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Recordar sempre o ponto de partida: entrevista com Frei Vagner Sena

Foto: Arquivo Custodial

Frei Vagner Sena, 38 anos, natural de Óbidos (PA), nasceu no dia 20 de abril de 1985. O frade será ordenado presbítero da Igreja Católica, no dia 24 de junho de 2023, dia de São João. A ordenação será realizada na Catedral Sant´Ana, em Óbidos, às 19h. O tema escolhido pelo frade, foi: “Tenham em vocês os mesmo sentimentos que havia em Cristo Jesus” (Filipenses 2,5). A  Ação de Graça será no dia seguinte, às 8h30, na Igreja Santa Terezinha. 

O frade conversou com a equipe de comunicação da custódia e contou um pouco sobre ele e como tudo começou. Já com 20 anos, Frei Vagner Sena, resolveu com alguns amigos “reativar” um grupo de jovens da comunidade que frequentava, sendo esse grupo que tinha sido fundado pelos irmãos do frei e dos amigos. Veja a seguir um pouco da conversa que tivemos com o frade.

Conte um pouco quem era o senhor antes de se sentir chamado para ser um frade?

FVS: Antes de iniciar meu discernimento vocacional e me sentir chamado a ser um frade Franciscano, eu frequentava a comunidade de Santa Terezinha com meus pais, minha avó e meus irmãos. Em 2006, eu e alguns amigos decidimos reorganizar o grupo de jovens da comunidade. O grupo se chamava “”Cristo Esperança Única” era o mesmo grupo que nossos irmãos e irmãs haviam fundado há muitos anos atrás. Em pouco tempo fui indicado para a coordenação paroquial e em seguida para a coordenação da Pastoral da Juventude (PJ) da Diocese de Óbidos representando a Paróquia de Sant’Ana.

No campo profissional, meu desejo era estudar Biologia e atuar nessa área, em pesquisas e outras possibilidades . Porém, isso não aconteceu. Por fazer parte da coordenação Diocesana da Pastoral da Juventude fui indicado para representar a paróquia de Sant’Ana no (CMDCA) Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente. Assumi este serviço voluntário por três anos. 

Em 2008, iniciei meu acompanhamento vocacional com Frei Amauri que na época fazia parte da fraternidade que havia em Óbidos. Meu objetivo era iniciar o postulandado em 2009. Contudo, não consegui participar dos encontros vocacionais que aconteciam todo mês de julho em Santarém. Por esse motivo o Conselho de Formação me pediu que continuasse o acompanhamento vocacional por mais um ano.

Nesse período devido a minha atuação no CMDCA recebi o convite para concorrer a uma vaga no Conselho Tutelar.  Com o apoio das comunidades que fazem parte da paróquia, familiares, amigos, movimentos e pastorais sociais, fui eleito para o triênio 2010-2013. 

Eu e mais 4 conselheiros tomamos posse no dia 30 de abril de 2010. Contudo, o desejo de ingressar na formação franciscana ficava cada vez mais forte. Em janeiro de 2011, renunciei ao cargo de conselheiro tutelar e me juntei a mais quatro jovens para dar início ao Postulantado na casa de formação Maíra, localizada na cidade de Santarém.

Foto: Arquivo Custodial

Como e quando o senhor se sentiu chamado para entrar na Ordem dos Frades Menores?

FVS: O chamado para entrar na Ordem foi ficando cada vez mais forte depois de começar a participar dos encontros formativos e dos retiros da Pastoral da Juventude. O contato mais frequente com a Palavra de Deus e as visitas às comunidades mais distantes fez com que eu percebesse a necessidade de padres, religiosos e missionários para servir as centenas de comunidades da região, especialmente as mais carentes e distantes do centro da sede da paróquia. Outro fator importante foi o atendimento, escuta e acompanhamento das vítimas de violência física e sexual que procuravam o conselho tutelar em busca de ajuda. Percebi a necessidade que essas pessoas tinham de receber não apenas orientações jurídicas relacionadas a seus direitos, mas também a necessidade de um acompanhamento espiritual. Para muitos, Deus havia se tornado alguém distante delas. Muitas pessoas se questionam onde está Deus neste momento difícil e de sofrimento para a vida delas e de seus filhos e filhas? Acredito que meu serviço como religioso franciscano poderia ajudá-las nesse processo traumático que elas estavam enfrentando. Ajudaria principalmente a manter a relação delas com Deus que mesmo em situações difíceis da vida se faz presente e nunca abandona seus filhos e filhas.

Quem foram seus primeiros frades formadores e a importância deles?

FVS: Antes de mencionar os formadores, gostaria de destacar o papel que o Frei Amauri Pereira teve durante esse processo. Foi ele quem me convidou para participar dos encontros vocacionais. Com seu jeito simples e sempre disposto a ouvir e aconselhar ele teve uma importância fundamental no início da minha jornada vocacional. 

Meu primeiro formador foi Frei Marcos Bezerra. Ele me acompanhou durante o postulantado.  Frei João Miguel (Top) era residente na fraternidade Maíra em 2011 e contribuiu com a formação bíblica da turma. Na segunda metade de 2011 a fraternidade foi transferida para a cidade de Itaituba. Além de Frei Marcos, Frei Rodolfo Pimentel passou a contribuir com nossa formação assumindo a tarefa de vice-formador da casa de Postulantado. Frei Marcos sempre incentivou a combinação entre trabalho, oração e estudo. Isso foi importante para nos preparar para a próxima etapa, o noviciado.

Em 2012 iniciei meu noviciado na fraternidade Kabiará, localizada no bairro Mararu. Frei João Schwieters foi nosso formador.  Sempre muito criativo e dinâmico, ele fazia com que o noviciado se tornasse mais leve e mais alegre também. Frei João me ajudou a admirar ainda mais o carisma franciscano e a importância da criatividade e a valorização de uma liturgia inculturada na região Amazônica.

Durante a Filosofia, Frei Elder e Frei Durván nos acompanharam e nos incentivaram a superar as dificuldades. 

Como foi o processo de formação até aqui?

