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Quaresma: tempo de falar com sabedoria e educar com amor

 

 

Tempo de graça e conversão

Estamos em um tempo oportuno para renovarmos nossa fé no ressuscitado e alimentar a esperança de dias melhores. A quaresma está relacionada ao período em que Jesus passou no deserto, onde enfrentou muitas provações e tentações. Assim como nos lembra dos quarenta dias que Noé passou na arca, durante o dilúvio, e dos quarenta anos que Moisés vagou no deserto do Sinai. Para a Igreja, esse tempo sempre foi propício para a escuta da Palavra, para a oração, o jejum e a prática da caridade. Esses exercícios têm como fim último fortificar o nosso corpo, o espírito e o nosso psíquico. Pois, onde o pecado afeta a tríplice dimensão do ser humano, a graça fortalece, dignifica e santifica.

No Brasil, desde 1964, foi introduzido nesse período quaresmal a Campanha da Fraternidade (CF). Essas campanhas têm sido de grande valia na vivência desse tempo, pois tem nos ajudado a crescer na fé, na consciência dos nossos pecados, e tem nos comprometido com a transformação da realidade em que vivemos. Neste ano, pela terceira vez, iremos refletir sobre o tema da Educação. 

 

Tempo de buscar sabedoria e amor

Com a inspiração bíblica “Fala com sabedoria, ensina com amor” (cf. Pr 31,26) teremos a oportunidade de viver nosso tempo de deserto refletindo sobre a educação e a nossa responsabilidade. “É preciso de uma aldeia inteira para se educar uma criança”, nos recorda o provérbio africano e nessa aldeia todos somos educadores e educandos. O nosso referencial é o próprio Mestre Jesus.

O texto base da CF toma como inspiração o texto de João, capítulo oitavo, onde nos apresenta aquela mulher flagrada em adultério. Jesus mostra que educar é contribuir para a superação do pecado, preservando a vida. É um novo ensinamento que se revela verdadeiro ato de esperança no ser humano. Pois, educa de maneira pedagógica, integral e a partir de um agir repleto de sabedoria e amor, revelado no trato respeitoso a uma pessoa fragilizada pelo seu pecado. 

 

Por uma educação integral e humanizadora 

Essa CF foi impulsionada pelo “Pacto Educativo Global”, proposto pelo Papa Francisco. Esse pacto visa unir esforços para formar pessoas maduras e com responsabilidade na construção de uma civilização do amor e do bem comum. E nós franciscanos e franciscanas não podemos ficar de fora dessa proposta. Pois faz parte da nossa essência promover a cultura da Paz e do Bem. 

Que esse tempo quaresma seja uma oportunidade para refletirmos e traçarmos metas a partir de nossa realidade, que promovam diálogos, à luz da nossa fé e de nossa espiritualidade, que proponham caminhos em favor do humanismo integral e solidário, como nos propõe o Papa nesse pacto.

 

 – Frei Alex Assunção, OFM – Conselheiro CFFB

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Paróquia Sant’Ana realiza tríduo da CF 2022

Foto: Pascom Sant’Ana (Itaituba – PA).

 

Pouco a pouco, os fiéis da Paróquia Sant’Ana, em Itaituba (PA), vão voltando aos encontros e celebrações com mais tranquilidade. Foi o que vimos nas últimas duas semanas de fevereiro, quando a Coordenação de Pastoral Paroquial propôs realizar um Tríduo de preparação da Campanha da Fraternidade 2022, cujo tema é “Fraternidade e Educação”, e o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor”. 

Nas três noites de estudo, apesar das chuvas (uma delas foi torrencial!), somando as folhas de presença, mais de 200 pessoas estiveram no Salão Paroquial participando do evento. O Tríduo, organizado pela Coordenação Pastoral, contou com a assessoria do sociólogo, jornalista e agente de pastoral, Ércio do Carmo Santos, da Arquidiocese de Santarém. 

 

Foto: Pascom Sant’Ana (Itaituba – PA).

 

Um momento de aprendizado e alegria 

O Tríduo, conforme a avaliação da Coordenação, foi muito positivo com expressiva participação de todas as comunidades nos três dias. Foi um momento alegre e de uma leveza que as pessoas nem viram as horas passarem. O assessor, bem dinâmico e simpático, contribuiu para o bom entendimento do conteúdo e para a integração dos participantes.

A celebração de abertura da CF 2022 na Paróquia aconteceu na Comunidade do Sagrado Coração de Jesus, na sexta-feira, 4 de março, com presença de todas as 14 comunidades paroquiais, numa Celebração Eucarística, presidida por Dom Wilmar Santin, bispo da Prelazia de Itaituba. 

