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1º Domingo do Advento

Ilustração: Fábio Vasconcelos, OFM

Uma profissão que quase não existe mais é a de oleiro. Mesmo assim, ainda se encontra pessoas que fazem vasos de barro usando métodos antigos. Alguns anos atrás encontrei um oleiro numa feira de artesãos. Fiquei observando enquanto o oleiro fazia um vaso de barro. Ele pegou uma bola de barro e colocou num torno, uma roda que girava com a força dos seus pés. Em pouco minutos, o oleiro moldava aquele barro e com os dedos de artista, transformava o barro num vaso. Ele metia a mão no meio do barro para fazer um buraco e aos poucos o vaso ia tomando forma. Depois, com um instrumento chato, fazia desenhos no vaso. Cada vaso era diferente conforme a criatividade do oleiro e a maneira que ele trabalhava o barro.
Ao escutar as palavras do profeta Isaías, me lembrei do oleiro que fazia vasos de barro: “Senhor, tu és nosso Pai, nós somos barro; tu nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64, 7). É Deus, com seus dedos de artista, que nos molda. Mas há uma diferença entre o barro nas mãos do oleiro e nós, nas mãos de Deus. Enquanto o barro não tem vontade própria e é moldado sem resistência, nós precisamos nos deixar moldar.
O tempo de Advento, que iniciamos hoje, é esta grande oportunidade para deixar que sejamos moldados por Deus. A primeira coisa é lembrar que o Advento é tempo de espera. Mas nossa espera não é de ficar de braços cruzados aguardando que algo aconteça. Pelo contrário, nossa espera precisa ser de ação e não de acomodação. Para isto é preciso a vigilância, como disse Jesus no evangelho: “O que vos digo, digo a todos: vigiai” (Mc 13, 37).
Para sermos moldados por Deus, precisamos ficar atentos, porque não sabemos quando chegará o momento. Vigiar é lembrar que toda a vida cristã é um caminho no qual precisamos nos converter para as ações de bondade e solidariedade sendo sinais do amor de Deus no mundo.
Vigiar também é reconhecer que como cristãos enfrentamos muitas dificuldades e somos pressionados por propostas atraentes e enganosas. Nós, como servos vigilantes, precisamos vencer o egoísmo pela prática do amor e do serviço. É na vivência da comunhão fraterna em comunidade que somos moldados por Deus.
Vigiar é também lembrar que precisamos ser responsáveis pela casa de Deus que é o nosso mundo. Estamos diante de uma situação em que se usa muitos agrotóxicos, veneno na agricultura e nestes últimos tempos o fogo com muita fumaça no ar. Tudo isso causa muitos danos à natureza e à vida da humanidade. Cuidar da vida, respeitar a natureza, defender os direitos dos povos originários e das suas culturas é ser moldado por Deus.
São Paulo nos lembra que é Deus que nos dá perseverança em nosso procedimento irrepreensível até o dia de nosso Senhor. Ter um procedimento de diálogo e entendimento na família, agir com honestidade e ética no trabalho e praticar a partilha com os necessitados é ser o empregado responsável e cumprir a tarefa confiado. É este servo que espera o Senhor dando testemunho dos dons recebidos. Pela perseverança no testemunho e na vivência da fé que o cristão é vigilante e é moldado por Deus.
Então Advento é o tempo para sermos moldados por Deus e, assim, nos tornemos obras de Deus. Para isto lembramos que o tempo de Advento tem dois sentidos. Nas primeiras duas semanas, vigilantes e alertas, somos lembrados a esperar a segunda vinda de Jesus no final dos tempos; e nas últimas duas semanas, lembrando a espera dos profetas e Maria, preparamos mais especialmente o nascimento de Jesus em Belém.
Durante todo este tempo de Advento ficamos então na espera, não parados ou despreparados, mas pelo nosso compromisso de fé, na vigilância e na ação. Como o barro é moldado nas mãos do oleiro sem resistência, nós também queremos ser moldados por Deus como servos atentos e vigilantes. Através da criatividade de Deus, somos vasos que carregam um tesouro de valor inestimável, continuamos nossas tarefas e trabalhos como de sempre, mas agora de uma maneira diferente, com o nosso procedimento irrepreensível, confirmados pela graça de Deus e chamados à comunhão com Jesus Cristo, nosso Senhor.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Referências:

BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. 