FVS: Considero meu processo formativo bastante desafiador, especialmente por ser uma pessoa introvertida. Além disso, diferente dos meus colegas de turma, antes dos 22 anos eu não tinha um envolvimento na vida de comunidade como eles tiveram antes da entrada para a formação franciscana. Por esse motivo, procurava me esforçar para tentar acompanhar a turma. Os colegas de turma sempre me ajudaram e aos poucos fui superando algumas dificuldades pessoais e comunitárias. Por isso acredito que a vida de fraternidade é um dos mais importantes aspectos do carisma franciscano. Ela nos ajuda a amadurecer e nos tornarmos melhores seres humanos.

Seu maior desafio nessa caminhada?

FVS: Acredito que meu maior desafio na caminhada foi aprender a lidar com a diferença de cada irmão de fraternidade, muito mais do que lidar com minha própria timidez. Hoje acredito que a diversidade pode contribuir para o crescimento pessoal de todos os membros da fraternidade. 

Desistir já foi uma opção?

FVS: A caminhada na vida religiosa nem sempre é fácil. A luta é contra nós mesmos, nossas próprias fraquezas e preconceitos. Concordo com frei Erlison que sempre diz aos jovens vocacionados acompanhados por ele “a vida Franciscana é a melhor vida que podemos escolher”. Quando procuramos vivê-la de corpo e alma ela se torna eleve nos faz entender o verdadeiro sentido de colocar nossa vida a serviço de nossos irmãos e irmãs. Não, desistir nunca foi uma opção. 

O que mais sustenta a sua missão?

FVS: A espiritualidade franciscana é um dos pilares mais importantes na minha caminhada. Acredito que ela me sustenta e me ajuda a continuar firme no propósito de vida que escolhi seguir. Existe um canto franciscano, inspirado no pensamento de Santa Clara, que eu gosto muito, cujo refrão diz assim: “Não perca de vista seu ponto de partida”. Considero este canto como um verdadeiro mantra. Sempre que estou diante de uma nova etapa da minha formação ou em meus momentos de recolhimento e silêncio eu procuro repetir este refrão. Isso me ajuda a não perder de vista a verdadeira razão pela qual eu decidi me tornar um franciscano. O ponto de partida é o próprio Jesus Cristo que se faz presente em cada pessoa que encontramos no decorrer de nossa caminhada.

Foto: Arquivo Custodial

Como o senhor discerniu a vocação presbiteral?

FVS: Quando entrei para a Ordem, pensava em ser irmão leigo. A mudança aconteceu depois que fui enviado para morar entre o povo indígena Munduruku durante o ano pastoral, em 2017. A experiência vivida junto ao povo Munduruku me fez perceber a necessidade de uma maior presença de padres na região que pudessem oferecer a eles uma participação e vivência dos sacramentos com maior frequência. Muitas aldeias passaram e continuam passando até os dias de hoje meses sem receber a visita de um padre e consequentemente, sem celebrar os sacramentos. Sempre alimentei o desejo de retornar para a Missão e assim procurar fortalecer nossa presença solidária no meio desse povo que tanto nos ama. 

Quais são os desejos para o futuro?

FVS: Primeiramente desejo me dedicar ao serviço paroquial junto às comunidades da Paróquia de Cristo Libertado de acordo com o que me foi pedido pelo Conselho Custodial. Penso que nesses primeiros anos como padre é importante dedicar tempo para as comunidades e aprender com elas. Trabalhar para fortalecer as comunidades de base, fortalecer e valorizar ainda mais o serviço das lideranças leigas que atuam nas comunidades onde, nós frades, estamos presentes.

Com o tempo desejo cursar serviço social e assim desenvolver atividades que possam oferecer um atendimento e acompanhamento espiritual para as famílias vítimas de diferentes formas de violência como por exemplo a violência doméstica, sexual e física. 

Deixe uma mensagem curta para os leitores.

FVS: Meus irmãos e irmãs, animados pela fé no Cristo ressuscitado continuemos firmes na esperança de que somente quando nos permitimos fazer a experiência de encontro pessoal com Jesus presente em nossos irmãos e irmãs e vivendo em espírito de fraternidade poderemos encontrar verdadeiramente o sentido para nossa vida como cristãos. Que Deus abençoe cada um de vocês, vamos juntos continuar anunciando a paz e o bem.

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Dom Evaristo Spengler inicia sua missão reafirmando o compromisso da Igreja de Roraima com os indígenas e migrantes

 

Ser acolhido pelos que não contam é um sinal de Deus, que faz opção por aqueles que a sociedade descarta. Os povos indígenas e os migrantes venezuelanos, vítimas de preconceito na sociedade roraimense, foram os protagonistas da acolhida ao novo Bispo da Diocese de Roraima na frente da Catedral Cristo Redentor.

Com a presença dos Bispos do Regional Norte1 e de outros prelados chegados de diferentes cantos do Brasil e da Venezuela, dentre eles seus dois predecessores, Dom Mário Antônio da Silva e Dom Roque Paloschi, presbíteros, Vida Religiosa e representantes da paróquias e comunidades, tomou posse, pelas mãos do Cardeal Leonardo Steiner, Arcebispo Metropolita de Manaus, da Igreja que o Papa Francisco lhe confiou a Dom Evaristo Spengler, que mostrou em suas palavras e seu sorriso no rosto a alegria deste momento.

Os povos indígenas e os migrantes são protagonistas na Igreja de Roraima, algo que mais uma vez se fez presente na liturgia, com a proclamação das leituras em espanhol e na língua indígena macuxi, assim como alguns dos cantos e momentos marcantes da celebração. Uma liturgia cheia de símbolos, com rosto amazônico, na Solenidade da Anunciação do Senhor e no dia em que a Igreja de Roraima inicia a preparação para os 300 anos de evangelização em 2025.

Desde o Mistério da Anunciação, Dom Evaristo destacou como Deus enviou seu anjo a uma região desprezada, para assim encarnar a um Messias que quis ser parte do povo pobre e que revelou que “o Reino de Deus está presente especialmente lá onde todas as pessoas podem circular”. Isso pela figura de Maria, que supera seus medos para assumir o plano de Deus, pois acima de tudo “ela carrega no coração a certeza de que Deus caminha com ela e com o povo pobre”, insistindo Dom Evaristo em superar os medos, pois “o excesso de medo nos paralisa”, lembrando alguns medos “que nos fazem muito mal”, e junto com isso “nos impede caminhar e construir um futuro coerente e mais autêntico com o Evangelho”.

