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As luzes que as mulheres acendem para o Natal de Jesus

Fotos: Acervo Pessoal

 

O clima de Natal já está no ar em alguns lugares mesmo antes do mês de dezembro. Independentemente de onde você esteja, eu estou certo de que, de alguma forma, o clima natalino chegou, mesmo que ainda estejamos vivendo o Advento. Em muitos lugares as cidades já fizeram cerimônias de acendimento das luzes natalinas. Dizemos de fato que natal é um tempo de luz, das velas, dos “pisca-piscas”. Mas o fim de ano também é um tempo de família, de reencontros, de gente que chega trazendo algo de viagem, ou das pessoas que carregam algo para partilhar na ceia natalina… E assim abrimos caminhos para foco da nossa fala, que é o aspecto das luzes e do feminino. Na linguagem coloquial se fala que as mulheres “dão à luz” no ato do parto. Outro elemento que podemos ainda recordar é que as luzes das velas de Shabat, habitualmente são acesas pelas mulheres. Dessa maneira o que iremos abordar neste texto circunda as questões de família, feminino e suas luzes para a nossa vivência do Advento. 

Durante este período de preparação para o Natal recordamos as narrativas do nascimento de Jesus e nos vem à mente uma série de imagens afetuosas e familiares: Maria e José viajando para Belém; o bebê na manjedoura; os anjos e os pastores; os Magos com seus presentes de ouro, incenso e mirra, etc. O que provavelmente não nos vem à mente são as genealogias de Jesus registradas nos Evangelhos de Mateus e de Lucas. Estas linhas da Sagrada Escritura, muitas vezes nos passam despercebidas, afinal, é uma “ruma” de nomes que nem dá para lembrar de todos. Nesta sexta feira, dia 17 de dezembro, aqueles que tiverem a possibilidade de ler ou escutar o Evangelho do dia, notarão exatamente que trata-se da genealogia de Jesus segundo a comunidade de Mateus. 

A genealogia de Jesus apresentada por Mateus se diferencia daquela apresentada por Lucas. Mateus inclui quatro mulheres junto com Maria: Tamar, Raab, Rute e Betsabéia. Em uma cultura que traçou a linhagem quase exclusivamente por meio dos homens, essas mulheres teriam se destacado como faróis em uma série de nomes masculinos – e ainda se destacam. São como lamparinas acesas que iluminam e apontam para a verdadeira luz que é Jesus. A presença destas mulheres na genealogia do Filho de Deus intriga, e daí nos questionamos: Quem eram essas mulheres? E por que aparecem na genealogia como ancestrais do Messias? Cada uma dessas mulheres traz consigo algo que nos ajudam nas reflexões propícias, especialmente para o Advento. Elas simbolizam elementos que deixam a festa do Natal ainda mais bonita, e é sobre isso que hoje partilho com vocês.

 

Ilustração: Fábio Vasconcelos

 

Tamar acende a Esperança

Tamar é a primeira mulher mencionada na genealogia de Mateus,  a história dela é sobre esperança – ou mais precisamente, desespero nascido da esperança destruída. Ela era a nora de Judá, casada por sua vez com seus dois filhos mais velhos, ambos homens maus que morreram sob o julgamento de Deus. Judá então prometeu dar Tamar a seu filho mais novo quando ele atingisse a maioridade – uma promessa que ele nunca teve a intenção de cumprir, esperando que Tamar simplesmente fosse embora e morresse como uma viúva. Em um mundo onde as mulheres tinham quase zero perspectivas além de casar bem e ter filhos, a situação de Tamar era desesperadora.  Para resolver o assunto com as próprias mãos, ela se disfarçou de prostituta, dormiu com o sogro e lhe deu filhos gêmeos. Um dos gêmeos, a quem ela chamou de Perez, se tornaria ancestral de Jesus. Depois que todo o caso sórdido veio à tona, Judá admitiu publicamente que Tamar era mais justa do que ele – uma avaliação precisa, dado o tratamento cruel e insensível que  conferiu a ela. A presença de Tamar na linhagem de Jesus mostra exatamente a universalidade da salvação e sua opção preferencial. Em lugar de atos desesperados e esperanças quebradas, a vinda do Messias traria esperança real ao mundo.

