Dando sequências nas reflexões franciscanas para o Tempo da Criação 2021, apresentamos a abordagem de Frei Gregório Joeright, ofm sobre o tema principal do “Oikos” à luz das Sagradas Escrituras e da vida fraterna dos Frades Menores.
Acompanhe conosco a reflexão proposta pelo autor:
TEMPO DA CRIAÇÃO é a celebração de todos os cristãos de todos os continentes diante de tantas crises que abalaram o mundo e da necessidade de curar as relações de cuidado e de fraternidade com a criação e uns com os outros. Os cristãos do mundo inteiro vão se unir em oração e reflexão pedindo um tempo de restauração e esperança para que todos possam se comprometer e agir em prol da nossa casa comum.
Eu gostaria de refletir junto com vocês sobre a “Casa” como lugar de fé, de fraternidade e solidariedade a partir da Palavra de Deus e da nossa resposta diante dos apelos de Deus. O tema deste ano é “Uma casa para todos? Renovando o Oikos de Deus”. “Oikos” é uma palavra grega que significa “casa” que para nós, lembra a nossa própria casa, a casa-comunidade e nossa casa comum, o planeta Terra.
Amazônia, um lar encantador para os Frades Menores
Nós, como frades menores, damos muito valor à casa, não somente como residência, mas principalmente como lugar de viver a fraternidade e a missão. Esta tradição vem de muitos anos e quero citar um frade franciscano que vivia aqui em Monte Alegre nos anos 30, chamado Frei Ricardo*. Na crônica da fraternidade no ano de 1937, ele escreveu assim: “Aqui na casa de Monte Alegre estão dois; quando um sai, fica só um. Assim foi até agora. Mas então, ficou só um na fraternidade de Monte Alegre, pois o Frei Ludovico* viajou para o sul. Choram monte e vale, onde ele passou tantas vezes. Todos gostavam de Frei Ludovico. Por isso a tristeza foi grande. A Amazônia, porém, não solta facilmente alguém que ela uma vez atraiu. Mas, se alguém virou as costas, a Amazônia entende atiçar a saudade no peito do infiel. Assim, também a saudade vai trazer o Frei Ludovico de volta a Monte Alegre, para ele trabalhar com coração alegre no interesse do evangelho”. Essa citação do Frei Ricardo não é somente um belo testemunho da vida franciscana de fraternidade e missão, mas também, do amor e do encanto que a Amazônia tem.
A Casa da Boa Notícia em São Lucas
Esse amor e encanto também esteve muito presente na vida dos primeiros cristãos que entendiam a casa como lugar da comunidade e, portanto, era uma casa comum onde viviam o amor, a solidariedade e a missão. A casa no evangelho de São Lucas tem uma importância fundamental para a vivência da fé:
Maria, em casa, recebeu o anúncio que ela ia ser a mãe do Salvador e a este anúncio, ela respondeu: “Eis a serva do senhor, faça-se em mim segundo tua palavra” (Lc 1,38). Maria é a tenda onde Deus fixou sua morada. A comunidade, que escuta a palavra do Senhor e diz sim como Maria, se torna o lugar da habitação do Filho de Deus, pois é a casa-comunidade que deve ser a tenda onde Deus habita.
Logo depois, Maria partiu para visitar Isabel, entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Ela, cheia do Espírito Santo, proclamou: “Bem-aventurada aquela que acreditou porque vai acontecer o que o senhor lhe prometeu” (Lc 1, 45). Isabel, tenda do Espírito Santo, se tornou sinal da comunidade que, cheia do Espírito Santo, deve ser o lugar onde as promessas de Deus se realizam.
Maria e José levaram Jesus a Jerusalém e Jesus ficou no templo conversando com os doutores da lei. Maria, aflita, perguntou porque Jesus fez aquilo com os pais e ele respondeu: “Por que me procuravam, não sabiam que eu devo estar na casa do Pai” (Lc 2,49). A comunidade, que é a tenda de Deus, não é somente aqui, pois Jesus lembra que é preciso estar na casa do Pai. É a casa-comunidade que deve almejar a tenda do Pai, isto é o Reino de Deus.