Daí, o novo Bispo da Diocese de Roraima fez ver a urgência de “construir uma Igreja da esperança e da confiança em Deus”, lembrando do 3º Ano Vocacional que a Igreja do Brasil está celebrando, insistindo em que “todos somos chamados a ser Povo de Deus a caminho e a fortalecer nossas Comunidades Eclesiais de Base”, e fazendo um chamado a todos a assumir a sua vocação na Comunhão e na Missão, “sem medo de caminhar juntos e de construir comunidades servidoras, a exemplo de Maria”.

É a exemplo de Maria, que “esta Igreja particular ouve o chamado de Deus pelo clamor do povo”, algo que foi assumido pelos missionários que ao longo de 300 anos “chegavam com muito sacrifício de deslocamentos, de comunicação, de recursos e aqui deixaram-se consumir no testemunho do evangelho vivo”, insistiu Dom Evaristo Spengler. Uma Igreja que “nunca deixou-se pautar por aplausos os críticas, mas pela fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo”, inclusive até dar a vida como aconteceu com o Padre Caleri. “Uma Igreja, sem medo, como Maria”.

Diante do momento atual, “a Igreja não pode silenciar diante da tragédia dos Yanomami, diante de suas terras invadidas pelo garimpo, que lhes rouba o território, a saúde, a paz, os meios de produção de alimentos, enfim a vida”, denunciou Dom Evaristo. Daí ele insistiu que “a Igreja de Roraima reafirma mais uma vez o seu compromisso com os povos indígenas na defesa de sua vida e de seus territórios”. Um compromisso que também se faz extensivo aos migrantes, destacou o Bispo, que “deseja acolhê-los e inseri-los nesta terra”, muitos deles participantes da vida das comunidades da Diocese.

Refletindo sobre o Ministério do Bispo e o tríplice ministério, Dom Evaristo Spengler insistiu em que “mais importante do que o Bispo é a Igreja”, e fez uma profissão de fé, mostrando a Igreja em que ele crê: Uma Igreja fiel ao Evangelho; uma Igreja servidora do mundo e promotora da Vida, principalmente lá onde ela se encontra mais ameaçada; uma Igreja aliada e parceira dos pobres, povos indígenas, migrantes, mulheres, jovens e famintos; numa Igreja de Comunidades, da Palavra, que faz a experiência da partilha e é ensaio do Reino; uma Igreja que buscar testemunhar a sinodalidade, corresponsável desde o Batismo; uma Igreja toda ministerial; uma Igreja profética; uma Igreja responsável pela Casa Comum, que ama, cuida e defende nossa “Irmã Mãe Terra”.

Numa Igreja três vezes centenária, Dom Evaristo disse se sentir “tranquilo e bastante seguro, não por causa das minhas forças, mas por causa da Igreja”, que ele definiu marcada pelo “testemunho, fidelidade e profetismo”. Um caminho que disse querer percorrer desde seu “compromisso com o Regional Norte1 em busca do fortalecimento dos laços de comunhão”, algo que também faz com a CNBB, em sua missão no Enfrentamento ao Tráfico humano e com a REPAM.

No final da celebração foi momento de agradecimento ao novo Bispo, também ao administrador diocesano durante a sede vacante, o Padre Lúcio Nicoletto. Uma Igreja que com a chegada de Dom Evaristo se sente “beijada pelo Espírito de Deus”, destacando no novo Bispo seu despojamento, e sendo acolhido por todos e todas os que caminham nesta Igreja de Roraima, profética e missionária, que unidos com seu novo Bispo querem caminhar para águas mais profundas, dizendo como Maria: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em nós segundo a vossa palavra”.

Uma acolhida do clero, que lhe fizeram ver que o novo Bispo não está sozinho e pode contar com os padres em seu novo ministério, também da Vida Religiosa, que disse para ele que Deus lhe conferira muitas forças de se colocar ao serviço dos mais pobres junto com os consagrados e consagradas. O novo Bispo também foi acolhido pelo prefeito da cidade lhe mostrando que é muito bem-vindo à cidade de Boa Vista, sede da Diocese de Roraima, a quem o administrador diocesano agradeceu pela ajuda nos mais de 10 meses em que desempenhou essa missão, pedindo ao novo Bispo que ajude sua nova Igreja a não ter medo de avançar para águas mais profundas e a caminhar juntos como Igreja sinodal.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Fonte: CNBB Norte 1

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O varadouro estreito e a travessia do rio: percursos de conversão amazônica 

Foto: Arquivo Custodial

A experiência de entrar em uma embarcação pequena, seja canoa, “uma rabeta”, ou voadeira para atravessar o rio, apresenta para nós muitas lições. Imaginemos que a viagem pelo rio é toda a nossa vida, na qual nós vamos enfrentando os desafios para chegar ao nosso destino, sempre no encontro com Deus. Se mostram então, diante de nós, um caminho largo e outro estreito. Assim, os varadouros, que são tipos de cortes na mata que cerca os grandes rios e que servem como um acesso para tornar a viagem rápida, também tem um ensinamento para nos passar. Entrar por um varadouro, ou por um igarapé exige de quem está no barco esforço e atenção. Dessa maneira nós podemos comparar a cena da passagem pelos “furos” do rio com o ensinamento de Cristo sobre a “porta pequena” e os caminhos de conversão na Amazônia. 

Certa vez, quando estava no Alto Tapajós, nós, frades e o bispo fomos visitar a aldeia Boca da Estrada para celebrar a festa de São José. Se apresentaram diante de nós duas possibilidades de caminho, o primeiro por terra, caminhando pelos campos e depois, entrando em um igarapé, em um tipo de varadouro, onde só se transitava com “rabeta”. Nosso grupo de visitantes teve então que deixar a voadeira em um local e entrar na embarcação menor ainda. Dentro do varadouro uma surpresa: havia uma árvore caída que tornava a passagem bem mais estreita. Assim, as pessoas que estavam na embarcação tiveram de ajustar-se para passar naquele caminho. E nós, literalmente, nos inclinamos diante da natureza. Ao chegar foi grande a alegria e, logo em seguida, fomos recebidos para um momento de refeição. 