 

Foto: Pascom Sant’Ana (Itaituba – PA).

 

CF 2022 e animação da vida Pastoral 

Aproveitando a presença de Ércio Santos, tivemos a primeira mobilização da Pascom Paroquial, onde juntamos nove jovens interessados na comunicação, alguns deles empenhados na organização do Tríduo. O trabalho de reflexão da CF 2022 terá continuidade com Frei Raoul Bentes e uma equipe de lideranças, que visitarão as 14 comunidades da Paróquia durante o mês de março e início de abril. Concomitantemente ao trabalho de divulgação da CF, estamos também iniciando na Paróquia Sant’Ana, o processo da Escuta Sinodal. Mas este é assunto para uma próxima comunicação…

Frei Paixão, OFM

 

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Fraternidade e Educação Antirracista

Foto: Projeto OMULU – FORQS.

 

A Campanha da Fraternidade 2022 nos convida à reflexão sobre a “Fraternidade e a Educação”, sob a iluminação do lema extraído do livro dos Provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor”. Essa temática já foi refletida outras duas vezes em 1982 e 1998, todavia, vivenciamos um tempo marcado por um desmonte da educação e um fortalecimento de uma ignorância que não valoriza os saberes emancipatórios, a produção de conhecimento e a consciência crítica. 

Segundo Paulo Freire (2003), enquanto não superarmos a prática da educação como pura transferência de um conhecimento que somente descreve a realidade, bloquearemos a emergência da consciência crítica, reforçando assim o “analfabetismo” político. Temos de superar essa espécie de educação, se nossa opção é realmente revolucionária, por uma outra, em que conhecer e transformar a realidade são exigências recíprocas. 

Em Paulo Freire, a abordagem da educação não é unilateral. Não há uma relação linear de poder, mas um processo dialético em que educador e educando estão imersos numa aventura de descoberta compartilhada. Por isso é [a educação] uma concepção revolucionária, comprometida com a libertação humana (GAYATO, 1989, p. 12). 

Numa perspectiva fraterna/eclesial, o próprio Jesus se apresenta como aquele que educa numa narrativa linear e dialética ao se sentar com seus discípulos e ensiná-los (Mt 5,1). À luz da Palavra de Deus somos chamados a escutar, compreender, problematizar e transformar a realidade. Por isso, a pedagogia de Jesus caminha na contramão dos movimentos que silenciam e oprimem as pessoas. 

Entre tantos aspectos que envolvem a educação, este artigo tem por finalidade explicitar a importância da Fraternidade e uma Educação Antirracista, não obstante os clamores de todos e todas que foram vulnerabilizados por uma sociedade injusta, que marginaliza e destitui as pessoas de sua dignidade.

De acordo com a apresentação do manual da CF 2022, Educar é um ato eminentemente humano e, também, uma ação divina. Deus educa seu povo, caminhando com ele, compreendendo suas fragilidades, respeitando suas etapas e alertando seus erros. Diante de tal afirmação, cabe-nos lembrar que vivemos num país marcado pela desigualdade, em que poucos têm acesso a uma educação de qualidade, libertadora e fraterna. Educar é contribuir para a superação do pecado. Uma Educação Antirracista combate o pecado do racismo. 

A Fraternidade e a Educação Antirracista buscam, à luz da fé, anunciar uma vivência com equidade e oportunidade para todos e todas numa sociedade que denuncia toda e qualquer forma de racismo que marginaliza, violenta e mata. 

A Educação Antirracista combate diversas nuances da expressão do racismo, no ambiente educacional, nas relações fraternas do dia a dia ou no ambiente eclesial, informa-se e valoriza as diversas contribuições dos nossos ancestrais e dos povos africanos, afro-brasileiros e ameríndios nas áreas do conhecimento que contribuíram para o nosso país e para o mundo. 

Todas as crianças, adolescentes e adultos têm direito a uma educação de qualidade e inclusiva, baseada no reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos diversos povos que ajudaram a formar nossa sociedade multiétnica e multirracial. 

Nesse sentido, todos os setores da Sociedade e da Igreja, assim como cada cidadão e cidadã, cada cristão e cada cristã, são agentes indispensáveis na tarefa de assegurar a inclusão equânime de todos os grupos sociais nos processos de desenvolvimento do país. Segundo o documento “Indicadores da qualidade na educação: Relações raciais na escola”, elaborado pela “Ação Educativa”, em parceria com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), isso só será possível por meio da universalização de uma educação antidiscriminatória e de qualidade”. 

 

Foto: Projeto OMULU – FORQS.

