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Recordar sempre o ponto de partida: entrevista com Frei Vagner Sena

Foto: Arquivo Custodial

Frei Vagner Sena, 38 anos, natural de Óbidos (PA), nasceu no dia 20 de abril de 1985. O frade será ordenado presbítero da Igreja Católica, no dia 24 de junho de 2023, dia de São João. A ordenação será realizada na Catedral Sant´Ana, em Óbidos, às 19h. O tema escolhido pelo frade, foi: “Tenham em vocês os mesmo sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Filipenses 2,5). A  Ação de Graça será no dia seguinte, às 8h30, na Igreja Santa Terezinha. 

O frade conversou com a equipe de comunicação da custódia e contou um pouco sobre ele e como tudo começou. Já com 20 anos, Frei Vagner Sena, resolveu com alguns amigos “reativar” um grupo de jovens da comunidade que frequentava, sendo esse grupo que tinha sido fundado pelos irmãos do frei e dos amigos. Veja a seguir um pouco da conversa que tivemos com o frade.

Conte um pouco quem era o senhor antes de se sentir chamado para ser um frade?

FVS: Antes de iniciar meu discernimento vocacional e me sentir chamado a ser um frade Franciscano, eu frequentava a comunidade de Santa Terezinha com meus pais, minha avó e meus irmãos. Em 2006, eu e alguns amigos decidimos reorganizar o grupo de jovens da comunidade. O grupo se chamava “”Cristo Esperança Única” era o mesmo grupo que nossos irmãos e irmãs haviam fundado há muitos anos atrás. Em pouco tempo fui indicado para a coordenação paroquial e em seguida para a coordenação da Pastoral da Juventude (PJ) da Diocese de Óbidos representando a Paróquia de Sant’Ana.

No campo profissional, meu desejo era estudar Biologia e atuar nessa área, em pesquisas e outras possibilidades . Porém, isso não aconteceu. Por fazer parte da coordenação Diocesana da Pastoral da Juventude fui indicado para representar a paróquia de Sant’Ana no (CMDCA) Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente. Assumi este serviço voluntário por três anos. 

Em 2008, iniciei meu acompanhamento vocacional com Frei Amauri que na época fazia parte da fraternidade que havia em Óbidos. Meu objetivo era iniciar o postulandado em 2009. Contudo, não consegui participar dos encontros vocacionais que aconteciam todo mês de julho em Santarém. Por esse motivo o Conselho de Formação me pediu que continuasse o acompanhamento vocacional por mais um ano.

Nesse período devido a minha atuação no CMDCA recebi o convite para concorrer a uma vaga no Conselho Tutelar.  Com o apoio das comunidades que fazem parte da paróquia, familiares, amigos, movimentos e pastorais sociais, fui eleito para o triênio 2010-2013. 

Eu e mais 4 conselheiros tomamos posse no dia 30 de abril de 2010. Contudo, o desejo de ingressar na formação franciscana ficava cada vez mais forte. Em janeiro de 2011, renunciei ao cargo de conselheiro tutelar e me juntei a mais quatro jovens para dar início ao Postulantado na casa de formação Maíra, localizada na cidade de Santarém.

Foto: Arquivo Custodial

Como e quando o senhor se sentiu chamado para entrar na Ordem dos Frades Menores?

FVS: O chamado para entrar na Ordem foi ficando cada vez mais forte depois de começar a participar dos encontros formativos e dos retiros da Pastoral da Juventude. O contato mais frequente com a Palavra de Deus e as visitas às comunidades mais distantes fez com que eu percebesse a necessidade de padres, religiosos e missionários para servir as centenas de comunidades da região, especialmente as mais carentes e distantes do centro da sede da paróquia. Outro fator importante foi o atendimento, escuta e acompanhamento das vítimas de violência física e sexual que procuravam o conselho tutelar em busca de ajuda. Percebi a necessidade que essas pessoas tinham de receber não apenas orientações jurídicas relacionadas a seus direitos, mas também a necessidade de um acompanhamento espiritual. Para muitos, Deus havia se tornado alguém distante delas. Muitas pessoas se questionam onde está Deus neste momento difícil e de sofrimento para a vida delas e de seus filhos e filhas? Acredito que meu serviço como religioso franciscano poderia ajudá-las nesse processo traumático que elas estavam enfrentando. Ajudaria principalmente a manter a relação delas com Deus que mesmo em situações difíceis da vida se faz presente e nunca abandona seus filhos e filhas.

Quem foram seus primeiros frades formadores e a importância deles?

FVS: Antes de mencionar os formadores, gostaria de destacar o papel que o Frei Amauri Pereira teve durante esse processo. Foi ele quem me convidou para participar dos encontros vocacionais. Com seu jeito simples e sempre disposto a ouvir e aconselhar ele teve uma importância fundamental no início da minha jornada vocacional. 

Meu primeiro formador foi Frei Marcos Bezerra. Ele me acompanhou durante o postulantado.  Frei João Miguel (Top) era residente na fraternidade Maíra em 2011 e contribuiu com a formação bíblica da turma. Na segunda metade de 2011 a fraternidade foi transferida para a cidade de Itaituba. Além de Frei Marcos, Frei Rodolfo Pimentel passou a contribuir com nossa formação assumindo a tarefa de vice-formador da casa de Postulantado. Frei Marcos sempre incentivou a combinação entre trabalho, oração e estudo. Isso foi importante para nos preparar para a próxima etapa, o noviciado.

Em 2012 iniciei meu noviciado na fraternidade Kabiará, localizada no bairro Mararu. Frei João Schwieters foi nosso formador.  Sempre muito criativo e dinâmico, ele fazia com que o noviciado se tornasse mais leve e mais alegre também. Frei João me ajudou a admirar ainda mais o carisma franciscano e a importância da criatividade e a valorização de uma liturgia inculturada na região Amazônica.

Durante a Filosofia, Frei Elder e Frei Durván nos acompanharam e nos incentivaram a superar as dificuldades. 

Como foi o processo de formação até aqui?

FVS: Considero meu processo formativo bastante desafiador, especialmente por ser uma pessoa introvertida. Além disso, diferente dos meus colegas de turma, antes dos 22 anos eu não tinha um envolvimento na vida de comunidade como eles tiveram antes da entrada para a formação franciscana. Por esse motivo, procurava me esforçar para tentar acompanhar a turma. Os colegas de turma sempre me ajudaram e aos poucos fui superando algumas dificuldades pessoais e comunitárias. Por isso acredito que a vida de fraternidade é um dos mais importantes aspectos do carisma franciscano. Ela nos ajuda a amadurecer e nos tornarmos melhores seres humanos.

