Foto: Arquivo custodial

Jesus Cristo: a palavra e a semente

Foto: Arquivo custodial

A Bíblia apresenta várias formas para falar de Jesus, ou formas como ele mesmo se apresentou. Aqui neste texto vamos encontrar prioritariamente as imagens da Palavra e da Semente. Quando ouvimos falar sobre o termo PALAVRA, logo lembramo-nos das nossas palavras – e o efeito da palavra na vida dos homens e das mulheres. Estas palavras podem ser usadas para transmitir o que pensamos, falar com os outros, contar a nossa história, falar de quem somos e o que achamos, corrigir, ajudar, ensinar… Também a nossa palavra pode ser usada para mentir, falar mal dos outros, corromper, deturpar sentido etc. Mas, queremos aqui falar da palavra que é notícia boa, e é isso mesmo que a palavra EVANGELHO quer dizer: A boa notícia. Jesus é uma notícia muito boa e carrega com ele uma mensagem de amor. E os cristãos devem, como seguidores de Jesus, falar dessa boa notícia (com a sua palavra e vida).     

Com a nossa palavra nós podemos anunciar Jesus, Verbo de Deus entre nós, como aquele que deu sua vida para salvar a humanidade (Na missa dizemos, iluminados pelo que disse São Paulo: anunciamos Senhor, a vossa morte e proclamamos tua ressurreição, vinde Senhor Jesus!). Nossa palavra, falando da Palavra de Deus, pode fazer com que os outros acreditem, pode plantar a fé (como uma semente) no coração das outras pessoas. E assim, as pessoas que ouviram falar de Deus, podem nele acreditar e, acreditando Nele, podem confiar e esperar que aconteça aquilo que Ele disse, com muito amor, segundo disse Santo Agostinho. 

A nossa palavra também serve para indicar, mostrar a natureza do que está aí. A Palavra de Deus, mostra quem Ele é, da maneira como Ele quis se apresentar para as pessoas. Deus falou ao seu povo de diferentes modos, mas de modo mais importante para os cristãos, em Jesus Cristo. Deus chamou todas as pessoas para caminhar com Ele, e veio encontrar a humanidade, falando como um amigo fala com outro amigo (Dei Verbum). Então, foi por seu jeito de ser, por palavras e ações, que Jesus mostrou ao mundo o rosto de Deus (uma comunidade que ama, um Deus que perdoa, que se faz um irmão de todas as pessoas).         

O Evangelho escrito por São João começa falando de Jesus como a Palavra que estava presente desde a criação, uma sabedoria que ilumina os povos, e também acreditamos que vêm ao encontro de todas as culturas. Essa Palavra então, cria, por meio dela própria, as coisas que existem e vivem. A Palavra que é uma pessoa, Jesus Cristo, tem então um lugar para viver, que é a comunidade dos que seguem o que Cristo pregou, e essas pessoas que escutam Deus falar, também devem espalhar para os outros o que Ele diz. Daí, uma outra palavra pode ser destacada, a palavra CATEQUISTA, porque fala daquela pessoa que faz a voz de Deus ser anunciada. A Palavra que é Jesus, sendo pessoa, pede de nós que possamos ir ao seu encontro.

Foto: Arquivo custodial.

João Batista, que os evangelhos apresentam como aquém que veio falar de Jesus e prepara o povo para ouvir sua voz, ou então, como aquela pessoa que prepara o roçado para boa semente, sabia que ele não era maior que a Palavra de Deus que ele anunciava. Desse modo, João é um modelo do jeito de ser catequista, porque é aquela pessoa que leva os outros para o caminho de Jesus (João 1, 6-28 e 1, 29-34). 

As palavras de Jesus falavam muito do lugar onde estava. Ele ensinava usando de fatos da vida daquela gente com quem vivia. Entre as coisas que Jesus usava para comparar a Palavra de Deus, estava a SEMENTE. Contou Jesus uma vez, que um homem responsável por jogar as sementes espalhou elas por muitos tipos de terreno, e algumas os pássaros comeram, outras caíram sobre pedras, mas, algumas que caíram em terreno bom, deram frutos (Mateus 13, 1-23).

Foto: Arquivo custodial.

 Outra vez, Jesus comparou a sua morte com a semente do trigo, que caindo na terra produz muito fruto. Precisamos lembrar que a semente representa a entrega de Jesus, sua humildade que o fez ser alguém que serve os outros, que o fez nascer como humano e ser crucificado (Filipenses 2, 6-11). Então, precisamos imitar a semente em sua entrega, que se torna planta, que com seus frutos alimentam as outras pessoas. Amar do mesmo jeito como Jesus é estar disposto a ser semente. 

