Foto: PASCOM - Paróquia de Sant'Ana.

Manhã de espiritualidade com os jovens crismandos da Paróquia de Sant’Ana

Foto: PASCOM – Paróquia de Sant’Ana.

 

Aos vinte e um dias do mês de novembro, na Comunidade Sagrada Família, que faz parte da Paróquia de Sant`Ana (Itaituba – PA), os jovens crismandos participaram de uma manhã de espiritualidade com a seguinte programação: Celebração da Palavra às 08h, seguida de um café organizado pelas catequistas juntamente com a comunidade. Às 09h, o facilitador Frei Raoul Bentes, OFM, dividiu os participantes em equipes e trabalhou o tema: “A espiritualidade do céu em você: caminhos para enfrentar nossas paixões interiores”.

 

Foto: PASCOM – Paróquia de Sant’Ana

 

O tema foi apresentado sucintamente e em seguida foi entregue uma passagem bíblica para cada uma das oito equipes. Os grupos tiveram 15 minutos para fazer a leitura da perícope e escolher uma pessoa para representar a equipe. Cada representante apresentou as respostas de duas perguntas: qual o tema principal neste trecho da Sagrada Escritura? O que ela quer dizer para nós hoje? As apresentações foram bem claras e proveitosas, o que deixou as catequistas orgulhosas do bom trabalho que fizeram no processo catecumenal. Às 11h, a catequista Sônia organizou uma dinâmica que tinha como objetivo: mostrar aos jovens a sua verdadeira identidade, ou seja, fazer com que percebessem que cada ser é único e por isso deve-se respeitar a diversidade de cada pessoa. O grupo de músicos da comunidade finalizou o encontro com cantos alegres e reflexivos, tudo isto para motivar ainda mais os jovens.

Deixamos aqui nosso agradecimento, primeiramente a Deus, depois às catequistas e catecúmenos que vivenciaram o bonito momento de oração e reflexão da Palavra de Deus.

 

Frei Raoul Bentes, OFM

Círio2

As muitas origens do Círio de Nazaré

Imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Foto: Fraternidade São Boaventura (Manaus-AM)

 

Tradicionalmente o Círio de Nossa Senhora de Nazaré é realizado em Belém do Pará, sempre no segundo domingo do mês de outubro. Trata-se de uma manifestação popular da fé do povo paraense a sua Padroeira. Esta manifestação de devoção mariana ocorre há mais de 200 anos, sendo que, até o ano de 2019, foi celebrada 227 vezes. Neste ano, é a segunda vez consecutiva que o Círio ocorre em formato diferente do seu modo tradicional em decorrência da Pandemia.

Recordamos que o Círio de Nazaré é um fenômeno de fé, um momento de evangelização e manifestação da piedade mariana, podendo ser configurado como uma expressão da Igreja em saída, tão sonhada pelo Papa Francisco. Assim, não é o povo que vai em direção ao templo da Igreja, mas, é a imagem peregrina que sai e vai em direção ao povo. Nas peregrinações da Imagem e nos diversos momentos do Círio (traslados, peregrinações, romarias, encontros celebrativos) a Igreja se faz caminhante com a cultura, religiosidade e identidade paraense. Fincadas essas bases podemos olhar então para o Círio de Nazaré a partir das suas origens, do achado da imagem e do começo dessa bonita devoção.  

Ao comentar sobre a origem do nome “Círio de Nazaré” vemos que a etimologia da palavra “círio”, vem do latim “cereus”, que significa uma grande vela de cera. Em Portugal, os círios representavam um ajuntamento de pessoas que se organizavam para, em romaria, ir ao Santuário de Nossa Senhora de Nazaré. Posteriormente, as velas de cera ou círios levados pelos romeiros nessas peregrinações passaram a denominar a própria romaria. Deste modo, a origem da devoção a Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará tem uma longa história que rompeu a fronteira transatlântica (cf. IPHAN, 2004, p. 14).

Desde o início, a devoção a Nossa Senhora tem uma origem mística, pois, conforme a crença popular, a imagem foi esculpida pelo próprio São José, tendo a própria Virgem como modelo. Posteriormente, a imagem teria passado pelas mãos de São Jerônimo, de Santo Agostinho e de um monge romano, tendo, finalmente, parado nas mãos do rei Rodrigo dos visigodos que, derrotado pelos mouros, deixou, ao fugir, a imagem numa gruta onde ficou durante séculos até ser reencontrada por pastores. Seu culto foi reavivado a partir do século XII, depois do famoso milagre de D. Fuas Roupinho, fidalgo português salvo de cair num abismo por intercessão de Nossa Senhora de Nazaré. O fidalgo, agradecido, passou a propagar a devoção em Portugal (Idem, p. 14).