Seu maior desafio nessa caminhada?

FVS: Acredito que meu maior desafio na caminhada foi aprender a lidar com a diferença de cada irmão de fraternidade, muito mais do que lidar com minha própria timidez. Hoje acredito que a diversidade pode contribuir para o crescimento pessoal de todos os membros da fraternidade. 

Desistir já foi uma opção?

FVS: A caminhada na vida religiosa nem sempre é fácil. A luta é contra nós mesmos, nossas próprias fraquezas e preconceitos. Concordo com frei Erlison que sempre diz aos jovens vocacionados acompanhados por ele “a vida Franciscana é a melhor vida que podemos escolher”. Quando procuramos vivê-la de corpo e alma ela se torna eleve nos faz entender o verdadeiro sentido de colocar nossa vida a serviço de nossos irmãos e irmãs. Não, desistir nunca foi uma opção. 

O que mais sustenta a sua missão?

FVS: A espiritualidade franciscana é um dos pilares mais importantes na minha caminhada. Acredito que ela me sustenta e me ajuda a continuar firme no propósito de vida que escolhi seguir. Existe um canto franciscano, inspirado no pensamento de Santa Clara, que eu gosto muito, cujo refrão diz assim: “Não perca de vista seu ponto de partida”. Considero este canto como um verdadeiro mantra. Sempre que estou diante de uma nova etapa da minha formação ou em meus momentos de recolhimento e silêncio eu procuro repetir este refrão. Isso me ajuda a não perder de vista a verdadeira razão pela qual eu decidi me tornar um franciscano. O ponto de partida é o próprio Jesus Cristo que se faz presente em cada pessoa que encontramos no decorrer de nossa caminhada.

Foto: Arquivo Custodial

Como o senhor discerniu a vocação presbiteral?

FVS: Quando entrei para a Ordem, pensava em ser irmão leigo. A mudança aconteceu depois que fui enviado para morar entre o povo indígena Munduruku durante o ano pastoral, em 2017. A experiência vivida junto ao povo Munduruku me fez perceber a necessidade de uma maior presença de padres na região que pudessem oferecer a eles uma participação e vivência dos sacramentos com maior frequência. Muitas aldeias passaram e continuam passando até os dias de hoje meses sem receber a visita de um padre e consequentemente, sem celebrar os sacramentos. Sempre alimentei o desejo de retornar para a Missão e assim procurar fortalecer nossa presença solidária no meio desse povo que tanto nos ama. 

Quais são os desejos para o futuro?

FVS: Primeiramente desejo me dedicar ao serviço paroquial junto às comunidades da Paróquia de Cristo Libertado de acordo com o que me foi pedido pelo Conselho Custodial. Penso que nesses primeiros anos como padre é importante dedicar tempo para as comunidades e aprender com elas. Trabalhar para fortalecer as comunidades de base, fortalecer e valorizar ainda mais o serviço das lideranças leigas que atuam nas comunidades onde, nós frades, estamos presentes.

Com o tempo desejo cursar serviço social e assim desenvolver atividades que possam oferecer um atendimento e acompanhamento espiritual para as famílias vítimas de diferentes formas de violência como por exemplo a violência doméstica, sexual e física. 

Deixe uma mensagem curta para os leitores.

FVS: Meus irmãos e irmãs, animados pela fé no Cristo ressuscitado continuemos firmes na esperança de que somente quando nos permitimos fazer a experiência de encontro pessoal com Jesus presente em nossos irmãos e irmãs e vivendo em espírito de fraternidade poderemos encontrar verdadeiramente o sentido para nossa vida como cristãos. Que Deus abençoe cada um de vocês, vamos juntos continuar anunciando a paz e o bem.

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Dom Evaristo Spengler inicia sua missão reafirmando o compromisso da Igreja de Roraima com os indígenas e migrantes

 

Ser acolhido pelos que não contam é um sinal de Deus, que faz opção por aqueles que a sociedade descarta. Os povos indígenas e os migrantes venezuelanos, vítimas de preconceito na sociedade roraimense, foram os protagonistas da acolhida ao novo Bispo da Diocese de Roraima na frente da Catedral Cristo Redentor.

Com a presença dos Bispos do Regional Norte1 e de outros prelados chegados de diferentes cantos do Brasil e da Venezuela, dentre eles seus dois predecessores, Dom Mário Antônio da Silva e Dom Roque Paloschi, presbíteros, Vida Religiosa e representantes da paróquias e comunidades, tomou posse, pelas mãos do Cardeal Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolita de Manaus, da Igreja que o Papa Francisco lhe confiou a Dom Evaristo Spengler, que mostrou em suas palavras e seu sorriso no rosto a alegria deste momento.

Os povos indígenas e os migrantes são protagonistas na Igreja de Roraima, algo que mais uma vez se fez presente na liturgia, com a proclamação das leituras em espanhol e na língua indígena macuxi, assim como alguns dos cantos e momentos marcantes da celebração. Uma liturgia cheia de símbolos, com rosto amazônico, na Solenidade da Anunciação do Senhor e no dia em que a Igreja de Roraima inicia a preparação para os 300 anos de evangelização em 2025.

Desde o Mistério da Anunciação, Dom Evaristo destacou como Deus enviou seu anjo a uma região desprezada, para assim encarnar a um Messias que quis ser parte do povo pobre e que revelou que “o Reino de Deus está presente especialmente lá onde todas as pessoas podem circular”. Isso pela figura de Maria, que supera seus medos para assumir o plano de Deus, pois acima de tudo “ela carrega no coração a certeza de que Deus caminha com ela e com o povo pobre”, insistindo Dom Evaristo em superar os medos, pois “o excesso de medo nos paralisa”, lembrando alguns medos “que nos fazem muito mal”, e junto com isso “nos impede caminhar e construir um futuro coerente e mais autêntico com o Evangelho”.

