Foto: Projeto OMULU – FORQS.
A Campanha da Fraternidade 2022 nos convida à reflexão sobre a “Fraternidade e a Educação”, sob a iluminação do lema extraído do livro dos Provérbios: “Fala com sabedoria, ensina com amor”. Essa temática já foi refletida outras duas vezes em 1982 e 1998, todavia, vivenciamos um tempo marcado por um desmonte da educação e um fortalecimento de uma ignorância que não valoriza os saberes emancipatórios, a produção de conhecimento e a consciência crítica.
Segundo Paulo Freire (2003), enquanto não superarmos a prática da educação como pura transferência de um conhecimento que somente descreve a realidade, bloquearemos a emergência da consciência crítica, reforçando assim o “analfabetismo” político. Temos de superar essa espécie de educação, se nossa opção é realmente revolucionária, por uma outra, em que conhecer e transformar a realidade são exigências recíprocas.
Em Paulo Freire, a abordagem da educação não é unilateral. Não há uma relação linear de poder, mas um processo dialético em que educador e educando estão imersos numa aventura de descoberta compartilhada. Por isso é [a educação] uma concepção revolucionária, comprometida com a libertação humana (GAYATO, 1989, p. 12).
Numa perspectiva fraterna/eclesial, o próprio Jesus se apresenta como aquele que educa numa narrativa linear e dialética ao se sentar com seus discípulos e ensiná-los (Mt 5,1). À luz da Palavra de Deus somos chamados a escutar, compreender, problematizar e transformar a realidade. Por isso, a pedagogia de Jesus caminha na contramão dos movimentos que silenciam e oprimem as pessoas.
Entre tantos aspectos que envolvem a educação, este artigo tem por finalidade explicitar a importância da Fraternidade e uma Educação Antirracista, não obstante os clamores de todos e todas que foram vulnerabilizados por uma sociedade injusta, que marginaliza e destitui as pessoas de sua dignidade.
De acordo com a apresentação do manual da CF 2022, Educar é um ato eminentemente humano e, também, uma ação divina. Deus educa seu povo, caminhando com ele, compreendendo suas fragilidades, respeitando suas etapas e alertando seus erros. Diante de tal afirmação, cabe-nos lembrar que vivemos num país marcado pela desigualdade, em que poucos têm acesso a uma educação de qualidade, libertadora e fraterna. Educar é contribuir para a superação do pecado. Uma Educação Antirracista combate o pecado do racismo.
A Fraternidade e a Educação Antirracista buscam, à luz da fé, anunciar uma vivência com equidade e oportunidade para todos e todas numa sociedade que denuncia toda e qualquer forma de racismo que marginaliza, violenta e mata.
A Educação Antirracista combate diversas nuances da expressão do racismo, no ambiente educacional, nas relações fraternas do dia a dia ou no ambiente eclesial, informa-se e valoriza as diversas contribuições dos nossos ancestrais e dos povos africanos, afro-brasileiros e ameríndios nas áreas do conhecimento que contribuíram para o nosso país e para o mundo.
Todas as crianças, adolescentes e adultos têm direito a uma educação de qualidade e inclusiva, baseada no reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos diversos povos que ajudaram a formar nossa sociedade multiétnica e multirracial.
Nesse sentido, todos os setores da Sociedade e da Igreja, assim como cada cidadão e cidadã, cada cristão e cada cristã, são agentes indispensáveis na tarefa de assegurar a inclusão equânime de todos os grupos sociais nos processos de desenvolvimento do país. Segundo o documento “Indicadores da qualidade na educação: Relações raciais na escola”, elaborado pela “Ação Educativa”, em parceria com a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), isso só será possível por meio da universalização de uma educação antidiscriminatória e de qualidade”.
Foto: Projeto OMULU – FORQS.
Educação Antirracista
Educação Antirracista é antes de tudo uma ação, uma abordagem educativa que vai além dos espaços das escolas e universidades na busca por coibir a disseminação de discursos racistas e preconceituosos. A ideia é valorizar a identidade das diferentes nacionalidades e assim proteger pessoas pretas, sobretudo, as crianças que são vítimas de racismo desde cedo.