A Fé Compartilhada – Pe. Luís Pinto Azevedo

Agosto_01-05

19º Domingo do Tempo Comum

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

Será que um pássaro cansa de voar ou um peixe de nadar? Parece que não, mas nós como seres humanos, cansamos. Pode ser o cansaço físico, pois quando fazemos exercício ou muita força física naturalmente cansamos. Mas, existe outros tipos de cansaço. Uma tarefa difícil de realizar pode facilmente nos cansar, pois muitas vezes não conseguimos superar as dificuldades enfrentadas. As críticas ou falta de compreensão dos outros também nos cansam porque sentimos o peso da rejeição e da perseguição.  Emocionalmente, podemos ficar cansados quando todos os dias precisamos enfrentar situações que parecem sem solução: um filho viciado em drogas, um casal que não supera a divisão, uma intriga entre pessoas… O cansaço faz parte da vida todos os dias e quando cansamos ficamos desanimados ao ponto de querer desistir. É justamente nesta hora que precisamos tomar uma injeção de ânimo, retomar o caminho e descobrir a razão da nossa existência.

O profeta Elias cansou na missão. Por causa da sua missão profética e da sua fidelidade ao projeto de Deus, Elias foi perseguido pela rainha Jezebel que decretou a sua morte. Ele fugiu da perseguição e caminhou longos dias e noites e, durante a caminhada, cansou. Estava exausto pelo calor do sol, pela fome e sede e a solidão do deserto. Desanimado não dava mais para aguentar e procurou um lugar para reavaliar sua missão. Ele foi atraído para o Monte Horeb, o lugar onde Deus selou a aliança com seu povo.  Lá ele pensou que Deus ia se manifestar de uma forma violento, no vento, no terremoto e no fogo, mas não foi assim, foi numa brisa leve quase imperceptível. Foi na brisa suave e leve que Deus fez Elias sair da sua caverna de solidão e cansaço para descobrir que é preciso escutar sua voz, superar o medo, retomar o caminho e continuar na missão.

No evangelho, Jesus mandou que seus discípulos seguissem na barca para o outro lado do mar. Jesus havia despedido a multidão depois de saciá-la com os pães e os peixes.  Jesus tinha dado uma grande lição de compaixão e, através do milagre da partilha, ensinou que é possível fazer a multiplicação. A barca representa a comunidade dos primeiros cristãos que estavam tentando viver uma nova proposta do Reino que Jesus ensinava pela sua palavra e prática. Mas, os discípulos enfrentavam a tempestade e o vento contrário de uma sociedade hostil que não somente rejeitava, mas também perseguia. Estavam cansados e abatidos, sem forças para continuar e começaram a duvidar se de fato Jesus ressuscitado estava presente entre eles. Será que Ele não seria simplesmente um fantasma? Jesus então se aproximou andando sobre o mar, sinal de que Jesus venceu o mundo, estava presente entre eles e mostrava que era preciso continuar apesar do cansaço: “Coragem, sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14, 27). Quando Pedro enfrentou também o mar não conseguiu superar o medo e o cansaço e afundou nas dúvidas e dificuldades. É justamente nesta hora do vento contrário e do cansaço que é preciso professar a fé: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus” (Mt 14, 33).

Podemos aprender várias lições da Palavra de Deus nesta liturgia de hoje. Em primeiro lugar, muitas vezes é o medo que causa nosso cansaço diante dos desafios que enfrentamos.  Individualmente sentimos o peso de viver de uma maneira coerente a nossa fé de cristãos. O medo está dentro de nós, pois não queremos perder o prestígio ou ser rejeitado pelos outros por causa do nosso compromisso de fé. São as tempestades e os ventos contrários que parecem nos afogar no mar do mundo provocando o cansaço e desanimo.