O evangelho de Lucas (Lc 13, 22-30) conta que uma pessoa chegou perto de Jesus e perguntou se era verdade que poucos se salvam. Jesus respondeu então que todos deveriam fazer o esforço de passar pela porta estreita, porque depois que o dono da casa fechar a porta, os do lado de fora vão chamar e não terão resposta. Já no evangelho de Mateus (Mt 7, 13-14) são apresentados dois caminhos: o caminho espaçoso, largo, que leva para a perdição e a porta estreita que leva para a vida. Essas duas passagens nos recordam que para seguir Jesus é preciso renúncia, é preciso fazer uma escolha. Fazer opção por um caminho significa não trilhar o outro.  

A porta estreita nos recorda o esforço e a doação que devemos fazer para sermos mais irmãos, ou seja uma conversão social. Deus não aceita quem bate à sua porta e pratica a injustiça. Não passa no varadouro que leva para o Reino de Deus quem não se esperta para viver o amor. E para atravessar esse caminho é preciso praticar o que ensinou Jesus e não apenas saber quem ele é ou então falar o seu nome. Jesus acaba por não responder se são poucos os que se salvam, ou se seriam apenas um povo ou cultura escolhidos, mas ele apresenta como se salvar. E assim, ele mostra que a salvação é para todos (universal). A mesa do Senhor recebe gente para comer de todas as partes do mundo, do Oriente e do Ocidente, de culturas diferentes. Precisamos então, aqui na terra, fazer o esforço para passar pelo varadouro estreito nos comprometendo para fazer desse mundo um lugar melhor, para depois chegarmos à festa da refeição com Deus. No documento final do Sínodo para a Amazônia?  Se apresentaram as conversões, ou os varadouros, que temos de passar se quisermos chegar a uma evangelização com rosto amazônico. 

Precisamos nos dar conta de que estar entre as terras e águas do alto Tapajós representa um momento muito oportuno, para uma conversão cultural, de encontro com o mistério da vida cristã e da cultura munduruku. Desse modo teremos a possibilidade de refletir dentro dos ritmos de missão e contemplação presentes no território da Mundurukânia. Partilhar, ouvir as pessoas, conhecer lugares, histórias são elementos que tecem uma espiritualidade amazônica. Aprender o franciscanismo que os povos tradicionais praticam e pensar os desafios da vida franciscana que podemos viver juntos são grandes elementos dessa etapa. 

Necessitamos sempre “começar de novo” como nos indicou São Francisco. Nos converter pastoralmente e trilhar novos caminhos como o bispo de Roma tem nos chamando. Talvez os recomeços e renovações possam ser semelhantes ao da singeleza da dança da natureza que vai sempre se reinventando. E assim também o seja, com a graça de Deus, a vida e vocação do Frades Menores nestas terras. As sendas do Evangelho (Xipat Ekawẽn) Munduruku continuam vivas e abertas, nos clamando um conversão integral, para que possamos juntos viver o projeto de Jesus.      

Frei Fábio Vasconcelos, OFM



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“A Amazônia transcende a Amazônia”, alí há uma palavra para todos, afirma Frei Massimo Fusarelli

Foto: Arquivo Custodial

O segundo dia 24/01, da Assembleia Geral da União das Conferências Latino-americanas Franciscanas (UCLAF), que está sendo realizada em São Paulo nas dependências do Convento São Francisco, foi marcado pelas palavras dirigidas pelo Ministro Geral, Frei Massimo Fusarelli acerca do tema da sinodalidade. O tema por ele desenvolvido foi: “No caminho sinodal, tendo em vista o Capítulo das Esteiras de 2025”.

As falas do Ministro Geral tocaram de forma bem concreta as ligações entre o carisma franciscano e o caminho sinodal da Igreja. Na sua reflexão recordou ainda a vasta experiência de sinodalidade desenvolvida no solo latino-americano. E ao abordar experiências de comunhão, participação e missão, Frei Massimo tomou como paradigma a Amazônia. 

Frei Massino ressaltou o auxílio dado pelo Sínodo da Amazônia, que teve uma repercussão global para toda a Igreja. Essa ressonância foi ocasionada por algumas particularidades do referido Sínodo e também pelo surgimento de uma consciência planetária, que está nos ensinando a relacionar de modo diferente aquilo que é geral com aquilo que é local. 

E na sequência de destaques sobre os muitos temas que o Sínodo Pan-amazônico nos conduz a refletir, o Ministro Geral fez referência para “acolher melhor a inter-relação das igrejas locais, junto a tantos outros fenômenos desta nossa época, como a crise ecológica, a interdependência dos mercados, da tecnociência, especialmente a robótica e a informática, bem como a estratégia militar, a política e a espiritualidade”.

Continuar e fortalecer a presença franciscana na Amazônia brasileira

Foto: Jaime Fotografia

Na sua explanação, Frei Massimo pontuou também a importância da Amazônia para a Ordem dos Frades Menores. “Consequentemente, assumir o Projeto Amazônia como UCLAF, com um compromisso real por parte das entidades para continuar e fortalecer a presença franciscana na Amazônia brasileira, é algo que vai além de uma nova missão a ser assumida. E somos plenamente conscientes, que trata-se de empreender uma missão compartilhada a partir de uma escolha estratégica, que hoje se configura na Amazônia. Assumir uma região local, sem limites que seja, com todas as suas particularidades, significa reconhecer que ali há uma palavra para todos”, frisou o Ministro.  

O Ministro Geral ainda afirmou que “podemos dizer que a Amazônia transcende a Amazônia, por dois motivos: porque se apresenta como um novo tema para a questão ecológica e porque se converte em um novo paradigma, onde podemos aceitar aprender dos pequenos, como os povos nativos, e com eles viver uma relação harmoniosa das criaturas entre si e com o Criador”. E neste ponto as palavras de Frei Massimo se entrelaçam bastante com o Sínodo Amazônico que teve como temática “novos caminhos para Igreja e por uma ecologia integral”. 

