“O Tempo da Criação é um período para renovar a nossa relação com o nosso Criador e com toda a criação por meio da celebração, da conversão e do compromisso juntos. Durante o Tempo da Criação, nos unimos às nossas irmãs e irmãos da família ecumênica em oração e ação pela nossa casa comum.” (Comitê ecumênico)
“Ouça a voz da Criação” é o chamado para todo cristão neste mês dedicado ao “Tempo da Criação”, começando em 01 de setembro, dia Mundial de Oração pelas obras da Criação, se estendendo até 04 de outubro, dia de São Francisco de Assis (Padroeiro da Ecologia). É urgente que nos coloquemos em oração pelo nosso planeta e, mais urgente ainda, que tenhamos atitudes de cuidados e atenção pelo que acontece à nossa volta. Não é preciso olhar para longe, outros continentes ou locais distantes de nós, basta olharmos ao nosso redor para vermos as terríveis consequências da falta de cuidado que temos para com o meio ambiente.
Quando colocamos uma lupa sobre a Amazônia e focamos o nosso olhar sobre a bacia do rio Tapajós, logo identificamos quanto o desmatamento e os focos de garimpos ilegais cresceram assustadoramente nestes últimos 20 anos. As imagens divulgadas no início do ano das águas turvas e cheias de sedimento na região de Alter do Chão, conhecida como Caribe Amazônico justamente por suas águas cristalinas, revelam a dimensão dos crimes ambientais que degrada e polui o rio Tapajós.
A reportagem da Folha de S. Paulo divulgou a análise da perícia da Polícia Federal que mapeou como a “pluma de sedimentos” que turvou as águas. No entendimento dos técnicos da PF, ela tem como causa o desmatamento nas margens dos rios Juruena e São Manuel, que deságuam no Tapajós, para plantação de monocultura. A investigação apontou também que a lama dos garimpos de afluentes do Tapajós – como o Jamanxim, o Crepori e o Cabitutu – está por trás da pluma de sedimentos que tomou o rio neste ano e é visível em todo seu baixo curso até a foz.
Outro dado alarmante traz a pesquisa realizada entre 2015 e 2019 pela Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, onde foram coletas amostras de sangue de 462 pessoas, com idade entre 18 e 80 anos, de ambos os sexos, tanto na região urbana como ribeirinha/indígena de Santarém-PA. O resultado desta pesquisa apresentou os níveis de mercúrio (Hg) encontrados em todos os 462 participantes, sendo 203 da área urbana e 259 de aldeias e comunidades ribeirinhas de Santarém-PA. Dos 462 participantes da pesquisa, 75,6% (ou seja, 349 participantes) apresentaram níveis de Hg superiores ao limite 10 µg/L de Hg no sangue estabelecido pela Organização Mundial de Saúde – OMS e foram definidos como o grupo de alta exposição. Os níveis médios de Hg neste grupo de alta exposição foram de 48,3 µg/L de Hg no sangue, enquanto o grupo de baixa exposição apresentou nível médio de 6,2 µg/L de Hg no sangue. Entre os 349 participantes do grupo de alta exposição, 77,1% apresentavam níveis de Hg variando entre 10 e 50 µg/L, 11,2% entre 51 e 100 µg/L, 6,9% entre 101 e 200 µg/L e 4,9% apresentaram níveis de Hg >200 µg/L. Surpreendentemente, o nível mais alto de Hg (296,5 µg/mL) foi detectado em uma mulher de 47 anos que vivia na área ribeirinha, quase 30 vezes acima do limite seguro. Estes resultados mostram que a maior parte dos participantes apresentam níveis suficientemente alto para desenvolver algum problema de saúde relacionado a exposição por mercúrio.
Tudo isso confirma a total falta de controle do Estado na fiscalização e monitoramento ambiental de atividades madeireiras e garimpeiras na bacia do rio Tapajós, favorecendo um modelo de desenvolvimento que gera e perpetua degradação na Amazônia. Se nada for feito para frear a atividade madeireira e garimpagem ilegal na região, a vida do rio Tapajós estará comprometida e junto com ele a base material da reprodução social dos povos indígenas e ribeirinhos como povos culturalmente diferenciados.
Recordemos o Papa Francisco em sua mensagem aos Movimentos Sociais que diz: “Em nome de Deus, quero pedir as grandes corporações extrativistas – mineradoras, petrolíferas, florestais, imobiliárias, agroindustriais – que deixem de destruir florestas, pântanos e montanhas, que deixem de poluir rios e mares, que deixem de envenenar pessoas e alimentos”. Em “Querida Amazônia”, o Sumo Pontífice denuncia os projetos de extração econômica e outras indústrias que destroem e poluem (cf. QA 49). No documento final do Sínodo para a Amazônia, também é levantada a questão da conversão ecológica do ponto de vista econômico.
Por este motivo, chamamos às organizações, instituições, movimentos sociais e pessoas de bom coração neste mês dedicado ao “Tempo da Criação”, para que coordenem ações conjuntas para acelerar a conversão ecológica e a transformação social:
É hora de socializar e denunciar a realidade da exploração e da injustiça sofrida por milhares de pessoas devido ao extrativismo e nos conscientizemos sobre os impactos da extração madeireira e garimpagem ilegal em nosso chão da Amazônia.
É hora de refletir sobre nossas práticas financeiras e de consumo, políticas econômicas e de investimento dentro de nossa organização, para que promovam os direitos humanos, a justiça social, climática e ambiental, a equidade de gênero e o bem comum, de acordo com o mandato divino de proteger a criação (Gn 2.15). Continuemos a aprofundar e promover reflexões que nos conduzam a decisões proféticas sobre os nossos investimentos.
É hora de promover o desinvestimento na mineração como uma atividade orientada para uma urgente mudança de paradigma que rejeita as muitas formas de injustiça “alimentada por um modelo econômico baseado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até matar” (cf. FT 22).
É hora de apoiar os povos indígenas e populações tradicionais que defendem o seu direito à existência nos seus territórios. Queremos construir pontes “de amor para que a voz da periferia com seus gritos, mas também com seu canto e também com sua alegria, não provoque medo, mas empatia no resto da sociedade”, como nos convida o Papa Francisco.
E, juntamente com toda a criação, levantemos a nossa voz no mundo, dando testemunho de esperança e coerência, construindo unidade e ligando possibilidades para uma conversão ecológica e economia samaritana.
Santarém, 15 de setembro de 2022
Texto e foto: Padre Vanildo Pereira da Silva Filho sj
Membro do Conselho Indigenista Missionário CIMI – Regional Norte 2
¹ Consulta em https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/02/garimpo-e-desmatamento-sujaram-agua-em-alter-do-chao-conclui-laudo.shtml
² Resultados de pesquisa de: Meneses HDNM, Oliveira-da-Costa M, Basta PC, Morais CG, Pereira RJB, de Souza SMS, Hacon SS. Mercury Contamination: A Growing Threat to Riverine and Urban Communities in the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health. 2022 Feb 28;19(5):2816. doi: 10.3390/ijerph19052816. PMID: 35270508; PMCID: PMC8910171.