Daí, o novo Bispo da Diocese de Roraima fez ver a urgência de “construir uma Igreja da esperança e da confiança em Deus”, lembrando do 3º Ano Vocacional que a Igreja do Brasil está celebrando, insistindo em que “todos somos chamados a ser Povo de Deus a caminho e a fortalecer nossas Comunidades Eclesiais de Base”, e fazendo um chamado a todos a assumir a sua vocação na Comunhão e na Missão, “sem medo de caminhar juntos e de construir comunidades servidoras, a exemplo de Maria”.

É a exemplo de Maria, que “esta Igreja particular ouve o chamado de Deus pelo clamor do povo”, algo que foi assumido pelos missionários que ao longo de 300 anos “chegavam com muito sacrifício de deslocamentos, de comunicação, de recursos e aqui deixaram-se consumir no testemunho do evangelho vivo”, insistiu Dom Evaristo Spengler. Uma Igreja que “nunca deixou-se pautar por aplausos os críticas, mas pela fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”, inclusive até dar a vida como aconteceu com o Padre Caleri. “Uma Igreja, sem medo, como Maria”.

Diante do momento atual, “a Igreja não pode silenciar diante da tragédia dos Yanomami, diante de suas terras invadidas pelo garimpo, que lhes rouba o território, a saúde, a paz, os meios de produção de alimentos, enfim a vida”, denunciou Dom Evaristo. Daí ele insistiu que “a Igreja de Roraima reafirma mais uma vez o seu compromisso com os povos indígenas na defesa de sua vida e de seus territórios”. Um compromisso que também se faz extensivo aos migrantes, destacou o Bispo, que “deseja acolhê-los e inseri-los nesta terra”, muitos deles participantes da vida das comunidades da Diocese.

Refletindo sobre o Ministério do Bispo e o tríplice ministério, Dom Evaristo Spengler insistiu em que “mais importante do que o Bispo é a Igreja”, e fez uma profissão de fé, mostrando a Igreja em que ele crê: Uma Igreja fiel ao Evangelho; uma Igreja servidora do mundo e promotora da Vida, principalmente lá onde ela se encontra mais ameaçada; uma Igreja aliada e parceira dos pobres, povos indígenas, migrantes, mulheres, jovens e famintos; numa Igreja de Comunidades, da Palavra, que faz a experiência da partilha e é ensaio do Reino; uma Igreja que buscar testemunhar a sinodalidade, corresponsável desde o Batismo; uma Igreja toda ministerial; uma Igreja profética; uma Igreja responsável pela Casa Comum, que ama, cuida e defende nossa “Irmã Mãe Terra”.

Numa Igreja três vezes centenária, Dom Evaristo disse se sentir “tranquilo e bastante seguro, não por causa das minhas forças, mas por causa da Igreja”, que ele definiu marcada pelo “testemunho, fidelidade e profetismo”. Um caminho que disse querer percorrer desde seu “compromisso com o Regional Norte1 em busca do fortalecimento dos laços de comunhão”, algo que também faz com a CNBB, em sua missão no Enfrentamento ao Tráfico humano e com a REPAM.

No final da celebração foi momento de agradecimento ao novo Bispo, também ao administrador diocesano durante a sede vacante, o Padre Lúcio Nicoletto. Uma Igreja que com a chegada de Dom Evaristo se sente “beijada pelo Espírito de Deus”, destacando no novo Bispo seu despojamento, e sendo acolhido por todos e todas os que caminham nesta Igreja de Roraima, profética e missionária, que unidos com seu novo Bispo querem caminhar para águas mais profundas, dizendo como Maria: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em nós segundo a vossa palavra”.

Uma acolhida do clero, que lhe fizeram ver que o novo Bispo não está sozinho e pode contar com os padres em seu novo ministério, também da Vida Religiosa, que disse para ele que Deus lhe conferira muitas forças de se colocar ao serviço dos mais pobres junto com os consagrados e consagradas. O novo Bispo também foi acolhido pelo prefeito da cidade lhe mostrando que é muito bem-vindo à cidade de Boa Vista, sede da Diocese de Roraima, a quem o administrador diocesano agradeceu pela ajuda nos mais de 10 meses em que desempenhou essa missão, pedindo ao novo Bispo que ajude sua nova Igreja a não ter medo de avançar para águas mais profundas e a caminhar juntos como Igreja sinodal.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Fonte: CNBB Norte 1

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O varadouro estreito e a travessia do rio: percursos de conversão amazônica 

Foto: Arquivo Custodial

A experiência de entrar em uma embarcação pequena, seja canoa, “uma rabeta”, ou voadeira para atravessar o rio, apresenta para nós muitas lições. Imaginemos que a viagem pelo rio é toda a nossa vida, na qual nós vamos enfrentando os desafios para chegar ao nosso destino, sempre no encontro com Deus. Se mostram então, diante de nós, um caminho largo e outro estreito. Assim, os varadouros, que são tipos de cortes na mata que cerca os grandes rios e que servem como um acesso para tornar a viagem rápida, também tem um ensinamento para nos passar. Entrar por um varadouro, ou por um igarapé exige de quem está no barco esforço e atenção. Dessa maneira nós podemos comparar a cena da passagem pelos “furos” do rio com o ensinamento de Cristo sobre a “porta pequena” e os caminhos de conversão na Amazônia. 

Certa vez, quando estava no Alto Tapajós, nós, frades e o bispo fomos visitar a aldeia Boca da Estrada para celebrar a festa de São José. Se apresentaram diante de nós duas possibilidades de caminho, o primeiro por terra, caminhando pelos campos e depois, entrando em um igarapé, em um tipo de varadouro, onde só se transitava com “rabeta”. Nosso grupo de visitantes teve então que deixar a voadeira em um local e entrar na embarcação menor ainda. Dentro do varadouro uma surpresa: havia uma árvore caída que tornava a passagem bem mais estreita. Assim, as pessoas que estavam na embarcação tiveram de ajustar-se para passar naquele caminho. E nós, literalmente, nos inclinamos diante da natureza. Ao chegar foi grande a alegria e, logo em seguida, fomos recebidos para um momento de refeição. 

O evangelho de Lucas (Lc 13, 22-30) conta que uma pessoa chegou perto de Jesus e perguntou se era verdade que poucos se salvam. Jesus respondeu então que todos deveriam fazer o esforço de passar pela porta estreita, porque depois que o dono da casa fechar a porta, os do lado de fora vão chamar e não terão resposta. Já no evangelho de Mateus (Mt 7, 13-14) são apresentados dois caminhos: o caminho espaçoso, largo, que leva para a perdição e a porta estreita que leva para a vida. Essas duas passagens nos recordam que para seguir Jesus é preciso renúncia, é preciso fazer uma escolha. Fazer opção por um caminho significa não trilhar o outro.  