A comunidade também tem que ser sinal de vida e de compromisso no seguimento de Jesus. Nossas lideranças não podem ceder às tentações de desistir diante do cansaço. Estamos todos no mesmo barco com a missão de alcançar o outro lado do mar e não podemos esquecer da nossa responsabilidade de construir a comunidade baseada na prática dos valores do Reino: a justiça, a fraternidade, solidariedade e partilha.

Uma coisa é certa, nós podemos vencer o cansaço, o medo e o desanimo pela nossa participação ativa na comunidade e na Eucaristia. A voz de Deus está na brisa leve e imperceptível e não podemos deixar de ouvir.

Para vencermos as tempestades precisamos ficar atentos a mensagem de Deus que não vem no fogo e no terremoto, mas na brisa leve e suave. Elias escutou esta palavra e retomou o caminho da sua missão profética. As palavras de Jesus: “Coragem! Sou eu! Não tenham medo” são para nós hoje, pois Jesus continua presente nos dando força para vencer os ventos contrários e retomar o caminho da fé e do nosso compromisso de cristãos.

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

 


BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. Acesso em: 03 fev. 2022.

A Fé Compartilhada – Pe. Luís Pinto Azevedo

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3º Domingo da Páscoa

Para quem ama, a experiência da morte é muito dolorida. Perder um familiar, mãe, pai, filho, filha, esposa, marido ou até um amigo nos traz uma grande tristeza. Diante da morte, há um forte sentimento de perda e de saudade. Sentimos a ausência de uma pessoa querida, mas a saudade é mais que sentir a ausência, é experimentar um grande vazio e o desejo de ficar do lado da pessoa, de ter a pessoa fisicamente presente.

Mesmo sabendo que a morte é o destino da nossa existência, ficamos inconsolados com o fato que nunca mais teremos a pessoa amada do nosso lado.  Vivemos esta realidade durante a pandemia de COVID-19. Foi um momento em que a morte estava pairando sobre nós e o medo fez com que a possibilidade da morte se tornasse mais próxima. Mas é justamente nesta hora de dor, tristeza e de medo que a fé toma conta do nosso ser. A fé não somente nos consola, mas nos traz uma grande esperança de que a morte não tem a última palavra, pois a vida sempre é a vencedora.

Os discípulos estavam caminhando de Jerusalém a Emaús, uma caminhada de onze quilômetros, e invadiu no íntimo deles uma profunda tristeza. Experimentaram bem de perto a morte de Jesus e, com medo, fugiam de Jerusalém e no caminho conversavam sobre os últimos acontecimentos.  Embora estivessem no caminho, estava abandoando o Caminho.

Naquela conversa havia um sentimento de tristeza e saudade, um grande vazio dentro deles. Lembravam as ações de Jesus, um profeta poderoso em obras e palavras e que este Jesus, entregue nas mãos dos sumos sacerdotes, foi morto de uma maneira cruel, crucificado. As saudades era tantas que não eram capazes de reconhecer Jesus que começou a caminhar com eles, parecia um estranho.

Na conversa, Jesus falava das Escrituras e eles sentiam uma nova esperança com suas palavras. Foi quando entraram na casa e Jesus partiu o pão que os olhos deles se abriram e reconheceram Jesus, mas Ele desapareceu do meio deles. Diziam: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32).

Enquanto caminhava com eles, Jesus ressuscitado estava fisicamente presente e eles matavam as saudades pelo jeito que ele explicava para eles as Escrituras. Mas agora, na partilha do pão, Jesus desaparece, não há mais a necessidade da presença física de Jesus, pois ele continua presente entre aqueles que acreditaram através dos seguintes sinais:

Presente, primeiramente, na Palavra, pois Jesus não é somente o cumprimento das Escrituras, mas ele mesmo é a Palavra que habita entre nós. Na escuta e vivência desta Palavra é que experimentamos a sua presença entre nós.