As sementes de Deus são lançadas em muitos terrenos, o que pode representar que Deus não escolhe só um tipo de terra. Ele espalha sua semente pelo mundo todo, com seus povos e culturas diferentes. Dessa maneira, ouvindo sobre a Palavra e a Semente, percebemos que Deus fez da sua Palavra uma semente, e convida a todos nós para que espalhemos as suas sementes. Somos seguidores de um Deus-semeador que acolhe todas as culturas, e sabe que sua Palavra pode crescer e dar frutos nos lugares que cuidam das suas sementes.  

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Sobre casas, moradas e acolhida na Amazônia

Visita a uma família na aldeia Missão São Francisco. Foto: Maribeth Joeright.

Entre rios, caminhos e trilhas na floresta, os moradores do interior da Amazônia percorrem longas distâncias coletando cipós, palhas, frutas e seivas de árvores; ou pescando em rios, lagos e igarapés. A solidão é só aparente e passageira, pois o melhor dessas caminhadas é a chegada nas casas, trazendo cascas medicinais, frutos, pescados e muitas histórias pra contar. O que mais as pessoas na Amazônia carregam consigo são suas histórias. Histórias que contam também os moradores que voltam das cidades, cheios de saudades dos parentes e amigos que ficaram no interior, e ansiosos para chegar à casa de sua infância e adolescência. Porque as casas para os ribeirinhos, indígenas e quilombolas são lugares que alimentam a memória e os afetos entre os familiares e amigos.

Não falo tanto dos indígenas que vivem mais afastados das cidades, que têm pouco contato com a sociedade envolvente e que vivem em grandes casas comunitárias, as chamadas malocas. Para eles, essas habitações são ainda mais espaços de encontros e trocas. Neste escrito, falo das moradias dos mestiços, ribeirinhos, indígenas e quilombolas, que vivem principalmente na calha do rio Amazonas e no baixo curso dos seus rios tributários. Qual a importância da casa para estes povos? Claro que as suas casas servem principalmente como habitações, lugar para se proteger do sol e da chuva, para descansar e para guardar seus pertences, mas não é só isso.

Nas últimas décadas, as casas passaram a ser feitas em alvenaria, mesmo assim, há muitas casas feitas de madeira e cobertas de palhas de palmeiras. Ao menos os quartos da parte da frente possuem trancas nas portas e janelas. Já a parte de trás, chamada puxada ou cozinha, é mais aberta e quase sempre coberta de palha, para escapar da temperatura alta, inclusive facilitando a ventilação. À noite, com a temperatura mais baixa, as pessoas se recolhem para dormir nos quartos fechados, e passam o dia inteiro, trabalhando ou descansando na parte de trás da casa.

 

Casas na aldeia Missão São Francisco. Foto: Maribeth Joeright.

Diferente dos moradores das metrópoles brasileiras, onde muitas pessoas vivem em quartos pequenos de casas apertadas, bem fechadas e protegidas por grades de ferro, com medo da violência, as casas no interior da Amazônia são amplas e aconchegantes, com aquela área na parte de trás (cozinha) que geralmente não tem paredes e nem cercas. É nessa parte, onde estão localizados o fogão, a mesa das refeições, bancos e até redes para um rápido descanso. Se na casa há quartos fechados, para guardar roupas, aparelhos eletrônicos e outros objetos de valor, a cozinha fica permanentemente aberta, acolhendo parentes e amigos visitantes. Por isso, se nas cidades se fala de sala de visitas, nas comunidades do interior podemos falar de “cozinha das visitas”: cozinha da partilha do café, do mingau e até das refeições. As casas não são lugares de se fechar, mas de se estar aberto ao encontro e ao diálogo entre os familiares e com os outros.

Essas moradias refletem, em parte, o estilo de vida dos seus moradores. São pessoas que vivem ainda em sua maioria de modo igualitário, sem ricos e pobres, sem mendigos e moradores de rua. Nessa igualdade, as famílias não sentem muito a necessidade de se fechar e se proteger com grades. Ao contrário, todos sabem o que todos possuem, e todos têm os mesmos bens. Em termos de alimentação, quem tem mais, compartilha com quem tem menos ou eventualmente não tem nada. Na região do baixo rio Tapajós, Estado do Pará, as famílias indígenas e ribeirinhas conservam o costume da putáua, que consiste em doar de forma ritual alimentos aos vizinhos e parentes. A palavra putáua é da língua nheengatu e significa presente. Quem recebe esse presente tem a obrigação de retribuí-lo em outro momento, de forma que essas famílias estão presas em uma rede de trocas simbólicas e reais, que evita que uns tenham demais e outros passem fome, por exemplo.