A porta estreita nos recorda o esforço e a doação que devemos fazer para sermos mais irmãos, ou seja uma conversão social. Deus não aceita quem bate à sua porta e pratica a injustiça. Não passa no varadouro que leva para o Reino de Deus quem não se esperta para viver o amor. E para atravessar esse caminho é preciso praticar o que ensinou Jesus e não apenas saber quem ele é ou então falar o seu nome. Jesus acaba por não responder se são poucos os que se salvam, ou se seriam apenas um povo ou cultura escolhidos, mas ele apresenta como se salvar. E assim, ele mostra que a salvação é para todos (universal). A mesa do Senhor recebe gente para comer de todas as partes do mundo, do Oriente e do Ocidente, de culturas diferentes. Precisamos então, aqui na terra, fazer o esforço para passar pelo varadouro estreito nos comprometendo para fazer desse mundo um lugar melhor, para depois chegarmos à festa da refeição com Deus. No documento final do Sínodo para a Amazônia?  Se apresentaram as conversões, ou os varadouros, que temos de passar se quisermos chegar a uma evangelização com rosto amazônico. 

Precisamos nos dar conta de que estar entre as terras e águas do alto Tapajós representa um momento muito oportuno, para uma conversão cultural, de encontro com o mistério da vida cristã e da cultura munduruku. Desse modo teremos a possibilidade de refletir dentro dos ritmos de missão e contemplação presentes no território da Mundurukânia. Partilhar, ouvir as pessoas, conhecer lugares, histórias são elementos que tecem uma espiritualidade amazônica. Aprender o franciscanismo que os povos tradicionais praticam e pensar os desafios da vida franciscana que podemos viver juntos são grandes elementos dessa etapa. 

Necessitamos sempre “começar de novo” como nos indicou São Francisco. Nos converter pastoralmente e trilhar novos caminhos como o bispo de Roma tem nos chamando. Talvez os recomeços e renovações possam ser semelhantes ao da singeleza da dança da natureza que vai sempre se reinventando. E assim também o seja, com a graça de Deus, a vida e vocação do Frades Menores nestas terras. As sendas do Evangelho (Xipat Ekawẽn) Munduruku continuam vivas e abertas, nos clamando um conversão integral, para que possamos juntos viver o projeto de Jesus.      

Frei Fábio Vasconcelos, OFM



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800 anos do Natal em Greccio e a Amazônia como grande presépio

Em 2023 a Ordem dos Frades Menores celebrará oitocentos anos da criação do Presépio, criado por Francisco de Assis em Greccio. Este marco é muito importante para a família Franciscana, pois trata-se de uma das maiores contribuições do Poverelo de Assis para a Igreja. O Pobre de Assis, era um grande admirador do Deus que se fez pequeno; o Sumo bem que se tornou nosso irmão. Por isso, contemplar o Menino-Deus na cena do Seu nascimento, era como uma necessidade para Francisco. A imagem de um curumim envolto em palhas, certamente foi marcante no caminho espiritual do Pobre de Assis. Ao iniciarmos as comemorações do oitavo centenário da criação do Presépio em Greccio e da aprovação da Regra Bulada, queremos também voltar nossos olhos para a realidade amazônica, lugar encantador e espaço fecundo para a encarnação do carisma franciscano. 

Na vida de Francisco tudo foi litúrgico, pois sua vida foi uma verdadeira liturgia. Sobre isso Frei Alberto Beckhäuser afirmou, “toda a vida de São Francisco transformou-se numa autêntica liturgia, tanto o celebrativo ritual dos mistérios da salvação como a vivência no serviço da caridade, no lava-pés”. (2018, p.114). Gestos e símbolos, estiveram presentes em toda a história de Francisco que nos é contada por diversos biógrafos. 

As narrativas mostram o quanto o Poverello era atento e encarnado na sua realidade. Esse viver litúrgico de Francisco são as bases da construção do presépio.  O desejo de bem celebrar o Natal foi isso que o levou aos acontecimentos em Greccio no ano de 1223. Foi naquele lugar que Francisco quis representar a encarnação do Verbo Divino com um admirável sinal. E hoje, em diversas partes do mundo e com rostos de culturas tão distintas, se armam presépios como sinais de esperança. 

Um curumim no meio das palhas 

O mistério do Deus pequenino, envolto em faixas, no meio das palhas e dos animais cativou profundamente o Santo de Assis. Uma realidade esplêndida, o Altíssimo que desce até nós e se faz menino, “anunciada com simplicidade e alegria” (cf. Admirabile Signum, 1). Francisco, queria sentir aquele clima; ele queria estar naquela cena evangélica e trazer ao colo Jesus. Por esse motivo reuniu o povo de Greccio. O presépio contém em si não somente uma visualização do Natal, mas nos recorda a missão de testemunhar que Jesus nasceu como príncipe da Paz. 

 Muitos são os lugares que arrumam presépios para materializar as páginas das escrituras. Existem igualmente “presépios reais” que presentifica os apuros daquele família em Belém. E alguns desses sofrimentos podemos localizar na realidade amazônica, nas dores das famílias de migrantes, pessoas necessitadas nas periferias urbanas, pequenos agricultores ameaçados, povos indígenas, entre outros. Esse rosto amazônico do presépio mostra que o mistério, a beleza e os dramas da Amazônia são encarnados, ou seja, assumidos, pela Palavra do Pai. 

 

Armou sua rede no meio das nossas

A Amazônia é um grande presépio que podemos contemplar. Ela nos inspira poesia e cuidado. Do mesmo modo como no Natal do Senhor, em nosso chão amazônico surgem ameaças e perigos que vêm da parte de muitos dos poderosos desta terra.  Além disso, no presépio vemos ainda a Criação que cerca e acolhe seu Autor, assim como a Amazônia que se abre para acolher e manifestar o amor do seu Criador. Mas devemos perceber também que a região amazônica é uma casa ameaçada, um ambiente que vai se tornando, ao invés de acolhedor, hostil. 