 

Imagem peregrina na Capela de Santo Antônio de Lisboa. Foto: Paróquia Santo Antônio de Lisboa (SAL – Belém)

 

Um fato curioso e similar à devoção portuguesa é que a imagem paraense de Nossa Senhora de Nazaré também foi achada, por volta de 1700, por uma pessoa simples, um caboclo, agricultor e pescador, de nome Plácido José dos Santos que caminhava nas matas tortuosas da estrada do Utinga – atualmente Avenida Nazaré -, nas margens de um igarapé de nome Murutucu onde encontrou, entre pedras e trepadeiras, a imagem da Santa.

O caboclo levou-a para sua casa, mas, no dia seguinte, ao acordar, viu que a imagem havia desaparecido. Então, ele voltou  ao local onde a havia encontrado e percebeu que a imagem da Santa estava no mesmo lugar, fenômeno que, segundo ele, repetiu-se por várias vezes. Esta informação chegou ao conhecimento do governador da época que ordenou que a imagem fosse levada e guardada no Palácio do Governo, onde deveria ficar sob intensa vigilância. Mesmo assim, no dia seguinte, o altar estava vazio. Impressionados, os devotos resolveram construir uma ermida no local onde a Santa fora encontrada que, com o tempo, foi atraindo pessoas de vários lugares (opcit. 2004, p. 11).

O pesquisador Amaral (1998) na sua tese de doutoramento, “Festa à Brasileira: significados do festejar num país ‘que não é sério'”, apresenta um dado importante relativo ao aparecimento da imagem, quando diz que, naquela época, passavam pelo Utinga viajantes que vinham do Maranhão onde havia o culto de Nossa Senhora de Nazaré, intuindo que, provavelmente, algum devoto tenha parado no igarapé e deixado a imagem nas pedras. Contudo, o próprio Amaral descarta sua ideia, afirmando que o que conta é que a tradição desse achado envolve hoje toda a população paraense e mesmo de outros estados, podendo-se dizer que se tornou um dos fenômenos religiosos mais importantes do Brasil.

O incentivo e a aprovação da devoção chegaram mais tarde, quando o primeiro bispo do Pará, Dom Bartolomeu do Pilar – que esteve à frente do bispado do Pará entre 1721 e 1723 -, visitou a modesta ermida onde a Santa foi encontrada e apoiou a veneração a Virgem de Nazaré iniciada pelo caboclo Plácido. O antropólogo Raimundo Heraldo Maués, entende que a aproximação das autoridades religiosas da devoção à Virgem de Nazaré em Belém – e também em Vigia – marcaria “o início do controle eclesiástico sobre essa devoção popular que se acentuou em 1793, quando o quinto bispo do Pará, Dom João Evangelista, que também visitou a imagem encontrada por Plácido, oficializou a devoção, colocando Belém sob a proteção de Nossa Senhora de Nazaré” (IPHAN, 2006, p.14).

Por conseguinte, nessa mesma ocasião, o presidente da Província do Pará, Francisco de Sousa Coutinho, desejoso de alavancar a economia e o comércio regional paraense, resolveu organizar uma feira para comercializar os produtos agrícolas e extrativistas e, estrategicamente, determinou que a feira deveria ocorrer na mesma época em que os devotos homenageavam a Santa (AMARAL, 1998). Contudo, é importante observar que a festa saiu do domínio dos fiéis e passou a ter o controle do aparato do Estado e da Igreja. Também é pertinente salientar que a oficialização da devoção pela Igreja e a feira organizada pelo presidente da Província ocorreram no mesmo ano, manifestando, assim, a união entre Igreja e Estado.

Entretanto, em junho de 1793, próximo à data marcada para a inauguração da feira, o presidente da Província, Francisco de Sousa Coutinho, caiu doente. Por causa da sua debilidade física, implorou à Santa fazendo a seguinte promessa: se recuperasse a saúde e pudesse inaugurar a feira, levaria a imagem até o Palácio do Governo e, de lá, esta seria conduzida em procissão de volta à igrejinha. Assim, tendo recuperado as forças, fez fé à sua promessa, de modo que o primeiro Círio foi acompanhado por quase dois mil soldados, além da população de Belém e do interior da Província (IPHAN, 2006, p.16).