O dia de Assembleia foi ainda voltado para momentos de trabalhos em grupo, exposição de panoramas das entidades que compõem a União das Conferências e um diálogo com o Ministro Geral e com membros do Definitório. Todas essas atividades se desenvolveram em um ambiente fraterno de reafirmação de um caminho em conjunto, expressando uma “busca comum”.     

Equipe de Comunicação Custodial
Com informações da Equipe de Comunicação da Assembleia da UCLAF

 

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800 anos do Natal em Greccio e a Amazônia como grande presépio

Foto: Adobe Stock

 

Em 2023 a Ordem dos Frades Menores celebrará oitocentos anos da criação do Presépio, criado por Francisco de Assis em Greccio. Este marco é muito importante para a família Franciscana, pois trata-se de uma das maiores contribuições do Poverelo de Assis para a Igreja. O Pobre de Assis, era um grande admirador do Deus que se fez pequeno; o Sumo bem que se tornou nosso irmão. Por isso, contemplar o Menino-Deus na cena do Seu nascimento, era como uma necessidade para Francisco. A imagem de um curumim envolto em palhas, certamente foi marcante no caminho espiritual do Pobre de Assis. Ao iniciarmos as comemorações do oitavo centenário da criação do Presépio em Greccio e da aprovação da Regra Bulada, queremos também voltar nossos olhos para a realidade amazônica, lugar encantador e espaço fecundo para a encarnação do carisma franciscano. 

Na vida de Francisco tudo foi litúrgico, pois sua vida foi uma verdadeira liturgia. Sobre isso Frei Alberto Beckhäuser afirmou, “toda a vida de São Francisco transformou-se numa autêntica liturgia, tanto o celebrativo ritual dos mistérios da salvação como a vivência no serviço da caridade, no lava-pés”. (2018, p.114). Gestos e símbolos, estiveram presentes em toda a história de Francisco que nos é contada por diversos biógrafos. 

As narrativas mostram o quanto o Poverello era atento e encarnado na sua realidade. Esse viver litúrgico de Francisco são as bases da construção do presépio.  O desejo de bem celebrar o Natal foi isso que o levou aos acontecimentos em Greccio no ano de 1223. Foi naquele lugar que Francisco quis representar a encarnação do Verbo Divino com um admirável sinal. E hoje, em diversas partes do mundo e com rostos de culturas tão distintas, se armam presépios como sinais de esperança. 

 

Criado com Adobe Express/ Imagens: Abobe Stock

 

Um curumim no meio das palhas 

O mistério do Deus pequenino, envolto em faixas, no meio das palhas e dos animais cativou profundamente o Santo de Assis. Uma realidade esplêndida, o Altíssimo que desce até nós e se faz menino, “anunciada com simplicidade e alegria” (cf. Admirabile Signum, 1). Francisco, queria sentir aquele clima; ele queria estar naquela cena evangélica e trazer ao colo Jesus. Por esse motivo reuniu o povo de Greccio. O presépio contém em si não somente uma visualização do Natal, mas nos recorda a missão de testemunhar que Jesus nasceu como príncipe da Paz. 

 Muitos são os lugares que arrumam presépios para materializar as páginas das escrituras. Existem igualmente “presépios reais” que presentifica os apuros daquele família em Belém. E alguns desses sofrimentos podemos localizar na realidade amazônica, nas dores das famílias de migrantes, pessoas necessitadas nas periferias urbanas, pequenos agricultores ameaçados, povos indígenas, entre outros. Esse rosto amazônico do presépio mostra que o mistério, a beleza e os dramas da Amazônia são encarnados, ou seja, assumidos, pela Palavra do Pai. 

 

Armou sua rede no meio das nossas

A Amazônia é um grande presépio que podemos contemplar. Ela nos inspira poesia e cuidado. Do mesmo modo como no Natal do Senhor, em nosso chão amazônico surgem ameaças e perigos que vêm da parte de muitos dos poderosos desta terra.  Além disso, no presépio vemos ainda a Criação que cerca e acolhe seu Autor, assim como a Amazônia que se abre para acolher e manifestar o amor do seu Criador. Mas devemos perceber também que a região amazônica é uma casa ameaçada, um ambiente que vai se tornando, ao invés de acolhedor, hostil. 

Que possamos, embalados pela mística franciscana do Natal, procurar ter um olhar admirado para nossa bela região que é um dom de Deus, um verdadeiro presente. O Verbo eterno se fez irmão, para fazer desse mundo uma grande maloca da fraternidade, um sonho franciscano. Ele atou sua rede no meio das nossas, porque não quis fazer-se distante, mas quis permanecer como um parente nosso. Celebremos pois a feliz festa da encarnação.     

 

Frei Fábio Vasconcelos, OFM

 


Referência:

BECKHÄUSER, ALBERTO. O jeito franciscano de celebrar. Petrópolis: Vozes, 2018. 

FRANCISCO. Admirabile Signum. Vaticano, 2019. 


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Celebrar a Imaculada Conceição no chão amazônico

Foto: Arquivo Custodial

Dia 08 de dezembro a Igreja celebra solenemente a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. Essa celebração ocorre dentro do tempo do Advento no qual Maria é uma importante figura. Essa liturgia relembra também que a verdade de fé da Conceição Imaculada de Maria foi definida por Pio IX na mesma data, no ano de 1854. A importância local da solenidade pode ser vista no fato de a Virgem da Conceição ser a padroeira de duas arquidioceses da Amazônia brasileira, Manaus e Santarém. O povo dessas duas cidades nutre uma grande afeição pela Imaculada. Pretendemos com esse texto, pensar um pouco sobre como alguns aspectos da celebração desta solenidade nos fazem olhar para o mistério pascal de Cristo refletido no chão concreto da fé e da vida amazônica. 