Que possamos, embalados pela mística franciscana do Natal, procurar ter um olhar admirado para nossa bela região que é um dom de Deus, um verdadeiro presente. O Verbo eterno se fez irmão, para fazer desse mundo uma grande maloca da fraternidade, um sonho franciscano. Ele atou sua rede no meio das nossas, porque não quis fazer-se distante, mas quis permanecer como um parente nosso. Celebremos pois a feliz festa da encarnação.     

 

Frei Fábio Vasconcelos, OFM

 


Referência:

BECKHÄUSER, ALBERTO. O jeito franciscano de celebrar. Petrópolis: Vozes, 2018. 

FRANCISCO. Admirabile Signum. Vaticano, 2019. 

 

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Celebrar a Imaculada Conceição no chão amazônico

Foto: Arquivo Custodial

Dia 08 de dezembro a Igreja celebra solenemente a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. Essa celebração ocorre dentro do tempo do Advento no qual Maria é uma importante figura. Essa liturgia relembra também que a verdade de fé da Conceição Imaculada de Maria foi definida por Pio IX na mesma data, no ano de 1854. A importância local da solenidade pode ser vista no fato de a Virgem da Conceição ser a padroeira de duas arquidioceses da Amazônia brasileira, Manaus e Santarém. O povo dessas duas cidades nutre uma grande afeição pela Imaculada. Pretendemos com esse texto, pensar um pouco sobre como alguns aspectos da celebração desta solenidade nos fazem olhar para o mistério pascal de Cristo refletido no chão concreto da fé e da vida amazônica. 

Na oração do dia recordamos que Deus preparou “uma digna habitação para o seu Filho, pela Imaculada Conceição da Virgem Maria”. A imagem divina que transparece é justamente aquela do cuidado, d’Aquele que não desampara e prepara com amor a chegada do Verbo. Na mesma oração, os fiéis suplicam: “concedei-nos chegar até vós purificados também de toda culpa” pela materna intercessão de Maria. Esse pedido a Deus liga o povo ao caminho feito pela Virgem, e eles fazem então, hoje subir aos céus um grito. O reino de Deus, “que atua na história”, faz da Imaculada, Maria de Deus e Maria do povo.  Foi no seio materno de Maria, a Mãe da Amazônia, que “formou-Se Jesus, que é o Senhor de tudo o que existe” (Querida Amazônia, 111). Desse modo, a mãezinha que roga por nós é atenta ao caminhar dos povos da Amazônia.   

“No coração palpitante da Amazônia”, a celebração da Imaculada é uma festa de “santa emoção”, mas também de proclamação da fé. Momento de rezar e afirmar, como fazemos na oração sobre as oferendas, que a graça divina preservou Maria de toda culpa. Ao festejar a Virgem Maria, afirmamos o nosso sentimento de querer crescer no seguimento de Cristo, caminho, verdade e vida. Conduzidos por Maria a Cristo, declaramos como ela: “faça-se, ó Pai vossa plena vontade”. Ela é um atalho que ao seu Filho conduz!

Maria é a mulher toda bela (Tóta púlchra), e ela se mostra na Amazônia como “mãe de todas as criaturas na beleza das florestas, dos rios…” A explosão de beleza presente na região amazônica pode contar com o carinho protetor de tão boa Mãe. A beleza de tudo que a Amazônia encerra carece de admiração e cuidado, os quais podemos aprender com a Imaculada, que guardava tudo em seu coração. A Bendita entre as mulheres, que “intervém constantemente em favor do povo de Deus” (Prefácio), volta o seu olhar para os pobres da Amazônia. Ela que é “Mãe dos aflitos que estão junto à cruz” sofre também com seus “filhos ultrajados e na natureza ferida” (QA, 111). 

A primeira leitura desta solenidade nos recorda a queda humana no relato da Criação. Continuamos a ouvir a voz de Deus nos perguntando: Onde estamos? E no solo bendito da Amazônia podemos constatar que muitos ainda buscam ocupar o lugar de Deus e “sentem-se donos da obra do Criador”. Essas tentações produzem feridas abertas no coração humano e no seio da floresta. Ao encontro disso, observamos o que suplica a oração depois da comunhão ao pedir que a “Eucaristia cure em nós as feridas do pecado original”. Portanto, que a celebração da Imaculada Conceição, aumente sempre mais a nossa fé no Cristo que caminha conosco na Amazônia. 

Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

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Dom Leonardo Steiner, um irmão entre os menores da Amazônia

  O terceiro dia do décimo segundo Capítulo da Custódia São Benedito da Amazônia foi marcado pela presença de Dom Leonardo Ulrich Steiner, a quem o povo da região carinhosamente chama “Cardeal da Amazônia”. O Cardeal chegou a Santarém na tarde do dia 15 de novembro e sua presença fraterna despertou muita alegria por parte dos capitulares. A conferência de Dom Leonardo foi um momento muito aguardado dentro da programação do Capítulo.  

Em sua conferência, o Arcebispo de Manaus, foi tecendo um profundo comentário sobre a identidade franciscana e sua vida e missão como “Menores na Amazônia”. Na sua introdução Dom Leonardo fez uma bela recordação do itinerário espiritual de Francisco de Assis como “alguém que mudou de vida depois do encontro com o Crucificado”. O amor de Francisco foi gratuito e generoso, destacou o Cardeal. 

 

Frei João Carlos Karling (Visitador Geral), Dom Leonardo e Frei César, (Definidor Geral)

 

A espiritualidade e vida franciscana, segundo ele, deve ser marcada por uma profunda admiração. Francisco foi um profundo admirador de Deus, que por “um amor tão extraordinário e admirável que se fez Menor”. O amor que movia o Pobrezinho de Assis, o movia, e como recordou Dom Leonardo, “o levou a gemer e a lamentar nos bosques”. O amor que não é amado é generoso e gratuito, afirmou. 

Vida, missão e minoridade são temas fortes para reflexão sobre a identidade dos frades menores na Amazônia, sobre isso, Dom Leonardo também dedicou pontos da sua alocução aos frades. A vida foi definida por ele como “dinâmica, sentido e o concretizar de uma existência”.  A gratuidade e a fraternidade foram enfatizadas como aspecto presente   no viver, assim pontuou o Arcebispo. Fraternidade foi exposta na conferência como a força que faz irmão. Entre os frades menores a força que faz ser irmão é a minoridade, ressaltou o Cardeal Steiner. 