Segundo, na Eucaristia, pois ao partir o pão, Jesus repete o gesto da última ceia e lembra que os discípulos devem fazer isto em sua memória. No pão partilhado na vida comunitária e no pão abençoado do seu corpo e sangue, a comunidade de crentes recebe o alimenta para viver a fé e Jesus continua presente dando-nos o alimento que precisamos para a missão. Na comunidade, a partilha do pão eucarística é também indicação do pão partilhado na vida comunitária. Quem vive a partilha, se compromete em comunidade, e na comunidade Jesus ressuscitado está presente.

Depois, na missão, pois os discípulos, ao reconhecer Jesus na partilha do pão, imediatamente saíram em missão para contar aos outros que viram o Senhor. Assim começa arder o coração, pois Jesus caminha com a comunidade que vive a missão.

Diante da situação atual que estamos vivendo, o evangelho do caminho de Emaús nos ensina uma grande lição: Jesus ressuscitado não é um “estranho”, mas é nosso companheiro no caminho que restaura nossa esperança e nos anima para a missão.

A primeira comunidade cristã não precisava mais da presença física de Jesus, pois acreditava que Jesus estava presente na Palavra, na partilha do pão e na vida em comunidade.  Jesus não somente caminhava com eles, mas continua caminhando conosco nos mesmos sinais.

Podemos dizer que Jesus, ao caminhar junto, manifesta a solidariedade com todos aqueles que andam tristes e abatidos pelos acontecimentos. A presença de Jesus ressuscitado nos fortalece e nos encoraja também neste momento de dúvidas e incertezas, pois esta presença nos dá a certeza de que fomos resgatados, “não por meio de coisas perecíveis como a prata e o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo” (1Pd 1, 18-19).

É por isso que temos esperança de que podemos vencer as garras da morte, do mal e do medo. Cristo continua presente entre nós, e nós, comprometidos na comunidade podemos viver a certeza da ressurreição mesmo diante dos sinais da morte presente no mundo de hoje. Temos, portanto, os mesmos sentimentos dos discípulos que fizeram o encontro com Jesus no caminho:  “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras”.

Frei Gregório Jorieght, OFM

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Domingo da Páscoa

Nós somos cercados por sinais! Todos os dias usamos sinais para ajudar na comunicação e nos nossos afazeres. Um sinal de trânsito, por exemplo, serve para nos orientar nas estradas, para não errar o caminho e nem correr o risco de um acidente. Usamos sinais com nossas mãos para comunicar algo para as pessoas e dizer o que precisamos ou expressar um sentimento. Na Bíblia os sinais indicam que Deus está realizando algo que não é percebido por quem não faz a experiência de fé e amor. Estes sinais não são provas lógicas ou argumentos, mas apontam para uma nova realidade para quem tem fé e vive o amor.

No final da leitura do evangelho de hoje, o discípulo amado ao entrar no túmulo, “viu e acreditou, de fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura”. O que ele viu? A pedra retirada, o túmulo vazio e os panos enrolados à parte. São sinais!

Para compreender estes sinais, vamos olhar para o início deste evangelho. Foi Maria Madalena que foi primeiro ao túmulo, bem de madrugada. Ela representa toda a comunidade que não podia acreditar, pois diante da ausência do corpo de Jesus, ela diz: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20, 2b). Ela e a comunidade procuram uma explicação para o sinal do sepulcro vazio.

Podemos lembrar os acontecimentos e por aquilo que a comunidade passou:

Eram pessoas pobres e simples que seguiram Jesus, acreditavam na sua palavra e nos seus sinais, apostaram no seu projeto, por isso eram capazes de deixar tudo.