Na oração do dia recordamos que Deus preparou “uma digna habitação para o seu Filho, pela Imaculada Conceição da Virgem Maria”. A imagem divina que transparece é justamente aquela do cuidado, d’Aquele que não desampara e prepara com amor a chegada do Verbo. Na mesma oração, os fiéis suplicam: “concedei-nos chegar até vós purificados também de toda culpa” pela materna intercessão de Maria. Esse pedido a Deus liga o povo ao caminho feito pela Virgem, e eles fazem então, hoje subir aos céus um grito. O reino de Deus, “que atua na história”, faz da Imaculada, Maria de Deus e Maria do povo.  Foi no seio materno de Maria, a Mãe da Amazônia, que “formou-Se Jesus, que é o Senhor de tudo o que existe” (Querida Amazônia, 111). Desse modo, a mãezinha que roga por nós é atenta ao caminhar dos povos da Amazônia.   

“No coração palpitante da Amazônia”, a celebração da Imaculada é uma festa de “santa emoção”, mas também de proclamação da fé. Momento de rezar e afirmar, como fazemos na oração sobre as oferendas, que a graça divina preservou Maria de toda culpa. Ao festejar a Virgem Maria, afirmamos o nosso sentimento de querer crescer no seguimento de Cristo, caminho, verdade e vida. Conduzidos por Maria a Cristo, declaramos como ela: “faça-se, ó Pai vossa plena vontade”. Ela é um atalho que ao seu Filho conduz!

Maria é a mulher toda bela (Tóta púlchra), e ela se mostra na Amazônia como “mãe de todas as criaturas na beleza das florestas, dos rios…” A explosão de beleza presente na região amazônica pode contar com o carinho protetor de tão boa Mãe. A beleza de tudo que a Amazônia encerra carece de admiração e cuidado, os quais podemos aprender com a Imaculada, que guardava tudo em seu coração. A Bendita entre as mulheres, que “intervém constantemente em favor do povo de Deus” (Prefácio), volta o seu olhar para os pobres da Amazônia. Ela que é “Mãe dos aflitos que estão junto à cruz” sofre também com seus “filhos ultrajados e na natureza ferida” (QA, 111). 

A primeira leitura desta solenidade nos recorda a queda humana no relato da Criação. Continuamos a ouvir a voz de Deus nos perguntando: Onde estamos? E no solo bendito da Amazônia podemos constatar que muitos ainda buscam ocupar o lugar de Deus e “sentem-se donos da obra do Criador”. Essas tentações produzem feridas abertas no coração humano e no seio da floresta. Ao encontro disso, observamos o que suplica a oração depois da comunhão ao pedir que a “Eucaristia cure em nós as feridas do pecado original”. Portanto, que a celebração da Imaculada Conceição, aumente sempre mais a nossa fé no Cristo que caminha conosco na Amazônia. 

Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

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Dom Leonardo Steiner, um irmão entre os menores da Amazônia

  O terceiro dia do décimo segundo Capítulo da Custódia São Benedito da Amazônia foi marcado pela presença de Dom Leonardo Ulrich Steiner, a quem o povo da região carinhosamente chama “Cardeal da Amazônia”. O Cardeal chegou a Santarém na tarde do dia 15 de novembro e sua presença fraterna despertou muita alegria por parte dos capitulares. A conferência de Dom Leonardo foi um momento muito aguardado dentro da programação do Capítulo.  

Em sua conferência, o Arcebispo de Manaus, foi tecendo um profundo comentário sobre a identidade franciscana e sua vida e missão como “Menores na Amazônia”. Na sua introdução Dom Leonardo fez uma bela recordação do itinerário espiritual de Francisco de Assis como “alguém que mudou de vida depois do encontro com o Crucificado”. O amor de Francisco foi gratuito e generoso, destacou o Cardeal. 

 

Frei João Carlos Karling (Visitador Geral), Dom Leonardo e Frei César, (Definidor Geral)

 

A espiritualidade e vida franciscana, segundo ele, deve ser marcada por uma profunda admiração. Francisco foi um profundo admirador de Deus, que por “um amor tão extraordinário e admirável que se fez Menor”. O amor que movia o Pobrezinho de Assis, o movia, e como recordou Dom Leonardo, “o levou a gemer e a lamentar nos bosques”. O amor que não é amado é generoso e gratuito, afirmou. 

Vida, missão e minoridade são temas fortes para reflexão sobre a identidade dos frades menores na Amazônia, sobre isso, Dom Leonardo também dedicou pontos da sua alocução aos frades. A vida foi definida por ele como “dinâmica, sentido e o concretizar de uma existência”.  A gratuidade e a fraternidade foram enfatizadas como aspecto presente   no viver, assim pontuou o Arcebispo. Fraternidade foi exposta na conferência como a força que faz irmão. Entre os frades menores a força que faz ser irmão é a minoridade, ressaltou o Cardeal Steiner. 

Durante a conferência foram abordadas à luz da riqueza do franciscanismo temas como gratuidade, fraternidade, cuidado. Um olhar franciscano desde o coração da Amazônia nos permite ver com tristeza que conforme, constata o cardeal: “As criaturas deixaram de ser irmãs para tornaram-se objeto de exploração”. Acabamos por observar “relações desfraternas”. Ao invés de nos desarmar estamos cada vez mais em tempos desafiadores e de profundos conflitos. 

A hermenêutica da totalidade foi destacada aos frades como “possibilidade de ser Igreja na Amazônia” com uma “responsabilidade envagelizadora”. Dom Leonardo destacou que os frades na Amazônia têm uma missão própria. Um carisma privilegiado para dialogar com os povos e culturas locais. A “admiração com o mistério de Deus” ocupa um lugar importante na presença franciscana neste território.

Frei Thomas Nairn, Dom Irineu Roman, Dom Leonardo e Dom Wilmar Santin.

Sobre a missão franciscana na Amazônia, o Cardeal, realçou aos frades em capítulo que “como Menores, estamos satisfeitos onde a obediência nos envia”. Provocados a anunciar o Amor que não é amado. Neste caminho com a Amazônia a admiração nos impulsiona na encarnação e no anúncio transformador e libertador. Concluindo a conferência, o metropolita, afirmou que “Como Menores deveríamos estar entre os menores, para sermos menores”.  Em seguida o Cardeal ouviu a ressonância dos frades sobre a sua exposição, momento de um esperançoso bate-papo. Como arcebispo de Manaus, ele agradeceu a presença e atual dos frades na capital amazonense. 