Durante a conferência foram abordadas à luz da riqueza do franciscanismo temas como gratuidade, fraternidade, cuidado. Um olhar franciscano desde o coração da Amazônia nos permite ver com tristeza que conforme, constata o cardeal: “As criaturas deixaram de ser irmãs para tornaram-se objeto de exploração”. Acabamos por observar “relações desfraternas”. Ao invés de nos desarmar estamos cada vez mais em tempos desafiadores e de profundos conflitos. 

A hermenêutica da totalidade foi destacada aos frades como “possibilidade de ser Igreja na Amazônia” com uma “responsabilidade envagelizadora”. Dom Leonardo destacou que os frades na Amazônia têm uma missão própria. Um carisma privilegiado para dialogar com os povos e culturas locais. A “admiração com o mistério de Deus” ocupa um lugar importante na presença franciscana neste território.

Frei Thomas Nairn, Dom Irineu Roman, Dom Leonardo e Dom Wilmar Santin.

Sobre a missão franciscana na Amazônia, o Cardeal, realçou aos frades em capítulo que “como Menores, estamos satisfeitos onde a obediência nos envia”. Provocados a anunciar o Amor que não é amado. Neste caminho com a Amazônia a admiração nos impulsiona na encarnação e no anúncio transformador e libertador. Concluindo a conferência, o metropolita, afirmou que “Como Menores deveríamos estar entre os menores, para sermos menores”.  Em seguida o Cardeal ouviu a ressonância dos frades sobre a sua exposição, momento de um esperançoso bate-papo. Como arcebispo de Manaus, ele agradeceu a presença e atual dos frades na capital amazonense. 

 

Auditório Capitular

Texto e fotos: Equipe de Comunicação para o Capítulo

 

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São Benedito: tambores, alimentos, fitas e flores na realidade Amazônica

Ilustração: Darlyson Alves

São Benedito é, de certo, uma presença no coração dos amazônidas. Para atestar esse fato não faltam manifestações de piedade popular. Apenas para citar uns exemplos paraenses podemos ver a Marujada de Bragança, o gambá de Pinhel e o Marambiré de Alenquer. A memória deste santo é um sinônimo de minoridade e alegria franciscana. Benedito é um santo que irmana, que congrega e gera fraternidade, por esse motivo surgiram e surgem muitas irmandades tendo como patrono o santo. 

O nome Benedito tem relação com bendizer, ou seja, falar bem de alguém, abençoar.  Ao bendizer Benedito agradecemos também os dons da bondade divina. As pessoas que vivem na Amazônia com toda certeza podem proclamar a bênção de Deus que é habitar essa região. Benditos também são os que se empenham pelo cuidado da casa comum. Por inspiração de Francisco e de São Benedito podemos louvar a santa simplicidade e o amor pelos irmãos e irmãs. 

Frei Benedito de San Fratello exerceu trabalhos ligados à vida do convento onde viveu. Ele ficou conhecido, entre muitas coisas, por ser um santo cozinheiro. Um verso popular assim o reconhece: “Meu São Benedito já foi cozinheiro e hoje ele é santo do Deus do verdadeiro”. De fato, cozinhar é um dom ou uma arte, tem a ver com dedicação, conhecimento, transformação e serviço. Entre as panelas de São Benedito com certeza não faltavam o selo e a preocupação com a sua fraternidade. 

Um sinal também da sua proximidade com os pobres está contido em algumas esculturas do santo que o retrata no gesto da distribuição dos pães. Em nossos tempos de insegurança alimentar, em que muitos passam fome, a partilha e amor de Benedito devem nos inspirar. E entre os povos da Amazônia essa triste realidade é dolorosamente presente. Em entrevista ao Site IHU, o professor Mário Tito Barros Almeida afirma que: “A Amazônia é rica, mas ela não produz riqueza; ela produz ricos” e com base em dados de 2022, 18% das famílias da região norte do Brasil estão na insegurança alimentar, a maior taxa entre outras partes do país. 

Outra característica de São Benedito é a sua afrodescendência, seus pais foram escravizados e foram levados da Etiópia para a Sicília, onde o santo nasceu. A Amazônia abriga diversas comunidades quilombolas. Essas raízes negras muitas vezes parecem ser esquecidas, e por isso muitas lideranças fortemente afirmam: “A Amazônia também é negra”. Unidos ao Santo Negro possamos cultivar uma atitude antirracista neste solo amazônico. Ecoemos os tambores de São Benedito ressoando os cantos de libertação dos povos da querida Amazônia. 

Benedito é então uma fraterna inspiração para seguirmos o evangelho no encantador e desafiante ambiente amazônico. Sua santidade que floresce na cultura popular, cheia de alegria e cores, nos ajude a festejar os dons diversos que se unem em harmonia.  Caminhando com São Benedito por entre as cidades, matas e rios possamos testemunhar a vida de irmãos e menores. O cercar de flores e fitas o andor de Benedito, impulsiona a trabalhar pela alegria e o bem viver de todos e todas. 

Comunicação Custodial 

Referências

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Fome na Amazônia: ela é rica, mas não produz riqueza; produz ricos. Entrevista especial com Mário Tito Barros Almeida: “O reaparecimento da fome no Brasil significa o retorno de pessoas para classes sociais mais baixas”, alerta o pesquisador. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/610695-fome-na-amazonia-ela-e-rica-mas-nao-produz-riqueza-produz-ricos-entrevista-especial-com-mario-tito-barros-almeida>. Acesso em: 01 out. 2022.   

OLIVEIRA, Joana.  A Amazônia também é negra. Disponível em: https://brasil.elpais.com /brasil/2019/11/19/politica/1574164761_425337.html. Acesso em: 01 out. 2022.   

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A defesa do Urumari e os gestos concretos para ouvir a voz da Criação

Foto: Arquivo Custodial

Ao falar de Criação não tem como se remeter a criação divina da Terra, da nossa Casa Comum, e dos seres vivos que nela habitam. Dentre esses seres vivos estão os seres humanos aos quais Deus criou à sua imagem e semelhança” (Gn 1, 26), mas que deixou essa criação aos cuidados da humanidade para zelar, contemplar e preservar todas as formas de vida. 