Participaram da ceia quando Jesus repartiu o pão e o cálice, lavou os pés e mostrou o caminho do amor pelo sinal da partilha. Foram tocados pelo ensinamento do amor e da promessa do Espírito Santo.

Mas, de repente, viram Jesus condenado, torturado e morto na cruz. Não só a morte de alguém que eles amavam, mas o fim do projeto de esperança, da possibilidade da libertação e da realização das promessas de Deus. Parecia que o sinal da vida era vencido pela morte.

Diante disto, foi o discípulo amado que correu mais depressa ao sepulcro, ele viu e acreditou. Ele foi o discípulo que Jesus amava e foi justamente o amor que o fez correr mais depressa. Então ele representa a comunidade que não compreende, mas, ao mesmo tempo, é capaz de acreditar que o amor é mais forte que a morte. A explicação para o sepulcro vazio é justamente a vitória da vida.

Assim, o sinal da ausência de Jesus no sepulcro se tornou uma oportunidade para acreditar. Foi a partir deste sinal que os discípulos compreenderam que Jesus ressuscitou e seu projeto de amor venceu. Assim, os sinais da ressurreição são justamente os sinais de fé e amor. Foi a fé e o amor que venceram o poder romano que condenou Jesus a morte, o amor é mais forte que a violência. A fé e o amor venceram os fariseus que não podiam acreditar na superação da Lei. A fé e o amor venceram a sociedade que exclui os pobres, os aleijados e leprosos, pois em Jesus todos têm esperança de vida nova. Foram estes os sinais do amor que o discípulo viu e por isso acreditou. Assim a comunidade testemunhou e começou a pregar, a viver o projeto que Jesus anunciava e viver os sinais da ressurreição.

Nós também somos capazes de acreditar na ressurreição que significa não simplesmente superar dúvidas de fé, mas manifestar os sinais da ressurreição. E o maior sinal da ressurreição é o amor.  O amor que vence a sociedade violenta em que vivemos e é capaz de viver a solidariedade, mesmo nos momentos de dificuldade e sofrimento de tantas pessoas que enfrentam o flagelo da fome. É este amor que vence as desigualdades sociais, a miséria, a pobreza e é capaz de viver a partilha com os mais necessitados. É este amor que vence a destruição da vida e da criação, capaz também de respeitar toda a vida e promover ações de justiça e fraternidade. Enfim é o amor que vence a morte e a fé que vence as dúvidas.

Então, nós somos o discípulo amado, capazes de correr, viver o amor e manifestar os sinais da ressurreição. Por isso, lembramos a resposta do salmo de hoje: “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos”.

Frei Gregório Joeright

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Segundo Domingo do Advento

Todos nós já tivemos a experiência de andar por um caminho e são vários os tipos de caminho. Aqui na Amazônia há muitos caminhos: há caminhos fechados por meio da mata, que só dá para andar em fila indiana; há o caminho do rio que é largo, mas no tempo da seca é preciso conhecer o canal, senão pode encalhar; há caminhos na cidade que normalmente são as praças e onde não tem grama, pois o povo faz atalhos e assim cria caminhos. Toda caminhada exige decisões por onde vamos andar. É sempre preciso escolher nossos caminhos com cuidado, pois pode ser um caminho mais curto, mas cheio de buracos e, por isso, às vezes é melhor o caminho mais longo, pois teremos a garantia de chegar. Podemos dizer que a vida é um caminho, pois todos os dias temos diante de nós vários caminhos à nossa disposição e é preciso escolher qual vamos seguir.

