Neste dia de São Francisco, a série de reflexões franciscanas para o Tempo da Criação 2021 se encerra com um artigo de apontamentos práticos e troca de experiências para cuidar do Oikos de Deus. Quem partilha conosco os seus sonhos e os pensamentos sobre o tema é Frei Francisco Paixão, OFM, mestre em Comunicação e atualmente administrador paroquial da catedral de Sant’Ana em Itaituba (PA).
O Sonho dos pequenos
Ao me propor escrever este artigo no contexto do Tempo da Criação, que se encerra na festa do nosso Pai Seráfico São Francisco de Assis, sobre pequenas ações que cuidam da Oikos de Deus, me reportei para a noite do dia 21 de julho de 2009, na praça Madeira Mamoré, em Porto Velho, Rondônia. Era a cerimônia de abertura do 12º Intereclesial das CEBs do Brasil; cerca de 4 mil pessoas ouviam atentamente as palavras acolhedoras do bispo-profeta Dom Moacyr Grechi. Foi nesta noite que ouvi pela primeira vez o provérbio africano repetido por Dom Moacyr naquele discurso: “Muita gente pequena em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas mudarão a face da Terra”. E é sobre isso que desejo tratar, descrevendo algumas experiências que vi e ouvi na caminhada missionária amazônica do meu ser franciscano.
Quem, quando criança, não sonhou em ser protagonista de uma ação que mudasse o mundo? Eu me lembro de momentos em que, junto aos meus amigos de infância, ficávamos absortos olhando para o céu e fixando as estrelas imaginando um mundo distante criado a partir de nossos horizontes. Tudo era pequeno, mas os sonhos eram grandes, enormes. Pena que muita gente ao crescer, esquece essa capacidade de sonhar e não dão nenhum passo a mais no sentido de lutar por um mundo melhor. Eu continuo sendo sonhador, ainda que na porta da terceira idade. E quando posso, invento. Porque acredito, tal qual o provérbio africano, que o mundo que sonhamos será construído, não a partir de unzinho que se faz mito, ou um todo poderoso que se impõe pela força, mas sim, com as pequenas ações que mudam as mentalidades, as consciências e as atitudes pessoais em busca de um bem maior para todos. Só assim vamos cuidando do Oikos de Deus que é dom e graça para toda a humanidade.
Os sonhadores em tempos de crise: hortelãos da Casa Comum
Durante o forte da pandemia do covid-19, vivi os “lockdowns” ou as bandeiras vermelhas, em Belém do Pará. A ordem era ficar em casa, não abrir a Capela ao público, celebrar na fraternidade e transmitir as missas via Facebook e YouTube. A vida ficou reclusa ao quarto, à sala de jantar e à cozinha. Nenhuma reunião de grupo, nenhuma reunião pastoral. O jeito era reinventar a vida interna de casa. Foi aí que surgiu a ideia de criar a “hortinha franciscana do alpendre”. Juntamente com uma colaboradora do convento, começamos a “brincar” de plantar verduras, tomates cerejas e pimentas. No início tratei como passa-tempo jocoso, mas depois senti que nossa pequena ação influiu no comportamento e atitude de alguns paroquianos que, vencendo o medo da pandemia, visitavam a capela e o convento. De repente nos vimos incentivados por eles a fazer crescer nossa horta, nosso projeto de compostagem caseira, etc. Percebi que uma pequena ação concreta – parecia brincadeira – podia ajudar as pessoas a mudar de mentalidade em relação ao cuidado do Oikos de Deus. Essas são sementes que com certeza serão lançadas longe, como as sementes da samaumeira amazônica, que quando explodem, espalham ao longe sua altivez e longevidade. Valeu brincar de hortelão. Todos devemos ser um hortelãos do Oikos de Deus!
Grandes gestos de pequenos movimentos
Antes desta minha última “aventura natureba”, fui membro fundador e incentivador do Comitê em Defesa do Igarapé do Urumari, que é um dos igarapés amazônicos que resiste à urbanização, na cidade de Santarém, Pará. Como um paciente com Covid, ele resiste respirando com dificuldade, mas com muita gente do lado de fora torcendo por sua recuperação. O comitê surgiu como fruto das reflexões feitas pelas Comunidades Eclesiais de Base da Região II de Pastoral, na então Diocese de Santarém, por onde o igarapé tem seu curso. Tem o apoio e o amparo da Federação das Associações de Moradores do Município de Santarém. Também o Comitê começou com um pequeno grupo de sonhadores, mas gente comprometida com o cuidado do Oikos de Deus.
Diversas experiências foram desenvolvidas pelo Comitê: visitas ao longo do curso para conhecer in loco a beleza e as dores do ecossistema do Urumari; visitas educativas aos alunos das escolas em torno do Igarapé; duas romarias que mobilizaram centenas de pessoas, caminhando por suas margens; conversações com o ministério público e o governo municipal; ações de vigilâncias aos ataque e invasões… Pequenas mas significativas ações que ainda hoje colocam na agenda dos gestores municipais a preocupação da população daquelas comunidades com o futuro daquele ecossistema tão necessário para a cidade de Santarém.
Com os mesmos objetivos e até bem anteriores ao Comitê em Defesa do Urumari, Santarém é palco de uma outra ação de cuidado com Oikós de Deus. É o Movimento Tapajós Vivo, que também iniciou com com um pequeno grupo de sonhadores e defensores da Amazônia, levando a cabo grandes embates em defesa do Rio Tapajós contra os depredadores da natureza que só vêem o Rio como lugar de produção de energia para seus projetos de exploração madeireira e mineral, sem importar-se com as sequelas e desgraças que a construção de uma hidrelétrica deixa para o povo da Amazônia. O Movimento (MTV) já mobilizou milhares de pessoas em jornadas, caravanas, estudos e lutas pelo Rio Tapajós e suas populações ribeirinhas.
E assim poderíamos ir contando inúmeras ações concretas em defesa do Oikos de Deus nesta vasta Amazônia. Infelizmente o inimigo tem poder diabólico de enganar e fazer muita gente acreditar que essas atividades não levam a nada, cooptando certas lideranças comunitárias que passam acreditar nos pequenos presentes enganadores que lhes aliciam e quebram a força da luta popular. Mesmo assim a esperança move aqueles que acreditam que todos juntos, ainda que “gente pequena e em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas mudarão a face da Amazônia”.
Frei Francisco Paixão, OFM