 

Auditório Capitular

Texto e fotos: Equipe de Comunicação para o Capítulo

 

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São Benedito: tambores, alimentos, fitas e flores na realidade Amazônica

Ilustração: Darlyson Alves

São Benedito é, de certo, uma presença no coração dos amazônidas. Para atestar esse fato não faltam manifestações de piedade popular. Apenas para citar uns exemplos paraenses podemos ver a Marujada de Bragança, o gambá de Pinhel e o Marambiré de Alenquer. A memória deste santo é um sinônimo de minoridade e alegria franciscana. Benedito é um santo que irmana, que congrega e gera fraternidade, por esse motivo surgiram e surgem muitas irmandades tendo como patrono o santo. 

O nome Benedito tem relação com bendizer, ou seja, falar bem de alguém, abençoar.  Ao bendizer Benedito agradecemos também os dons da bondade divina. As pessoas que vivem na Amazônia com toda certeza podem proclamar a bênção de Deus que é habitar essa região. Benditos também são os que se empenham pelo cuidado da casa comum. Por inspiração de Francisco e de São Benedito podemos louvar a santa simplicidade e o amor pelos irmãos e irmãs. 

Frei Benedito de San Fratello exerceu trabalhos ligados à vida do convento onde viveu. Ele ficou conhecido, entre muitas coisas, por ser um santo cozinheiro. Um verso popular assim o reconhece: “Meu São Benedito já foi cozinheiro e hoje ele é santo do Deus do verdadeiro”. De fato, cozinhar é um dom ou uma arte, tem a ver com dedicação, conhecimento, transformação e serviço. Entre as panelas de São Benedito com certeza não faltavam o selo e a preocupação com a sua fraternidade. 

Um sinal também da sua proximidade com os pobres está contido em algumas esculturas do santo que o retrata no gesto da distribuição dos pães. Em nossos tempos de insegurança alimentar, em que muitos passam fome, a partilha e amor de Benedito devem nos inspirar. E entre os povos da Amazônia essa triste realidade é dolorosamente presente. Em entrevista ao Site IHU, o professor Mário Tito Barros Almeida afirma que: “A Amazônia é rica, mas ela não produz riqueza; ela produz ricos” e com base em dados de 2022, 18% das famílias da região norte do Brasil estão na insegurança alimentar, a maior taxa entre outras partes do país. 

Outra característica de São Benedito é a sua afrodescendência, seus pais foram escravizados e foram levados da Etiópia para a Sicília, onde o santo nasceu. A Amazônia abriga diversas comunidades quilombolas. Essas raízes negras muitas vezes parecem ser esquecidas, e por isso muitas lideranças fortemente afirmam: “A Amazônia também é negra”. Unidos ao Santo Negro possamos cultivar uma atitude antirracista neste solo amazônico. Ecoemos os tambores de São Benedito ressoando os cantos de libertação dos povos da querida Amazônia. 

Benedito é então uma fraterna inspiração para seguirmos o evangelho no encantador e desafiante ambiente amazônico. Sua santidade que floresce na cultura popular, cheia de alegria e cores, nos ajude a festejar os dons diversos que se unem em harmonia.  Caminhando com São Benedito por entre as cidades, matas e rios possamos testemunhar a vida de irmãos e menores. O cercar de flores e fitas o andor de Benedito, impulsiona a trabalhar pela alegria e o bem viver de todos e todas. 

Comunicação Custodial 

Referências

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Fome na Amazônia: ela é rica, mas não produz riqueza; produz ricos. Entrevista especial com Mário Tito Barros Almeida: “O reaparecimento da fome no Brasil significa o retorno de pessoas para classes sociais mais baixas”, alerta o pesquisador. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/610695-fome-na-amazonia-ela-e-rica-mas-nao-produz-riqueza-produz-ricos-entrevista-especial-com-mario-tito-barros-almeida>. Acesso em: 01 out. 2022.   

OLIVEIRA, Joana.  A Amazônia também é negra. Disponível em: https://brasil.elpais.com /brasil/2019/11/19/politica/1574164761_425337.html. Acesso em: 01 out. 2022.   

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A defesa do Urumari e os gestos concretos para ouvir a voz da Criação

Foto: Arquivo Custodial

Ao falar de Criação não tem como se remeter a criação divina da Terra, da nossa Casa Comum, e dos seres vivos que nela habitam. Dentre esses seres vivos estão os seres humanos aos quais Deus criou à sua imagem e semelhança” (Gn 1, 26), mas que deixou essa criação aos cuidados da humanidade para zelar, contemplar e preservar todas as formas de vida. 

Entretanto, o que temos visto nas últimas décadas é uma intensa violação e degradação dos recursos naturais, principalmente aos ambientes aquáticos que estão sendo impactados e contaminados por várias fontes poluidoras. Esse fato afeta a tudo e a todos.  Particularmente porque  vivemos na maior bacia hidrográfica do mundo que é a Bacia Amazônica, e esta vem sofrendo diversos danos ambientais. Entre  os ecossistemas que fazem parte deste imenso bioma e que vem sendo alterado de forma significativa estão os igarapés – Igarapé é um pequeno rio navegável, geralmente afluentes de rios maiores. Sobre o igarapé, vale destacar uma particularidade: eles praticamente só existem na bacia amazônica, na zona norte do Brasil.

Neste sentido o Igarapé do Urumari um dos principais mananciais da cidade de Santarém, no Pará, percorre aproximadamente 7,5 km quilômetros até desaguar na confluência dos rios Tapajós e Amazonas. Durante esse percurso passa por alguns bairros, servindo de habitat para uma riqueza significativa de seres vivos, marcado por palmeiras em suas margens árvores típicas da mata ciliar, que serve de proteção e fonte de alimentação para qualquer recurso hídrico mas que nos últimos anos este sistema ecológico vem sendo modificado drasticamente, seja pela própria falta de informação, falta de planejamento urbano, como pela negligência e ganância, que trazem como consequências a poluição, a contaminação, o desmatamento, assoreamento, tantos males que assolam e degradam este ecossistema. 