Amaral (1998), ao descrever com mais detalhes a festa, relata que o governador carregou a imagem da Santa, apresentou-a à população e a entregou ao capelão do Palácio e ao vigário geral do bispo. A procissão, por sua vez, teve início com a tropa da cidade à frente do cortejo, seguida pelos esquadrões de cavalaria, batalhões de infantaria, duas filas de cavaleiros em traje de gala, várias seges e serpentinas transportando as senhoras. O palanquim, puxado por bois e ornamentado com flores que conduzia o padre com a Santa, percorreu o trajeto cercado por devotos, pelo governador, com um grande círio, pelos membros das Casas Civil e Militar e, por último, pelas baterias de artilharia (AMARAL, 1998).

No ano 1969, por motivo de conservação e segurança, a imagem original deixou de circular na procissão, ficando somente no altar da Basílica, tendo sido substituída pela “imagem peregrina”, que é uma réplica da original feita pelo escultor italiano Giacomo Mussner (Idem, 1998). Todavia, a proporção extraordinária que o Círio de Nazaré alcançou não foi fruto do prestígio oficial da atividade decretado pelas autoridades, mas, segundo o IPHAN (2006), o Círio se impôs por si mesmo, graças à decisiva participação popular. As lendas em torno da imagem contribuíram para a sua popularidade, bem como os muitos milagres que lhes são atribuídos. É como se a recusa histórica da Santa em ficar encarcerada no Palácio do Governo simbolizasse o espaço de transgressão que marcaria o Círio ao longo de sua história. De acordo a mesma fonte, devem ser consideradas também as motivações profanas proporcionadas pelo evento do Círio.

A festa de Nazaré, além do elemento religioso, é um espetáculo de organização, especialmente da sua procissão. Os eventos dos festejos começam muito antes da data, quando as equipes responsáveis se reúnem em comissões para pensar, organizar e arquitetar a festa de Nossa Senhora de Nazaré. Fazem parte do conselho de diretoria da festa trinta membros, os quais são divididos em funções administrativas, assim representados: o presidente, sempre o vigário da paróquia de Nazaré, o coordenador, dois secretários, dois tesoureiros e um diretor de patrimônio. Os demais membros se distribuem em comissões que tratam da divulgação, da preparação da berlinda, da instalação dos serviços de som, da decoração da cidade, enfim, cobrem um campo bem amplo para que a festa seja bem-sucedida (AMARAL, 1998). Contudo, esta festa do Círio é composta por uma sequência perfeita de eventos harmoniosos que mesclam o profano com o sagrado, de modo que, além da procissão do Círio, que constitui a alma da festa, temos o arraial ou a festa propriamente dita e o almoço do Círio.

O Círio de Nazaré, como vimos, é marcado pela união de diversas origens. Encontramos no Círio um misto de raízes das diversas culturas que formam o ser amazônida. Evidenciamos também uma origem na narrativa religiosa e histórica, temos o relato do “achado da imagem” e todo o percurso do desenvolvimento da devoção ao longo do tempo. E assim, olhar para as origens do Círio nos remete sempre à originalidade simples de Maria que nos faz caminhar junto com seu bendito Filho.    

 

Frei Raoul Bentes, OFM

Graduado em Filosofia pela Faculdade Salesiana Dom Bosco (FSDB – Manaus, AM) e em Teologia pelo Instituto Teológico Franciscano (ITF – Petrópolis, RJ)

 

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Referências
AMARAL, R.de C.de M.P. Festa à Brasileira: significados do festejar num país ‘que não é sério’. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo,1998.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Círio de Nazaré. Rio de Janeiro: Iphan, 2006. (Dossiê Iphan, 1).
The Mission 30

Santa Clara, pobre dama da querida Amazônia

Foto: Missão São Francisco do Cururu – Maribeth Joeright, 2016

A vida de Clara, como o nome nos permite dizer é um cadeeiro aceso na Igreja e no mundo. A virgem Clara ilumina igualmente o chão amazônico e é nisto que queremos agora centrar a nossa reflexão. Pois vemos na santa uma mulher humilde, orante e servidora que clareia os passos dos amazônidas para a busca da terra sem males. Observamos que um primeiro traço de Clara é ser uma moça sonhadora, encantada com a vida e com o projeto de Deus. A canoa da vida dela ganha novos rumos a partir de sua sede pessoal e do testemunho de Francisco. É o Divino Amor que move a Santa de Assis, como nas narrativas míticas da Lua e da Vitória-Régia. Seu Amado é um noivo crucificado-ressuscitado por quem ela suspira e age movida por uma força enorme.