 

Raab acende a chama da paz

Um provérbio antigo diz: “se você quer paz, prepare-se para a guerra”. A história de Raab, a segunda mulher na genealogia de Mateus, dá a esse antigo ditado uma reviravolta única. Ao contrário de Tamar, Raab era uma prostituta de verdade. Ela morava na cidade condenada de Jericó, destinada a ser invadida e destruída pelos exércitos de Israel. Reconhecendo o Deus de Israel como o único e verdadeiro Soberano do céu e da terra, Raab fez uma paz em separado com o povo de Israel e com seu Deus. Ela abrigou os espiões israelitas durante sua missão de reconhecimento e os ajudou a escapar pedindo que ela e sua família fossem poupadas em troca. Como um símbolo público de sua nova lealdade, ela pendurou um cordão na janela de sua casa, à vista de seu próprio povo, para que todos dentro de sua casa fossem poupados pelo avanço dos exércitos. Raab não era apenas uma prostituta, mas também uma cananéia, membro de um grupo de pessoas marcado por Deus para o julgamento em massa. E ainda, ela não só salvou a si mesma e sua família, mas ela se juntou à comunidade de fé de Israel, casou-se com a tribo real de Judá, tornou-se a mãe de Boaz e uma notável ancestral de Jesus. Seu lugar na linhagem do Senhor é um poderoso lembrete de que mesmo em face do julgamento certo, a paz com Deus está disponível por meio da fé na vinda de Cristo.

 

Rute acende em nós a alegria

Rute é uma das figuras mais brilhantes e atraentes de todas as Escrituras. Uma jovem viúva-moabita que se casou com uma família judia, havia perdido tudo com a morte de seu sogro e de seu marido. Quando sua sogra Noemi decidiu voltar de Moabe para a terra de Judá, Rute decidiu acompanhá-la. Apesar dos melhores esforços de Naomi para dissuadi-la, Rute se apegou a Naomi – bem como ao povo de Naomi e a seu Deus. De volta à Belém, as perspectivas eram sombrias para as duas viúvas, despojadas de seus maridos e enfrentando uma pobreza terrível. No entanto, Rute permaneceu inabalável e enérgica em seus esforços para encontrar trabalho e cuidar de sua sogra. Por meio desses esforços e pela graça de Deus, ela conheceu Boaz, um rico e gentil proprietário de terras que por acaso também era parente de Noemi. No devido tempo, Rute e Boaz se casaram, garantindo assim, as perspectivas futuras de Naomi – bem como as de Rute. Eles também tiveram um filho, Obede, que seria ancestral do rei Davi e do Rei Jesus. A história de Rute está saturada de bondade, expressa pela palavra hebraica hesed – a bondade de Rute para Noemi, de Boaz para Rute, e de Deus para todos eles. Mas também há uma alegria constante e palpável irradiando da própria Rute, conduzindo tudo o que ela faz, mesmo nas piores circunstâncias – uma alegria nascida de sua fé no Deus de Israel, sob cujas asas ela veio se refugiar.  Semelhante à Raab, mãe de Boaz, Rute pertencia a uma raça excluída da comunidade de Deus sob o Antigo Testamento. Mesmo assim, pela fé, ela se tornou uma mulher de Deus. Como as mulheres de Belém observaram, Rute era melhor para Noemi do que os seus sete filhos. Seu lugar na linhagem do Senhor fala muito sobre a bondade de Deus em redimir os forasteiros e a alegria que essa redenção traz.

 