Foto: Arquivo Custodial

Dessa forma um grupo de pessoas preocupadas com a situação alarmante do igarapé, formou o Comitê em Defesa do Urumari, fruto de uma atividade chamada Balcão de Direitos que a Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS) promovia, e em um desses encontros foi refletido sobre Direito Ambiental e a ferramenta de estudo foi justamente o Igarapé do Urumari, então como gesto concreto diante dos desafios ambientais que o igarapé tem, ao final deste encontro no dia 5 de agosto de 2007 em parceria também com a Paróquia de Cristo Libertador foi criado o Comitê em Defesa do Urumari.

Desde sua criação o Comitê do Urumari já realizou diversas atividades em prol da proteção do igarapé como: caminhadas ecológicas, palestras, plantios de muda, realização do Projeto Urumari Vivo que desenvolveu desde análises da qualidade da água, solo, fauna e flora até mapeamento de suas áreas degradadas, lives de sensibilização quanto a preservação do mesmo, enfim, durante esses 15 anos de atuação o Comitê sempre esteve preocupado com a realidade do igarapé do Urumari e procura ver formas para sua defesa diante de tantas ações que interferem na sua dinâmica ambiental e que esta prática de zelo seja disseminada para outros tantos igarapés que tem a mesma realidade de destruição neste rincão amazônico.

Portanto neste cenário que é tão desafiador devemos ser agentes cuidadores e tomar ações proféticas nesta imensa criação que clama tanto.

A luta pela recuperação e proteção do Igarapé do Urumari precisa de você. Junte-se a nós!

Por: Diego Ramos,
Biólogo. Professor de Ciências. Coordenador do Comitê do Urumari.

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Lideranças espirituais assinam carta aberta a candidatos pedindo compromisso pela preservação da floresta amazônica

Foto: André Montejano/LZP

Encerrando a semana em que se celebra o Dia da Amazônia, a Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais – IRI Brasil, juntamente com entidades religiosas nacionais de várias tradições espirituais e organizações sociais que atuam no campo da fé, realizaram um encontro inter-religioso e assinaram, neste sábado, 10/09, uma Carta Aberta aos candidatos e candidatas das eleições de 2022, pedindo que assumam compromissos públicos pela preservação da floresta amazônica.

evento ressaltou a importância dos valores ecológicos presentes em todas as tradições religiosas e apresentou a Carta Aberta, destinada aos candidatos à Presidência da República, aos governos dos estados da Amazônia Legal e também aos candidatos ao Senado e à Câmara Federal.

A Carta pede aos candidatos que assumam o compromisso público de parar o processo de destruição da floresta amazônica e de violação dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares e comunidades locais. Pede também que a região se desenvolva com sustentabilidade.

No documento, os líderes religiosos ressaltaram que “não podemos aceitar que a destruição da floresta e de tudo o que ela representa para nós, seja tratada com indiferença por parte das pessoas que pretendem governar esse vasto território de fundamental importância para o planeta Terra e para toda a humanidade”.

Em outro trecho, a Carta Aberta reforça o quanto precisamos mudar o cenário de violações de direitos humanos na região. “Ao contrário dos que dizem que o desmatamento é necessário para desenvolver a região, constata-se que a perda da floresta tem sido acompanhada por sofrimento, dor, miséria e desesperança para a maioria da população. A devastação caminha de braços dados com o aumento da violência, criminalidade e com as violações dos direitos humanos, especialmente contra os povos indígenas e as comunidades locais. Os 20 municípios campeões de desmatamento de 2019 a 2021 são também os campeões de pobreza, desigualdade e baixo progresso social”.

Por fim, as lideranças religiosas pedem que os candidatos à Presidência da República, aos governos do estados da Amazônia Legal e aos candidatos aos parlamentos estaduais e federal que se comprometam com a retomada e atualização do Plano de Ação Para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e que seja criada uma Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, tendo a bioeconomia da floresta, a educação, o desenvolvimento científico, a valorização dos saberes e culturas tradicionais e o estímulo ao empreendedorismo como seus eixos principais, como proposto pelo Painel Científico da Amazônia e por outras iniciativas existentes.

Foto: André Montejano/LZP

A Carta foi assinada pelas lideranças religiosas das seguintes instituições e entidades: Aliança Cristã Evangélica Brasileira (ACEB), Confederação Israelita do Brasil (CONIB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), Religiões pela Paz Brasil, União Nacional Islâmica (UNI), Federação Espírita Brasileira (FEB), Casa Galiléia, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto Vladimir Herzog, Movimento pela Ética Animal Espírita (MOVE), Nós na Criação, Perifa Sustentável, Rede Cristã de Advocacia Popular (RECAP), Renovar nosso Mundo, Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), TEARFUND e Visão Mundial.

O encontro também contou com a participação do Climatologista Dr. Carlos Nobre, referência mundial no estudo das mudanças climáticas no contexto Amazônico, lideranças indígenas como o Assessor Jurídico do Conselho Indígena de Roraima Dr. Ivo Macuxi e a poetisa e ativista indigena Márcia Kambeba.

“A Amazônia é o que temos de mais rico neste país. E num contexto que testemunhamos muitas ações fundamentalistas, religiosas, e também muito racismo religioso, a Amazônia nos convoca para a unidade. Sem o bioma das florestas, muitas tradições de fé são violadas”, declarou a pastora Romi Bencke.

SOBRE A INICIATIVA INTER-RELIGIOSA PELAS FLORESTAS TROPICAIS

A Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais – IRI-Brasil é uma iniciativa ligada à ONU e está presente no Brasil, Colômbia, Peru, República do Congo e Indonésia. Sua missão é trazer urgência moral e liderança baseada na fé aos esforços nacionais para acabar com o desmatamento das florestas tropicais, combater as mudanças climáticas, promover os direitos dos povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares e comunidades locais e o desenvolvimento sustentável.

Fonte: conic.org.br