Por isso é urgente uma Educação Antirracista e Decolonial que dialogue com a realidade social, cultural, econômica e eclesial, que revele o quanto uma melhor compreensão do ser humano só é possível de forma transversal e conjunta, rompendo com dicotomias históricas inerentes ao processo colonizador.
Adotar a Educação Antirracista nas escolas e no ambiente eclesial significa examinar opções não apenas relacionadas às atividades extracurriculares ou formações para lideranças nas comunidades paroquiais, é preciso enfatizar a diversidade de representações em livros, murais, brinquedos e cargos.
Segundo fontes do IBGE de 2018, pessoas não brancas têm menos acesso à educação. A taxa de analfabetização da população preta é de 9,1% contra apenas 3,9% da população branca. Já a proporção de pessoas com ensino médio completo é de 40,3% da população preta para 55,8% da população branca. Os dados tornam-se mais alarmantes quando pensamos na evasão escolar, mais de 13% dos estudantes pretos, pardos e indígenas abandonaram os estudos até 2019. De acordo com os dados do INEP, apenas 4,1% dos docentes são pretos, enquanto os docentes brancos somam 42%. Essa falta de representatividade de pessoas pretas no ambiente escolar, sobretudo nos cargos de direção e docência, leva as crianças pretas a entenderem subliminarmente que aquele não é o seu lugar. O mesmo fenômeno pode ser observado ao se considerar o número inexpressivo de padres, religiosos e religiosas pretos no ambiente eclesial. Tais fatores reafirmam, assim, o lugar de não identificação.
Em entrevista com o frei João José de Jesus (2021), o frade relatou que ouviu de um padre que ele não poderia ser padre, porque ele era um homem preto. Numa Educação Antirracista, esse diálogo jamais existiria. O chamado vocacional na sua essência não atravessa a racialidade, mas, numa narrativa social/política, o chamado vocacional torna-se um ponto primordial na exclusão de pessoas pretas à vida religiosa.
Todos esses dados nos mostram a ineficiência das escolas e da igreja em dialogar com os problemas das crianças e vocacionados/as não branco/as, protelando a identificação e punição das situações de racismo, que posteriormente apresentarão resultados discrepantes quanto à equidade racial do Brasil.
Percebe-se, assim, o quanto é complexo o racismo estrutural que se inicia na nossa base escolar/educacional e catequética, revelando-se a importância de que os mais novos sejam emergidos numa Educação Antirracista. As escolas e as igrejas têm um papel fundamental na missão de interromper essa cadeia, trazendo o debate de uma Educação Antirracista para dentro das salas de aula e para os espaços eclesiais.
Foto: Projeto OMULU – FORQS.
Considerações da CF no atual contexto
A Campanha da Fraternidade é um momento importante na vida da Igreja e da sociedade, seus objetivos e práticas devem tocar no cerne da nossa vivência cristã. Neste ano, a CF enfatiza a importância da educação integral, num olhar do ser humano como um todo, justificando para além da educação formal.
Como sujeitos sociais, políticos, históricos e cristãos, somos chamados a nos comprometer com a democratização da sociedade e do conhecimento na superação de uma educação racista e uma pedagogia colonialista. Tais mudanças atravessam toda a população do país, reeducando a compreensão da violência e exigindo políticas públicas de igualdade racial no combate à falácia da democracia racial.
Trata-se, portanto, de um exercício de resgate de memórias e de revisão da maneira como contamos e compreendemos a nossa própria história.
– Texto: Renieverton Telles de Oliveira
– Fotos: Projeto OMULU – FORQS.
Renieverton Telles de Oliveira é licenciado em Filosofia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA/BH), bacharel em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA/BH) e pesquisador em questões Étnico-raciais e decolonialidade na vivência fraterna/eclesial e Teologia Negra. E-mail: freievertontelles@gmail.com
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FREIRE, Paulo. A alfabetização de adultos: crítica de sua visão ingênua; compreensão de sua visão crítica. In: Ação Cultural para a Liberdade: e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Arquivo PDF. Disponível em: http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/A%C3%A7%C3%A3o_Cultural_para_a_Liberdade.pdf. Acesso em: 17 de janeiro de 2022.