Missão São Francisco. Foto: Maribeth Joerigth.

A mim me parece que, mesmo com a tendência de modernização recente na construção das casas, e o crescente predomínio da alvenaria, persiste esse aspecto das casas como espaço de troca de visitas. As pessoas gostam muito de se visitar. Elas aguardam serem visitadas. E, ao contrário da etiqueta em outras civilizações, que diz que se deve avisar antes da visita, na Amazônia, mesmo sem anúncio antecipado, basta chegar, e se é bem recebido. Às vezes a visita leva a sua putáua, e isso é apenas pretexto para longas conversas, risos e partilha de café e o que mais houver. Por isso, mesmo com as salas e quartos de alvenaria, a cozinha continua ali atrás, aberta e disponível. Inclusive pode servir de hospedagem provisória para alguma viajante que vai para as comunidades vizinhas.

O apego a esse estilo de vida pode explicar porquê muitos idosos preferem ficar na comunidade ao invés de ir morar com seus filhos e netos nas cidades. Eles sabem que nas cidades ficarão isolados dos amigos, presos numa sala vendo TV e sem a liberdade das suas puxadas. Esses idosos dizem que preferem viver e morrer na sua casa do interior do que ter as supostas vantagens e confortos da cidade. Na sua perspectiva, vida confortável é aquela que levam nas comunidades ribeirinhas. Ali estão seus amigos e parentes, que lhes visitarão e com eles trocarão ideias e longas histórias. Os mais velhos sabem das coisas. Já as novas gerações parecem mais encantadas com o que a cidade pode oferecer. Mesmo assim, nas férias, ocasiões de festas ou fins de semana, voltam correndo para a comunidade no interior para, também, matar a saudade dos amigos e da sua casa.

Os valores vivenciados por esses moradores podem ensinar muito a quem busca um bem viver ou uma melhor qualidade de vida. Principalmente no aspecto de a casa ser um espaço de acolhida e encontro. Tenho lido que em outros países mais ao Norte, pessoas idosas vivem sozinhas e algumas chegam a morrer em seus apartamentos, e seus corpos só são encontrados dias depois. Deve ser muito triste e desumano viver e morrer assim. Numa comunidade indígena e ribeirinha na Amazônia, isso jamais aconteceria. Ao primeiro sinal de dor ou mal-estar, um morador receber todo tipo de atenção e apoio. Sua casa fica cheia de parentes e amigos. As famílias trazem plantas e óleos medicinais, alimentos, ajudam no acompanhamento ao doente. E se for o caso, fazem coleta e pagam o seu deslocamento para hospitais nas cidades. Tudo de forma gratuita e fraterna. É quando estão doentes que os moradores sabem quem são seus verdadeiros amigos, e eles descobrem que tem muitos amigos.

Não precisamos nos mudar para uma aldeia indígena ou comunidade quilombola no interior da Amazônia, para viver sob a lógica da putáua e da acolhida. Aqueles moradores vivem assim porque escolheram viver assim, e porque sabem que viver assim é viver melhor. Nós podemos fazer o mesmo, ainda que vivendo em conjuntos habitacionais ou casas gradeadas nas cidades. É preciso escolher mudar de vida, não necessariamente mudando de cidade. É preciso abandonar a lógica do individualismo, isolamento e consumismo. Podemos optar por encontrar e conversar mais com nossos amigos. E temos tanto o que conversar… Se fizermos isso, vamos descobrir outras pessoas também ávidas por encontros e trocas. Vamos trocar experiências, angústias, sonhos, afetos… Vamos nos reunir para ver filmes, ler poesia e escutar músicas. Conversando, podemos até descobrir que há vizinhos idosos ou passando necessidades, para quem podemos doar cestas básicas. Ou vamos descobrir algo sobre ações políticas e mobilizações em favor de mudanças na vida do país. Dialogando, descobrimos tantas coisas…, e nos descobrimos a nós mesmos, nos tornando mais humanos.

 

Frei Florêncio Almeida Vaz, OFM 

Professor do Programa de Arqueologia e Antropologia – PAA/UFOPA