 

Educação Antirracista

Educação Antirracista é antes de tudo uma ação, uma abordagem educativa que vai além dos espaços das escolas e universidades na busca por coibir a disseminação de discursos racistas e preconceituosos. A ideia é valorizar a identidade das diferentes nacionalidades e assim proteger pessoas pretas, sobretudo, as crianças que são vítimas de racismo desde cedo. 

Por isso é urgente uma Educação Antirracista e Decolonial que dialogue com a realidade social, cultural, econômica e eclesial, que revele o quanto uma melhor compreensão do ser humano só é possível de forma transversal e conjunta, rompendo com dicotomias históricas inerentes ao processo colonizador. 

Adotar a Educação Antirracista nas escolas e no ambiente eclesial significa examinar opções não apenas relacionadas às atividades extracurriculares ou formações para lideranças nas comunidades paroquiais, é preciso enfatizar a diversidade de representações em livros, murais, brinquedos e cargos. 

Segundo fontes do IBGE de 2018, pessoas não brancas têm menos acesso à educação. A taxa de analfabetização da população preta é de 9,1% contra apenas 3,9% da população branca. Já a proporção de pessoas com ensino médio completo é de 40,3% da população preta para 55,8% da população branca. Os dados tornam-se mais alarmantes quando pensamos na evasão escolar, mais de 13% dos estudantes pretos, pardos e indígenas abandonaram os estudos até 2019. De acordo com os dados do INEP, apenas 4,1% dos docentes são pretos, enquanto os docentes brancos somam 42%. Essa falta de representatividade de pessoas pretas no ambiente escolar, sobretudo nos cargos de direção e docência, leva as crianças pretas a entenderem subliminarmente que aquele não é o seu lugar. O mesmo fenômeno pode ser observado ao se considerar o número inexpressivo de padres, religiosos e religiosas pretos no ambiente eclesial. Tais fatores reafirmam, assim, o lugar de não identificação. 

Em entrevista com o frei João José de Jesus (2021), o frade relatou que ouviu de um padre que ele não poderia ser padre, porque ele era um homem preto. Numa Educação Antirracista, esse diálogo jamais existiria. O chamado vocacional na sua essência não atravessa a racialidade, mas, numa narrativa social/política, o chamado vocacional torna-se um ponto primordial na exclusão de pessoas pretas à vida religiosa. 

Todos esses dados nos mostram a ineficiência das escolas e da igreja em dialogar com os problemas das crianças e vocacionados/as não branco/as, protelando a identificação e punição das situações de racismo, que posteriormente apresentarão resultados discrepantes quanto à equidade racial do Brasil. 

Percebe-se, assim, o quanto é complexo o racismo estrutural que se inicia na nossa base escolar/educacional e catequética, revelando-se a importância de que os mais novos sejam emergidos numa Educação Antirracista. As escolas e as igrejas têm um papel fundamental na missão de interromper essa cadeia, trazendo o debate de uma Educação Antirracista para dentro das salas de aula e para os espaços eclesiais. 

 

Foto: Projeto OMULU – FORQS.

 

Considerações da CF no atual contexto

A Campanha da Fraternidade é um momento importante na vida da Igreja e da sociedade, seus objetivos e práticas devem tocar no cerne da nossa vivência cristã. Neste ano, a CF enfatiza a importância da educação integral, num olhar do ser humano como um todo, justificando para além da educação formal. 

Como sujeitos sociais, políticos, históricos e cristãos, somos chamados a nos comprometer com a democratização da sociedade e do conhecimento na superação de uma educação racista e uma pedagogia colonialista. Tais mudanças atravessam toda a população do país, reeducando a compreensão da violência e exigindo políticas públicas de igualdade racial no combate à falácia da democracia racial.

Trata-se, portanto, de um exercício de resgate de memórias e de revisão da maneira como contamos e compreendemos a nossa própria história.

 

– Texto: Renieverton Telles de Oliveira

– Fotos: Projeto OMULU – FORQS.

 

 

Renieverton Telles de Oliveira é licenciado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA/BH), bacharel em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA/BH) e pesquisador em questões Étnico-raciais e decolonialidade na vivência fraterna/eclesial e Teologia Negra. E-mail: freievertontelles@gmail.com

 

 

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FREIRE, Paulo. A alfabetização de adultos: crítica de sua visão ingênua; compreensão de sua visão crítica. In: Ação Cultural para a Liberdade: e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Arquivo PDF. Disponível em: http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/A%C3%A7%C3%A3o_Cultural_para_a_Liberdade.pdf. Acesso em: 17 de janeiro de 2022.