Advento, por exemplo, é um caminho em preparação para o Natal. Nas notícias falam já sobre as previsões do Natal. Será bom ou ruim conforme as vendas no comércio. O Natal se torna uma grande festa do consumo e se perde o verdadeiro sentido do nascimento de Jesus. O Evangelho apresenta um outro caminho. A figura de João Batista representa o caminho do anticonsumo, pois vestia roupa de pele de camelo, comia gafanhotos e andava no deserto. A pregação de João é mudança de vida e transformação: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? Produzi frutos que provem a vossa conversão” (Mt 3, 7-8). Para João não basta ser “filho de Abraão”, é preciso a mudança de mentalidade e da maneira de pensar e agir. Em outras palavras, não basta ser batizado, nós como cristãos precisamos trilhar o caminho do bem, praticar os valores do evangelho e viver de acordo com os dons do Espírito que recebemos no batismo: “Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com Espírito Santo e com fogo” (Mt 3, 11). 

Esta mudança de vida e de ação nos traz uma grande esperança. O profeta Isaías fala da vinda do Messias que vai reavivar nossa esperança: “Naqueles dias, nascerá uma haste do tronco de Jessé, surgirá um rebento de uma flor” (Is 11, 1). É desta esperança que nascerá também um novo mundo e a criação retornará à sua origem como desejada por Deus: “A vaca e o urso pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha como o boi; a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa; e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente” (Is 11, 7-8). O profeta ainda confirma que “não haverá danos e nem morte”. Será uma nova criação.

Qual o caminho que vamos escolher neste Natal? Advento não é o tempo de preparar os presentes, a comida e as festas, mas é o tempo de caminhar no encontro pessoal e comunitário com Jesus. E esta caminhada exige mudança de mentalidade, de pensamentos e ações.

É uma mudança que nos leva a nadar contra a correnteza, embora seja mais forte que a do Rio Amazonas. Significa produzir os frutos de justiça e paz diante de um mundo de ódio e injustiça, pois “o machado já está na raiz das árvores”.  Natal é escolher o caminho da transformação e não de consumo e festas. Escolher este caminho significa: praticar a partilha através do Natal Solidário cujo objetivo é dar às famílias mais necessitadas cestas básicas; reconhecer nossa responsabilidade na missão de evangelizar pela nossa oferta na Campanha da Evangelização promovida pela CNNB todos os anos neste tempo de Advento; é celebrar junta a Eucaristia onde pelo compromisso de fé não somente relembramos o nascimento de Jesus, mas fazemos com que este mesmo Jesus continue nascendo entre nós para nos devolver a nossa esperança do Reino de acordo como o plano criador de Deus nosso Pai. 

São muitos os caminhos na nossa frente e com muitos perigos, alguns são estreitos, outros tortos e outros largos, mas neste Advento precisamos trilhar um novo caminho de conversão e transformação, pois “Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga” (Mt 3, 12).

 

Frei Gregório Joerigth, OFM

 


Referências:

BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. Acesso em: 03 fev. 2022.

A Fé Compartilhada – Pe. Luis Pinto Azevedo

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Solenidade da Santíssima Trindade

Imagem: Frei Fábio Vasconcelos

Talvez a definição mais bonita, mais fácil e mais acessível à nossa compreensão humana de Deus é a afirmação de que “Deus é Amor” (Cfr. 1Jo 4, 7-15). Trata-se de uma afirmação que expressa uma profundidade infinita.  Buscar compreender o mistério de Deus, como se revela em nossa fé cristã, implicará sempre num mergulho profundo na realidade divina, cuja presença luminosa podemos apenas pressentir, como que às apalpadelas – para usar a expressão do Apóstolo Paulo – tocando nos sinais de que Deus nos permite ver e sentir, sobretudo aqueles que são frutos do Seu amor imenso por nós. A maior destas provas de amor é o próprio Filho Unigênito, doado pelo Pai para a salvação do mundo (Cfr. Jo 3, 16). O mistério de Deus não pode ser apropriado e contido por ninguém. Não cabe nos limites da nossa inteligência e compreensão. Diante do mistério insondável de Deus nos sentimos pequenos como um grãozinho de areia na margem do oceano ou como um pontinho bruxuleante no universo infinito: podemos somente contemplar e mergulhar em êxtase nestes espaços imensos, que nos fascinam tanto!