Jesus envia em missão os discípulos como ovelhas no meio de lobos e lembra: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Lc 10,2). O envio é para as casas para desejar a paz e anunciar o evangelho. Na casa eles devem partilhar o pão: “comam e bebam do que tiverem” (Lc 10,7). A comunidade se torna a tenda de onde os missionários do Reino vão sair para anunciar o evangelho. É para as casas que eles vão, pois é lá onde a mensagem da paz é anunciada e é nesta tenda onde acontece a partilha do pão na mesa do Senhor.
Estas citações mostram que, para São Lucas, a casa não é somente o lugar da comunidade, mas também, pela vivência da palavra, é o lugar onde Deus habita. Como isto é importante para nós. A nossa própria casa é o lugar da família e é o lugar onde Deus deve habitar pela vivência do amor, do perdão, da ternura e da compreensão. Nossa comunidade também é nossa casa, o lugar onde Deus habita pela fé, partilha e solidariedade. Mas também, lembramos de uma outra casa, a grande casa da criação de Deus, a natureza, o céu, a terra, as águas, as plantas e animais. Aqui, na nossa casa da Amazônia, somos abençoados, pois é um lugar de tanta beleza e encanto, mas ela também é uma região mutilada pela ganância, violência e desrespeito à vida. Por isso, a Amazônia tem que ser o lugar onde Deus habita e como Frei Ricardo escreveu, sabemos que a Amazônia não solta facilmente alguém que ela atraiu. É Deus que atiça no peito de cada um não somente o amor por esta terra, mas também o desejo de fazer deste chão o lugar onde Deus possa habitar: Pelo respeito à vida e toda a criação; Pela solidariedade entre as pessoas e pela partilha que se vive nesta terra. Partilha e amor que vence a ganância e destruição da natureza em nome do progresso; Pela nossa missão de anunciar a palavra e construir o reino.
Cuidar da Casa da Criação é viver o Santo Evangelho
Enquanto refletimos sobre o TEMPO DA CRIAÇÃO, não podemos esquecer o exemplo de São Francisco de Assis que louvava a Deus por toda a criação e por todas as criaturas. É este espírito de São Francisco que precisa penetrar no coração de cada um para que possamos preservar e respeitar toda a criação nesta nossa casa da Amazônia, abençoada por Deus. Como Jesus, São Francisco enviava seus irmãos em missão com toda a simplicidade para falar sobre o Reino de Deus, anunciando a paz e a remissão dos pecados. Precisamos ser missionários para anunciar a mensagem do Reino de Deus para todo o povo desta terra e, ao mesmo tempo, pedir perdão pelos nossos pecados contra a Casa Comum. Seguindo o exemplo de São Francisco queremos respeitar e preservar a Amazônia, nossa tenda, e que esta tenda seja a casa onde Deus possa habitar e de onde nós saímos em missão para defender a vida e realizar nossa missão de viver a verdadeira fraternidade com todas as criaturas.
Sobre os frades citados
* Frei Ricardo Havertz, nasceu em 13 de dezembro de 1899 e morreu no dia 08 de fevereiro de 1980 na cidade de Óbidos aos 80 anos de idade. Morou em Monte Alegre de 1935 até 1939.
* Frei Ludovico Smolka, nasceu em 03 de agosto de 1906 e morreu em 28 de maio de 1948, em Santarém de tétano aos 41 anos de idade. Ele teve duas passagens em Monte Alegre. Em 1935 morou em Monte Alegre junto com Frei Ricardo, mas foi transferido de Monte Alegre em 09 de junho de 1937 para o sul, por motivos de saúde. Voltou para Monte Alegre em janeiro de 1945 e morou junto com Frei Henrique Broeker. Frei Henrique foi transferido de Monte Alegre para João Pessoa em janeiro de 1948 e, no mesmo período, Frei Ludovico foi transferido para Óbidos.
Frei Gregório Joeright, OFM
Pároco da Paróquia de São Francisco – Monte Alegre (PA)