Fotos: Andrei Anjos

Uma poética franciscana para a Amazônia

Fotos: Andrei Anjos

 

A poesia é uma arte, seu significado remete ao sentido de criação, juntando com harmonia: palavras, ritmos e símbolos. Os poetas podem ser tanto pessoas muito versadas na composição literária quanto pessoas simples que “jogam versos”. As inspirações de poemas podem ser as mais diversas e em alguns deles os temas nem sempre são captados de primeira. Temos poemas de amor, de amizade, que falam de um espaço, de um dado tempo, mas que em tudo buscam transcender essas imagens. Temos tipos diversos de poesias, com versos livres ou metrificados. Poemas longos e curtos. Mas, antes de achar o fim prático da poesia, lembramos que ela não necessariamente precisa cumprir uma necessidade, ela não carece de ser um utensílio. No entanto, não negamos que existem poesias engajadas e que incidem na vida prática.  

Em uma crônica intitulada a Transfiguração pela poesia, Vinícius de Moraes afirmava que do subsolo das almas no mundo em guerra se acumulam dinamites de paz. O poetinha acreditava que das ruínas do mundo surgiriam poderosos artistas capazes de contar, cantar e reconstruir a terra livre. A poesia para ele era uma salvação da paz política por ser ela carne, dos pobres, dos sofredores, das mulheres. Em suma, a relação que o poeta faz na crônica é de um novo amanhecer dos escombros de onde despontarão trovadores e, assim, o povo cantará seu próprio canto. Poesia tem a ver com sonho e reconstrução. Tem a ver com cantadores que surgem no meio dos escombros. 

São Francisco de Assis, mesmo exaltando os rudes e iletrados, nutria uma veneração pelas letras. O Pobrezinho compôs cânticos, orações e gostava de entoar as “modas” francesas. Francisco viveu liricamente sem “romantizar” as coisas. Vilma Souza afirma que a obra e vida de Francisco são pura poesia.  O Santo desposou a pobreza por um caminho que não se encerrou numa metáfora, mas se fez poema vivo. Exortou seus irmãos a serem, como ele, jograis de Deus. E a linguagem de Francisco não foi a de um “prosa erudita”, mas, a linguagem popular. Francisco de Assis também despontou no meio das guerras como anunciador da paz e do louvor. 

 

Fotos: Andrei Anjos

 

A natureza tem força impactante, muitos poemas já se fizeram para os astros e para os seres da casa comum. Muitos estudiosos do Gênesis falam da sua linguagem poética ao abordar a Criação, além de outros livros bíblicos repletos de poesia. A poesia expressa o enamoramento pela beleza da obra de Deus. As poesias e as linguagens mitológicas também são proféticas e exprimem os perigos e ameaças que cercam o mundo. Os poetas podem também encarnar as vozes do povo e suas dores. A linguagem do paradigma tecnocrático toma por vezes o lugar que deveria ser também da poesia. Não se fala mais poeticamente da irmandade, mas se assume por vezes a linguagem como dominação dos objetos, para sua tipificação e uso. Estamos hoje em meio a espoliação da natureza, e não podemos só “cantar saudades”.

Em Querida Amazônia, os poemas citados carregam algo da identidade amazônica e sua ligação da humanidade com a ecologia total da região. Os poemas falam dos rios como veias, como patriarcas, em uma profunda ideia de comunhão. Esses cânticos amazônicos compilados mostram que a sabedoria que boia da floresta vem à tona mostrando que tem mais coisas no fundo. Que nada é apenas o que tem na superfície. Isso é o que a linguagem metafórica também aponta. Não existe só um rio, mercadoria e lugar de transporte, mas existe algo além do físico, espiritual na Criação.

Neste dia dos poetas, aprendemos com eles a missão de “cantar a beleza da vida”. Toda poesia encarnada no chão da existência se torna caminho de mudança. As utopias devem ser todas embaladas por versos e melodias para que nossas andanças sejam mais repletas de beleza e conversem com o encanto da Criação. E que a Amazônia possa ser sempre mais espaço poético de Amor e não de destruição. Somos convidados a ter o olhar contemplativo e profético dos poetas, o mesmo olhar que tinha Francisco de Assis. Thiago de Mello, Bruno Menezes, Pedro Casaldáliga e outros tantos(as) trovadores(as) da Amazônia são exemplos de poetas no alvorecer do sonho amazônico. Dessa visão renovada e encantada podemos sonhar de olhos abertos e pés no chão uma Amazônia nova.

Fábio Vasconcelos