Celebrar o nosso Deus como Trindade Santíssima é festejá-lo como expressão sublime e completa do Amor. É celebrar Deus que se revela próximo da humanidade e que se identifica conosco, que busca se manifestar a partir da nossa interioridade, do nosso coração, estabelecendo uma relação pessoal conosco e agindo no mundo através de nós.  Deus é o único Bom, nos ensina Jesus, e sopra e age onde quer. Todos os gestos de amor, de bem, de bondade, de unidade, de paz e tudo o que é bom tem sua fonte e origem em Deus. Não é mérito nosso.

A sabedoria divina, manifestada desde a criação do mundo, no Verbo que se fez carne, no amor de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (Cfr. Rm 5, 1-5), nos revelam a realidade maravilhosa do nosso Deus, uno e trino. Deus que se faz pequeno para habitar em nós, fazendo de nós sua morada e nos inspirando também a amar a todos e a buscar sempre a unidade. Só em Deus existe a perfeita unidade. Só mergulhados nesta maravilhosa experiência do Amor, podemos superar as divisões e desigualdades entre nós, seres humanos, e nos humanizar a partir da nossa experiência de Deus, contemplado seu mistério como fonte de toda unidade. Talvez, tentando simplificar para entender melhor o mistério, possamos dizer que a Santíssima Trindade é a melhor e mais perfeita comunidade. Deus é amor! Quem ama, conhece a Deus, porque Deus é Amor! Para haver amor, é sempre necessário haver um eu, um tu e um nós! A vida fraterna em comunidade será sempre uma mediação indispensável para a experiência genuína do Deus-Amor e o conhecimento verdadeiro do Deus Uno e Trino.

Frei Edilson Rocha, OFM

janeiro 01

Tapiri da Palavra: 4º Domingo do Tempo Comum – Ano C

Todos os dias, desde a hora que nós levantamos, estamos realizando ações. Podemos perguntar: de onde vem as ações que fazemos? O que nos motiva a agir da maneira que agimos? De fato, há vários motivos para as nossas ações.
Uma primeira coisa são nossos hábitos. Sempre fazemos a mesma coisa do mesmo jeito todos os dias e, portanto, nossas ações são determinadas pelos nossos hábitos. Agimos também pelos nossos impulsos. É o desejo ou a emoção do momento que nos impulsiona a agir. Ao mesmo tempo, há muitas influências nas nossas vidas e, por não querer ir ao contrário dos outros ou de certos conceitos na sociedade, agimos de acordo com aquilo que os outros pensam e a pressão do grupo do qual pertencemos. Existe também a mal e agimos por causa da nossa própria maldade. O mal que está dentro de nós nos leva a cometer pecados. Pelo outro lado, agimos também pelos compromissos que temos. Por causa de nossas responsabilidades muitas vezes fazemos coisas que talvez nem sejam da nossa própria vontade. Finalmente, agimos por causa da fé que temos em Deus. Pela escuta da Palavra de Deus, somos motivados a fazer o bem aos outros. A fé nos faz agir com amor e solidariedade.
O profeta Jeremias escutou a Palavra de Deus e entendeu que a sua maneira de viver e agir só podia ser conforme a vontade de Deus: “Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio da tua mãe, eu te consagrei e te fiz profeta das nações” (Jr 1, 5). Jeremias recebeu a missão de comunicar a palavra de Deus e ele não podia fugir. É o profeta que entendeu que Deus tomou conta da sua vida e não tem como escapar. O seu agir não foi determinado por influência dos outros e nem pelos pensamentos da maioria, mas de acordo com sua fé e seu desejo de fazer a vontade de Deus. Assim ele recebeu a promessa de proteção: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 1, 19).

