunho e Anúncio, orientada pelo Sagrado Magistério da Igreja, hoje em sintonia com o Magistério do Papa Francisco, como Igreja acolhedora, misericordiosa, servidora, e em saída.
  • A RCC busca viver, cultivar e promover a Cultura de Pentecostes, como um grande rio que, se canalizado e pastoreado por lideranças firmes, equilibradas e cheias de sabedoria e discernimento, continuará sendo uma grande bênção para a Igreja e para o mundo.

Foto: Frei João Schwieters e Everaldo Cordeiro em Aparecida (SP). Arquivo Pessoal/Everaldo Cordeiro

Quando coordenei a Equipe Diocesana da RCC, em 1995 e 1996, trouxemos de volta para a caminhada pastoral do Movimento, Frei João Schwieters, depois de um tempo sem que ele participasse ativamente do movimento. Com sua volta, ele nos assessorou e ajudou muito na organização de Assembleias Pastorais da RCC e em grandes eventos como o Cristoval no Estádio. 

Amante da boa música e do samba, Frei João via nos grandes cristovais, em que ajudou na Direção Espiritual e no atendimento de confissões com Dom Tiago Ryan e Dom Lino Vombommel, uma grande oportunidade de evangelização inculturada, diferente de congressos evangélicos pentecostais, de caráter mais formal. 

Frei João Schwieters via o Cristoval como uma grande Festa Cristã em que “Cristo Vale”, como sacrifício santo, oferenda agradável a Deus, em celebrações festivas e profundas, com Missas populares, respeitando as normas e orientações da Renovação Litúrgica trazida pelo Concílio Vaticano II

Um dos desafios para os próximos anos de caminhada da RCC em Santarém, é o resgate daquela comunhão eclesial original, na busca permanente de inserção na pastoral de conjunto, orgânica e integral; sendo presente e proponente dessa unidade na diversidade; acolhendo e sendo acolhida nas comunidades eclesiais de base, equipes de serviço e pastorais; buscando o crescimento de toda a Igreja em suas diferentes expressões.

Que as novas lideranças, como as lideranças do passado, busquem nos valores do evangelho, nas diretrizes pastorais do Concílio Vaticano II, no amor e respeito às orientações dos bispos nas Conferências Latino americanas e caribenhas, e da Conferência dos Bispos do Brasil – CNBB, dos regionais, províncias eclesiásticas, arquidioceses, dioceses e prelazias onde esteja inserida ou for convidada em missão, a comunhão e integração.

Que à luz do Magistério do Papa Francisco (que vê a Renovação Carismática como uma Corrente de Graças para a Igreja), a RCC de Santarém, do Pará e da Amazônia, busque nesta região Norte do Brasil, cooperar e colaborar, a partir de suas encíclicas apostólicas: ‘Laudato Si’ (Louvado Sejas), ‘Fratelli Tutti’ (Todos irmãos), bem como da Exortação Apostólica Pós Sinodal ‘Querida Amazônia’.

Assim sendo, a Renovação Carismática Católica, neste pedaço do chão amazônico, experimentará, em seu carisma próprio, em sua identidade mais profunda (a Efusão do Espírito Santo), uma inserção e inculturação, além de seus limites de grupos, ministérios e estruturas de serviço próprio. Fará a experiência sempre nova do um sair de si, do ir ao encontro dos outros, dos diferentes, para com eles fazer comunhão e unidade, para além dos limites de onde nasce e está. Viverá o estado permanente de missão como Igreja em saída, samaritana, servidora e solidária; como deseja, intui e sonha o Papa Francisco.

Por Everaldo de Souza Cordeiro – MsC em Ciências da Comunicação
Revisão: Pe. Sidney Canto – Mestre em Ciências da Educação

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