Betsabéia acende o fogo do amor

Se Rute é o romance mais emocionante registrado nas Escrituras, então Betsabéia (Bate-seba) é certamente o mais comovente. Em vez de ser construída sobre bondade e respeito, é mais como uma história de amor das tele-novelas, enraizada em luxúria, estupro e infidelidade. Betsabéia era esposa de Urias, o hitita, um dos oficiais militares de maior confiança do rei Davi. Mas um dia, Davi viu Betsabéia tomando banho do telhado de seu palácio, dormiu com ela, engravidou-a e mandou assassinar seu marido para encobrir o caso. O bebê nascido de sua união morreu como consequência do julgamento de Deus sobre seu relacionamento ilícito. O texto não sugere que Betsabéia estava fazendo algo errado ou incomum ao se banhar da maneira que ela fazia. Em vez disso, parece que Davi estava onde não deveria estar. Além disso, a Escritura silencia sobre qualquer suposta cumplicidade da parte de Betsabéia e coloca a culpa diretamente em Davi. Dada a época e a cultura em que ela viveu, Betsabéia certamente não tinha poder para recusar os avanços de um monarca absoluto. Todo o incidente é desagradável e preocupante em vários níveis. Depois do caso, Betsabéia se tornou uma das esposas de Davi e deu à luz Salomão, o herdeiro escolhido de Davi e um precursor do Cristo que viria. Mais tarde, ela reapareceu como a rainha-mãe, cuja voz influente garantiu a sucessão de seu filho. Embora Davi seja o nome mais significativo na genealogia de Jesus, a inclusão de Betsabéia o impede de ser colocado em um pedestal injustificado. Na verdade, sua presença insiste na graça do Messias vindouro, que redimiria as pessoas presas em relações de poder desigual e amor contaminado e as restauraria no amor verdadeiro e na liberdade oferecida por Deus.

Maria dá à luz ao Messias

Mais do que as outras quatro mulheres na genealogia de Jesus, o lugar de Maria teria sido óbvio e incontestável, mesmo em uma cultura propensa a contestá-lo. Afinal, ela era a virgem que dera à luz, pelo poder do Espírito Santo, ao Filho de Deus feito carne. Na verdade, uma vez que Maria e José eram descendentes de Davi por meio de diferentes ramos da família, Lucas traça a ancestralidade biológica do Senhor através do ramo de Maria, enquanto Mateus traça Sua linhagem legal através do ramo de José. Lucas dedica bastante atenção à Maria, mesmo antes do nascimento de seu Filho. Ele registra suas visitas e conversas com o anjo Gabriel e com sua prima Isabel, a mãe de João Batista. Ele retrata Maria como uma humilde jovem de fé que se via como uma serva de Deus e Deus como seu Salvador. Lucas também preserva uma amostra de seu notável talento poético na forma de sua canção espontânea de louvor, conhecida como Magnificat. Claramente, Maria tinha ciência de seu lugar na história, como a etapa final no cumprimento da promessa de Deus de enviar seu Messias ao mundo. Na verdade, o anjo Gabriel destacou o papel de Maria nessa promessa, aludindo a sua ascendência real e assegurando-lhe que seu filho se sentaria no trono de seu pai Davi com autoridade máxima, governando um reino eterno.

ESPERANÇA, PAZ, ALEGRIA E AMOR são temas bem afinados com as quatro semanas do Advento, que antecipam a vinda de Cristo. Eles também combinam muito bem com as vidas das quatro mulheres comemoradas na genealogia do Messias. Em ambos os casos, a sequência encontra seu cumprimento no Filho de Deus que vem ao mundo, nascido de uma jovem virgem chamada Maria. No mundo antigo, as genealogias desempenhavam uma função vital, confirmando o status legal de pessoas importantes. Como tal, a genealogia de Jesus é  parte integrante da história de sua Natividade. Estabelece suas credenciais como herdeiro de Davi, e portanto, como o verdadeiro Rei de Israel e de todo o mundo.

As mulheres da linhagem de Jesus também falam de outras coisas. Em primeiro lugar, elas são mulheres reais com vidas complexas e às vezes confusas, que não podem ser reduzidas a estereótipos. Elas fundamentam a história do Natal em uma autêntica natureza terrena. Sua presença neutraliza a tendência de idealizar os ancestrais masculinos do Senhor como heróis brilhantes e perfeitos. Em vez disso, elas chamam o foco de volta para o Messias, como luz da nossa fé. Talvez o mais importante, esteja no fato de que essas mulheres são lembretes, sinais luminosos, de que Jesus veio ao mundo para salvar todos os tipos de pessoas – mulheres e homens, pagãos e judeus, prostitutas, membros da comunidade LGBTQ, viúvas, imigrantes, índios, caboclos, negros, mestiços…

À luz de tudo isso, as mulheres na genealogia de Jesus formam um tema do Advento próprio. Elas apontam para o momento em que essa promessa do Messias se tornou uma gloriosa realidade histórica oferecida a todas as pessoas. Acolhamos com todo o coração as luzes que nos trazem as mulheres!

Frei Erlison Campos, OFM

Estudante de Teologia do CTU, Chicago – EUA