O casamento de Clara com Cristo se dá em um processo de iniciação, de formação, como nas diversas culturas amazônicas. A plantinha de Assis é uma “moça nova”, transcende a casa paterna e tem seus cabelos cortados em sinal da sua mudança de estado de vida. Esse rito de passagem no existir de Clara é sinal de acolhida, de desprendimento e de união. Esse abando de Clara é gesto que educa para aprender a ter mais esse olhar para os ritmos do existir, celebrando cada conversão. Sair pela porta dos mortos e fugir de casa, na noite e ser recebida com luzes pelos frades, junto com Francisco é expressão do novo caminho de Clara, e quantos não andam na estrada do medo, da opressão, e precisam achar a caminhos novos, como nos indica ainda o sínodo para Amazônia.

(Foto das Irmãs SMIC na Missão São Francisco – Maribeth Joeright, 2016)

A união de Clara com Cristo é aliança, afeto dedicado que se desdobra em comunhão, uma procura com intenso ardor. O Cristo-Amado na Amazônia é, recordando a simbologia do Cântico dos Cânticos, aquele que se reencontra depois dos afazeres do dia. É que se espera retornar da pescaria, do roçado, ou dos seus serviços diversos e que novamente se encontra para com alegria comer juntos os frutos da Terra. Essa comunhão de Clara em Cristo que gera vida partilhada é que precisamos hoje no nosso solo amazônico para que seja fecundado por uma nova forma de relação. Os suspiros de Clara por Cristo devem nos inspirar hoje a desejar e trabalhar para que a presença de Cristo floresça mais ainda na Amazônia.

Outro aspecto luminoso da vida de Clara é sua coragem. A ousadia e o testemunho profético de Clara não se encerraram na casa da família e nem nos muros do convento em São Damião, mas se espelharam pelo mundo todo como sementes da vida de pobreza evangélica. Uma mulher firme no seu ideal de viver a pobreza. Nela o espelho que reflete Cristo é um amor que faz testemunhar a vida plena para todos e todas. O amoroso viver de Clara nos indica que partamos para uma evangelização com rosto amazônico, encarnada e libertadora. Vamos ao encontro e percebamos como são as luminosas as mulheres da Amazônia!

Na Amazônia, diversas mulheres são exemplos dessa força no amor expressa em Clara. E desse cuidado com as irmãs e filhas na pobreza, é que Clara se tornou uma mãe para os que dela se achegam. Com os conselhos sábios, com o exemplo e afeto, ela se apresenta como imagem da Amazônia que se doa. No entanto esses dons da Mãe Amazônia acabaram sendo alvos do ataque e da exploração dos que somente visam o lucro, e estamos em muitos momentos acuados e com medo, como quando ameaçaram invadiram Assis. Aqui se pode evoca novamente o destemor e a confiança de Clara em Cristo para que se possa seguir na luta.

Foto: Maribeth Joeright, 2016

Clara foi identificada como a “plantinha” que cresceu no solo de Assis e que se encantou com a vida iniciada por Francisco. Os dois, Francisco e Clara, são as duas faces de um mesmo testemunho de um modo de vida diferente e nos colocam no mesmo caminho do Cristo pobre. Ambos não ficaram sozinhos em seu projeto e começaram a viver como comunidade, no grupo dos frades menores e com as pobres damas, por isso, são também modelo de comunhão. Hoje, em meio dos gritos que ouvimos em nossa Amazônia, somos convidados e dar respostas como os de Clara e Francisco seguindo os rumos apontados pelo Sínodo para Pan-Amazônia. Como Clara reagiu diante das ameaças a vida do povo de Assis, assim precisamos despertar, e firmes em nossa fé, defender a nossa Casa Comum. No amor e na simplicidade, trabalhemos juntos pela vida em plenitude no coração da Terra. Desse modo, Santa Clara nos ilumina a viver em busca de Cristo como nosso grande amor, que pulsa no coração da Querida Amazônia.

Texto: Frei Fábio Vasconcelos, OFM