O Concílio Vaticano II, que neste ano completou 60 anos do seu início (1962), foi com muita certeza uma abertura para novos caminhos para a Igreja. Esse evento eclesial do século XX repercute até hoje com a marca do sonho de um “aggiornamento” da Igreja. E entre os seus documentos destaca-se a Constituição Dogmática Lumen gentium sobre a Igreja. Trata-se da Igreja à luz da revelação e do pensamento teológico respondendo sobre a sua natureza e missão.
O contexto do Vaticano II é o de uma sociedade que havia experimentado “rudes tempestades”, principalmente na circunstância decorrente das guerras no continente europeu. A convocação do Concílio, feita por João XXIII, afirmava que a Igreja era conhecedora das muitas “tensões que caracterizavam o convívio humano” naquela época. Diante dessas dolorosas constatações a hierarquia reconhece a importância e as possibilidades de ação eclesial diante das crises.
O Concílio vincula-se à preocupação da Igreja, que foi indiferente aos processos históricos de mudanças da sociedade e ao progresso técnico-científico. Os sofrimentos humanos colocam a Igreja diante da grandeza do seu papel e desafiam a testemunhar a vitalidade do seu anúncio. Desse modo podemos destacar que a Igreja se mostra aberta para escutar e sentir os sofrimentos do tempo presente, visto que essa expressão sofrimento aparece algumas vezes na convocação. E por conseguinte, na Gaudium et Spes o Concílio irá afirmar: “As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS, 1, VATICANO II, p. 470).
O Sínodo para a Pan-amazônia, realizado em outubro de 2019, teve como principal objetivo “encontrar novos caminhos” para a Igreja e por uma ecologia integral. Caminhos atentos sobretudo aos clamores da terra e dos povos, especialmente os indígenas, que habitam essa importante região do planeta. Essa é a essência do anúncio do Sínodo feito pelo Papa Francisco em Roma no dia 15 de outubro de 2017. E desde o discurso ao episcopado brasileiro em 2013, no Rio de Janeiro, o Papa Francisco já mencionava a importância de plasmar uma Igreja com rosto amazônico (HUMES, 2019).
E o contexto em que a Igreja na Amazônia se encontra marcado por profundas crises, mormente a crise ambiental que afeta a região. As raízes do ambiente crítico, que afeta os pobres e a natureza, encontram-se em relações exploratórias. Diante desses sofrimentos amazônicos a Igreja não se apresenta indiferente. E se observa que esse percurso vem desde a recepção do Vaticano II e de Medelín, no Documento de Santarém (1972), onde encarnação e libertação foram pontuadas como as duas diretrizes da evangelização na Amazônia.
Desse modo o caminho sinodal foi escutando, colhendo, percebendo e discernindo os desafios e riquezas de ser Igreja na Amazônia. Essa é uma região que fascina e desafia, desse modo o diálogo eclesial se enriquece. E esses novos caminhos para a Igreja, falam não apenas da realidade local, mas, tocam o panorama universal. “Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazônia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.” (FRANCISCO, 2020a). Dessa forma, após o fecundo itinerário sinodal, o Papa Francisco pode descrever seus sonhos para a Querida Amazônia (FRANCISCO, 2020a).
O Sínodo para a Amazônia atualiza e reacende os sonhos do Vaticano II. São os “sonhos de um grande Sonho” (Brighenti, 2020). O espírito e os sonhos do Concílio Vaticano II permeiam a trajetória do Sínodo. O percurso sinodal de 2019 mostrou a força do sensus fidei (LG, 12) dos povos da Amazônia, foi um instrumento privilegiado de escuta, um espaço para aprimorar a sinodalidade da Igreja. O Sínodo para Amazônia se configurou como largo processo participativo e seus frutos também são sentidos na Igreja inteira. O Vaticano II assumiu, conforme Brigheti (2020) uma antropologia unitária e a partir dele uma evangelização relacionada com a promoção humana. Desse modo os sonhos também estão interligados.
Esses dois acontecimentos, que podem ser definidos como Kairós, e seus resultados escritos animam a Igreja para sonhar com sua presença no mundo de hoje cada vez mais de comunhão, participação e missão. Lumen gentium e Querida Amazônia são palavras e gestos que despertam compromissos. Assim como o Vaticano II se encerrou com um “pacto das catacumbas” por parte dos bispos latino-americanos, no término do Sínodo de 2019, agora com a presença de leigos(as) e religiosos o pacto foi resumido e atualizado com o compromisso pela Casa Comum. Igualmente os resultados e a continuidade do Sínodo podem ser vistos na criação da Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA) e nas atividades da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM). Se renovam então o sonho de uma Igreja que caminha na encarnação e na evangelização libertadora com os povos da Amazônia.
Frei Fábio Vasconcelos, OFM