Ilustração: Fábio Vasconcelos

Festa da impressão das chagas: celebrar Francisco como profundo seguidor de Cristo

Ilustração: Fábio Vasconcelos

 

Há exatamente 797 anos, no Monte Alverne, em 1224, Francisco servo de Deus recebia em seu corpo as marcas de Cristo. As marcas da paixão daquele que durante toda sua vida amou com todo seu coração. A  introdução litúrgica da Missa e Liturgia das Horas ressalta que: “O Seráfico Pai Francisco, desde o início de sua conversão, dedicou-se de uma maneira toda especial à devoção e veneração do Cristo crucificado, devoção que até a morte ele inculcava a todos por palavras e exemplo. Quando, em 1224, Francisco se abismava em profunda contemplação no Monte Alverne, por um admirável e estupendo prodígio, o Senhor Jesus imprimiu-lhe no corpo as chagas de sua paixão. O Papa Bento XI concedeu à Ordem dos Frades Menores que todos os anos, neste dia, celebrasse, no grau de festa, a memória de tão memorável prodígio, comprovado pelos mais fidedignos testemunhos.”

Olhando a vida de Francisco percebe-se um caminho com o Crucificado e com as chagas do povo que se coroaram com o milgare do Alverne. Desse modo, se pode reconhecer outras passagens antes da impressão dos estigmas onde as chagas de Cristo já  marcavam o Santo. O encontro com o leproso provocou nele uma mudança revolucionária.  Tal conversão produziu em Francisco um sentimento diferente que lhe levou a dizer: “… o que antes me parecera amargo, converteu-se para mim em doçura de alma e de corpo: e em seguida, passado um pouco tempo de tempo, saí do mundo” (Test.3). Assim, observa-se que as chagas do hanseniano tocaram fortemente em Francisco.

Esse encontro produziu em Francisco uma profunda introspecção que se reflete na grande pergunta existencial de sua vida: “Quem és Tu? E quem sou eu?” – A resposta, para tal questionamento, Francisco encontrara todas às vezes que meditava na “paixão e morte” de Nosso Senhor Jesus Cristo. Imaginando a cena, os olhos dele enchiam-se de lágrimas. Por isso, em outro texto ele exclama: “Que felicidade ter tal irmão!” (2CFi 56). Justamente trilhando esse caminho de encontro, “conformação” e do seguimento do Cristo compassivo que levaram Francisco a ser chamado “alter Christus”. Assim, muitas imagens, e brasões, representam os braços de Cristo e de Francisco entrelaçados e ambos chagados. 

 

Ilustração: Silhueta de São Francisco – Adaptação: Fábio Vasconcelos.

 

Francisco e o Monte Alverne

A relação de Francisco e o Monte Alverne é bastante íntima. É um lugar de oração e contemplação. A história da experiência de oração de Francisco no Monte Alverne é enriquecedora, desafiante e ao mesmo tempo nos serve como guia. Nesse lugar santo, ele se aprofundou cada vez mais na solidão, durante seus longos retiros. Às vezes fustigado por seus demônios interiores, outras, porém, consolado por visitas angélicas. Não obstante, perseverou até à experiência que culminara na união com a humanidade de Cristo. O monte como lugar de encontro com o divino é uma marca bíblica também impressa no viver do pobrezinho de Assis.  

Na noite de 14 de setembro, Festa da Santa Cruz, enquanto Francisco escondido na sua gruta, Frei Leão, seu companheiro, desobedecendo às instruções de Francisco, penetrou na solidão de seu esconderijo para ver como ele estava. Lá estava ele de joelhos em oração. Eis que Frei Leão viu o fogo que descia sobre a cabeça de Francisco, envolvendo-o por muito tempo. Extasiado com tudo o que viu, Frei Leão questionava o que significava aquilo. Imediatamente, Francisco contou que tinha recebido duas luzes para sua alma; o conhecimento e a compreensão de si mesmo, e o conhecimento e a compreensão de Deus. Nesta oração no fogo, Deus lhe pediu três dádivas e ele buscou em sua pobreza até encontrar uma bola de ouro que ofereceu três vezes: a doação dos seus votos.

Em junho de 1998, Dom Laurence Freeman, OSB escreve um belíssimo artigo por ocasião da experiência no Monte Alverne. Ao descrever a cena de Frei Leão e Francisco, diz: 

“Após dizer a Frei Leão que não o espionasse mais, Francisco dirigiu-se à Bíblia para saber a que estaria sendo preparado – e em cada consulta ele foi encaminhado para a Paixão de Jesus Cristo. Retornou então à oração solitária, ´tendo muita consolação na contemplação´. Sentiu-se depois impelido a pedir não somente a graça de sentir a dor de Cristo, mas também o amor que possibilitou a Cristo suportá-la por nós. Começou a contemplar a Paixão com profunda devoção até que ´se transformou completamente em Jesus por meio do amor e da compaixão”.

Na manhã do dia seguinte, aproximou-se de Francisco um serafim na forma de Jesus Crucificado. Foi um misto de sensações de medo e alegria. Tal transformação se daria através da elevação da mente – seu ser estava todo mergulhado em amor. É o sinal da marca permanente das cinco chagas de Cristo em seu corpo. Ardia, de fato, em seu corpo a chama do amor divino em seu coração e as marcas da Paixão em sua carne! Convencido de que tal experiência não teria tão-somente um significado para ele, mas, que poderia ajudar também os outros, decide tornar pública a informação.

 

Significado das Chagas

As chagas de Francisco recordam que a verdadeira vida cristã se dá na mais profunda intimidade e experiência com Cristo. Os estigmas, portanto, simbolizam um alto grau de realização da sua união com a pessoa do Cristo Crucificado e Ressuscitado, a quem amou com tanta persistência e paixão.

O desejo permanente de unir-se ao Bem-Amado o faz exclamar como Paulo “estou crucificado com Cristo. Já não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). O Cristo que viveu em Francisco o fez contemplar e seguir os passos da sua paixão, como também diz o hino da Carta de Pedro: Cristo padeceu por nós e deixou-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (Cf. 1 Pedro 2,21-25). Compreende-se assim que Francisco não vive para si, como o seu Mestre, mas se doou inteiramente.  

A vida de Francisco foi um crescente peregrinar vertiginoso em direção a união de sua humanidade com a humanidade de Cristo. A mistura de alegria e sofrimento, dor e paz, amor e solidão fortaleceram cada vez mais esta união. Portanto, o conhecimento de Deus e o conhecimento de si mesmo são inseparáveis e que, uma vez que se fundem, somos transformados para sempre.

 

Frei Honorato S. Gaspar Gabriel

Frade da Fraternidade Sagrado Coração de Jesus (Petrópolis-RJ). Acadêmico do terceiro ano de Teologia no Instituto Teológico Franciscano (ITF).

Publicado originalmente em: Paróquia Sagrado Coração de Jesus