Entretanto, o que temos visto nas últimas décadas é uma intensa violação e degradação dos recursos naturais, principalmente aos ambientes aquáticos que estão sendo impactados e contaminados por várias fontes poluidoras. Esse fato afeta a tudo e a todos.  Particularmente porque  vivemos na maior bacia hidrográfica do mundo que é a Bacia Amazônica, e esta vem sofrendo diversos danos ambientais. Entre  os ecossistemas que fazem parte deste imenso bioma e que vem sendo alterado de forma significativa estão os igarapés – Igarapé é um pequeno rio navegável, geralmente afluentes de rios maiores. Sobre o igarapé, vale destacar uma particularidade: eles praticamente só existem na bacia amazônica, na zona norte do Brasil.

Neste sentido o Igarapé do Urumari um dos principais mananciais da cidade de Santarém, no Pará, percorre aproximadamente 7,5 km quilômetros até desaguar na confluência dos rios Tapajós e Amazonas. Durante esse percurso passa por alguns bairros, servindo de habitat para uma riqueza significativa de seres vivos, marcado por palmeiras em suas margens árvores típicas da mata ciliar, que serve de proteção e fonte de alimentação para qualquer recurso hídrico mas que nos últimos anos este sistema ecológico vem sendo modificado drasticamente, seja pela própria falta de informação, falta de planejamento urbano, como pela negligência e ganância, que trazem como consequências a poluição, a contaminação, o desmatamento, assoreamento, tantos males que assolam e degradam este ecossistema. 

Foto: Arquivo Custodial

Dessa forma um grupo de pessoas preocupadas com a situação alarmante do igarapé, formou o Comitê em Defesa do Urumari, fruto de uma atividade chamada Balcão de Direitos que a Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS) promovia, e em um desses encontros foi refletido sobre Direito Ambiental e a ferramenta de estudo foi justamente o Igarapé do Urumari, então como gesto concreto diante dos desafios ambientais que o igarapé tem, ao final deste encontro no dia 5 de agosto de 2007 em parceria também com a Paróquia de Cristo Libertador foi criado o Comitê em Defesa do Urumari.

Desde sua criação o Comitê do Urumari já realizou diversas atividades em prol da proteção do igarapé como: caminhadas ecológicas, palestras, plantios de muda, realização do Projeto Urumari Vivo que desenvolveu desde análises da qualidade da água, solo, fauna e flora até mapeamento de suas áreas degradadas, lives de sensibilização quanto a preservação do mesmo, enfim, durante esses 15 anos de atuação o Comitê sempre esteve preocupado com a realidade do igarapé do Urumari e procura ver formas para sua defesa diante de tantas ações que interferem na sua dinâmica ambiental e que esta prática de zelo seja disseminada para outros tantos igarapés que tem a mesma realidade de destruição neste rincão amazônico.

Portanto neste cenário que é tão desafiador devemos ser agentes cuidadores e tomar ações proféticas nesta imensa criação que clama tanto.

A luta pela recuperação e proteção do Igarapé do Urumari precisa de você. Junte-se a nós!

Por: Diego Ramos,
Biólogo. Professor de Ciências. Coordenador do Comitê do Urumari.

DomLeonardo

Um cardeal franciscano e de Francisco

 

No dia 29 de maio, os primeiros raios de sol em Manaus traziam uma notícia que foi motivo de surpresa para muita gente. Na verdade, conhecendo a lógica do Papa Francisco, a escolha de um cardeal da Amazônia era algo esperado. Ele é um Papa que gosta de ter por perto àqueles que vivem nas periferias, pois é lá onde ele encontra as luzes para seu pontificado.

Foi nesse dia que, mais uma vez sem avisar ninguém, o Papa Francisco convocou um novo consistório, que será realizado neste sábado, 27 de agosto, na Basílica de São Pedro. Entre os novos purpurados estará o Arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, a quem muitos já chamam o cardeal da Amazônia ou o cardeal da floresta.

A nomeação de Dom Leonardo é mais um exemplo do que tem acontecido em todos os consistórios convocados até agora pelo Papa Francisco, onde sempre aparecem bispos de lugares desconhecidos e que nunca tiveram um representante dentro do Colégio Cardinalício.

Pela primeira vez na história, um bispo da Amazônia terá uma vaga no Colégio Cardinalício. Desde o primeiro momento, Dom Leonardo deixou claro que sua nomeação não era algo que fizesse referência exclusiva a sua pessoa, e sim um serviço que assumia em nome da Igreja e dos povos da Amazônia. Uma região, uns povos e uma Igreja que ocupam um lugar importante no coração do Papa Francisco, que convocou um Sínodo para a Amazônia que está mudando a história da Igreja universal.

Dom Leonardo é franciscano, a ordem fundada pelo Santo de Assis, que viveu e deixou como carisma o amor aos pobres e à Irmã Mãe Terra, algo que desde o início de seu pontificado foi assumido pelo primeiro Papa que assumiu o nome de Francisco. O Papa Bergoglio é um jesuíta com coração franciscano, grande amigo do Cardeal Hummes, o franciscano recentemente falecido, que dedicou os últimos anos de sua vida à Amazônia.

Nos primeiros dias como Bispo de Roma, o Papa Francisco afirmou que ele gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres, e sua primeira encíclica, Laudato Si´, pode ser considerada uma atualização do vivido e defendido pelo Santo de Assis oito séculos atrás. São princípios que guiam a vida do novo cardeal, quem acostuma se encontrar e distribuir alimentos para os moradores de rua de Manaus. Um arcebispo que apoia decididamente o trabalho com os povos indígenas e as comunidades ribeirinhas, que denuncia os graves impactos que sofre o bioma amazônico, em consequência da falta de respeito pelas leis e princípios ambientais.

A nomeação de Dom Leonardo como cardeal é motivo de alegria, mas também de esperança, pois a Amazônia terá mais alguém entre os colaboradores mais próximos do Santo Padre. O colégio cardinalício contará com uma voz que, como já está fazendo desde que assumiu o pastoreio da Igreja de Manaus, vai defender a vida que se faz presente de modos tão diferentes na Querida Amazônia.

Luis Miguel Modino

Publicado em: CNBB Norte 1

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Alegria fraterna e gratidão: Frei Bruno Laviola relata a experiência na Missão Cururu – Primeira parte

Imagem: Frei Edilson Rocha

O que se eterniza

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Custódia São Benedito da Amazônia na pessoa do Ministro Custodial, Frei Edilson e seu governo por me proporcionar este tempo de convivência entre vocês, frades, amigos e pessoas próximas em terras além mineiras. Tempo forte que pude experimentar in loco os desafios em que a Missão São Francisco do Rio Cururu está inserida, e para além de seus desafios a força humana que gera vida e vida em abundância em terras Munduruku.

Cheguei por aqui dia 01/07 no voo Gol que aterrissou às  13:30 horas conforme horário local. O sentimento que acompanhava a viagem era de gratidão e muita positividade em poder sair de terras mineiras e conviver em outros lugares, saborear novos sabores da vida franciscana e um sonho podendo estar se realizando; conhecer a Missão Cururu. 

As conversas e a convivência foram intensas e verdadeiras. Conhecer as fraternidades e também um pouco do costume de cada lugar me encantaram ainda mais por estas terras; povo de muita piedade e força para viver.

Não poderia deixar de ressaltar a convivência com os freis da filosofia, Diogo, Walter e Jailson que de modo particular foram grandes companheiros nesta viagem. Em falar de viagem, quanta emoção vivida em cada trecho percorrido seja por terra ou por água e até mesmo no ar, momentos de medo, sim, pelas sinuosas curvas, mas muito seguros pela condução de Frei Edilson. 

O trajeto da viagem desde Santarém até a Missão Cururu é realmente desafiante. São vários os trechos e porque não extenuantes e tensos para quem, por exemplo, está dirigindo, ou coisas afins, mas é encantador quando deixamos tudo para trás e sim viver realmente os desafios que o trajeto apresenta. Desta maneira a suavidade vem em forma de beleza e brinda a viagem com momentos intensos carregados de adrenalina e emoções.

Tentarei descrever minhas emoções em cada trecho da viagem e de forma sucinta apresentar nestas linhas o que levarei comigo de volta as altas montanhas de Minas Gerais. Estar em terras “estranhas” sempre me cativou e cativa, estar em lugares diferentes sempre me proporcionou entrar em contato comigo mesmo, deixar-me modelar novamente com os aprendizados que adquirimos ao longo do período que estamos naquele lugar. Por aqui não foi diferente. Bora iniciar a aventura!

Como nos diz o ditado popular que os preparativos e a viagem valem mais a pena que a chegada no local em si, ao se tratar da Missão Cururu não posso dizer o mesmo. Tanto a viagem quanto a chegada e a estadia têm o mesmo valor. Talvez possa ser a experiência de alguém vindo de fora, mas, creio que não. Ah, posso dizer com muita firmeza que re-aprendi muito a acreditar e ter fé que a providência de Deus age na hora certa. 

Ao iniciarmos os preparativos para ida, sempre uma coisa vinha à minha mente: como vamos conseguir colocar tudo isto no carro? E na voadeira? Apesar de ser um carro grande era muita coisa e sem falar que ao longo do caminho sempre vai adicionando mais uma coisinha para aproveitar a ida, era eu e meus botões. 

 

Da esquerda para direita: Frei Diogo, Frei Edilson, Frei Marcos (OCD, Frei Jailson, Frei Walter e Frei Bruno. Imagem: Frei Edilson Rocha

Iniciamos a viagem

O primeiro trecho de estrada que é Santarém para Itaituba foi bem interessante. O sentimento inicial era de um aventureiro que se colocava para além de terras mineiras. Sentia cada detalhe daquele caminho, a cor do asfalto, os trechos ainda sem asfalto, os pequenos igarapés, que em tempo de calor intenso são a alegria de muitos, a concentração de Frei Edilson na condução do carro, as várias borboletas amarelas que estavam ao longo do caminho, tudo intenso e colorido. O almoço foi num restaurante em Rurópolis, uma comida deliciosa. Ao chegarmos em Miritituba, em frente a cidade de Itaituba, avistamos a balsa Miritituba-Itaituba e eu ainda não havia vivido travessias assim, aos poucos os carros e caminhões menores iam se ajeitando naquele longo casco até ouvir o sinal; 20 minutinhos e nas terras da Pepita do Tapajós estávamos. Alegria também em chegar e poder descansar um pouco, mas não podíamos perder tempo, pois teríamos que colocar as coisas que ali estavam para levar à Missão. Pensei de novo comigo: mas como vamos levar mais coisas neste carro? Até uma máquina de costura havia, mas fiquei quieto e tentei ajudar como podia. E não é que conseguimos arrumar tudo. Agora sim era hora de descansar e aproveitar um pouco do início dos festejos de Sant’ Ana.

Momento de convivência com os freis, com o povo e com o Bispo de Itaituba Dom Wilmar que recordou com carinho e felicidade de Frei Igor. Saímos após um café comunitário e para minha surpresa a estrada era toda de chão batido. O trecho de Itaituba a Jacareacanga me recordou estes 16 anos de vida religiosa, quantos momentos foram difíceis e desafiadores ao longo deste percurso de minha vida. A cada curva, a cada encontro com outros carros que faziam direção oposta ou até mesmo os carros que seguiam para Jacaré deixando a visibilidade difícil por causa da poeira, me faziam pensar e me associar à minha própria vida. A cada quilômetro percorrido o sentimento que me acompanhava era de gratidão e superação. E aqui, um ponto chave da vida franciscana que se chama fraternidade, que por vezes não é fácil de ser vivenciada, mas é na realidade nosso tesouro que levamos em vasos de barro, por sermos humanos e falhos. Nossa fraternidade que viajava naquele instante era minha fortaleza que com um sorriso e outro, um silêncio ou até um cochilo se mostrava presente, menos Frei Edilson que não podia cochilar porque era o piloto. 

Foram horas viajando e pensando até avistarmos o portal de “Jacaré” e com ele o asfalto se fazia presente. Momento de agradecer e preparar para o terceiro tempo da viagem. A estadia em Jacaré foi muito boa. Um fato me impressionou muito. Ficamos hospedados na casa dos frades carmelitas e Frei Edilson havia mandado mensagem para Frei Marcos que já estávamos chegando. Até aí é normal, mas, quando chegamos lá não havia ninguém em casa e daí a surpresa: Frei Marcos havia mandado uma mensagem para Frei Edilson dizendo que ele tinha saído, mas que a chave se encontrava em tal lugar e que poderíamos ficar à vontade na casa. Foram dois dias naquela cidade onde , apesar do calor e da poeira, me senti acolhido e respeitado. 

Vista da casa da Irmãs Missionária da Imaculada Conceição (SMIC)

Continuo o relato na segunda parte do texto que deve ser publicado logo!

Frei Bruno Laviola, ofm