Podemos ver isso também na leitura do evangelho de hoje que é uma continuação do evangelho da semana passado. Jesus disse: “Hoje se cumpriu as escrituras que vocês acabam de ouvir” (lc 4, 21). Jesus assumiu a missão de proclamar o “ano da graça” e anunciar a Boa Nova aos pobres pela força do Espírito. Mas a partir desta missão Jesus é perseguido. “Não é este o filho de José?” (Lc 4, 22). Eles queriam jogar Jesus no precipício porque não podiam aceitar as suas palavras e as suas ações. Justamente é o profeta que não é aceito por causa do seu compromisso de fé e sua prática de acordo com a Palavra de Deus. Por isso, o profeta reconhece que é chamado por Deus, tem certeza da sua missão e é capaz de continuar seu caminho, apesar da rejeição dos outros, exatamente como Jesus fez: “passando pelo meio deles, continuou no seu caminho” (Lc 4, 30).
Na cidade de Corinto, o povo achava que era muito bonito falar em línguas e fazer profecias. Era a moda e a maneira de receber elogios e fama. Mas São Paulo escreve bem claro que pode falar em línguas, receber elogios e ser famoso, mas é como um “bronze que soa ou um címbalo que retine”, não vale nada se não tiver o amor. Para Paulo é a Palavra de Deus que deve motivar a nossa ação e não a influência dos outros e nem os aplausos, pois o verdadeiro profeta vive de acordo com o compromisso de fé.
Com certeza, há muitas coisas que motivam as nossas ações. Mas para nós, que temos fé, é a Palavra de Deus que deve ser a maior motivação nas ações que fazemos. Isto quer dizer que, muitas vezes, precisamos quebrar a influência dos outros, ou, a nossa própria maldade e nossos impulsos para sermos coerentes com aquilo que acreditamos. Com certeza, não é fácil, é preciso estar atento a Palavra, é preciso a oração e é preciso o compromisso de fé pela força do Espírito. Mas, é possível agir de acordo com a Palavra, pois temos a promessa que Deus está do nosso lado: “Eu te transformarei hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro e num muro de bronze contra todo o mundo…” (Jr 1, 18). É a garantia para todo aquele que se torna profeta e faz a vontade de Deus.

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

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O caminho da missão é seguir, para permanecer no caminho de Jesus

Homilia proferida no dia 16 de janeiro de 2022, em Terni – Itália, pelo ministro geral da Ordem dos Frades Menores.

 

Ouvimos as palavras de São Paulo em 1Cor 4,9: “Creio que Deus colocou a nós, apóstolos, em último lugar, como condenados à morte, pois nos tornamos um espetáculo para o mundo, para os anjos e aos homens”. O apóstolo reconhece uma condição de humilhação como característica do ministério: nossa força, de fato, é o poder de Deus agindo em nós, fracos e pequenos.

O Evangelho de Mt 10,16 nos diz com igual clareza: “Eis que vos envio como ovelhas no meio de lobos; sede portanto (…)”. Jesus não nos envia para vencer e triunfar, mas para nos entregarmos radicalmente desarmados ao poder do outro. O caminho é aquele traçado pelo próprio Jesus, que se entregou aos seus inimigos, deixando-os fazer com Ele o que quisessem.

São Francisco caminhou nesta lógica do Evangelho. Ele viu a presença e o trabalho dos frades como arautos do Evangelho, citando Mt 10,16 no capítulo 16 da Regra não-bulada quando permite que os frades “que por inspiração divina queiram ir entre os sarracenos e outros infiéis” de irem. É precisamente com esta palavra que São Francisco viu a missão. E no mesmo capítulo diz aos frades que “permaneçam sujeitos a toda criatura humana por amor de Deus e confessem ser cristãos”.

O missionário cristão é aquele que se expõe às profundezas do Evangelho antes que aos homens. Quanto mais vulnerável ele for ao evangelho e sua lógica inversa, mais os outros poderão fazer com ele o que quiserem. Novamente Francisco, no mesmo capítulo, diz aos frades: “lembrem-se de que entregaram e abandonaram seus corpos a Nosso Senhor Jesus Cristo. E por seu amor devem se expor a inimigos visíveis e invisíveis”.

Aqui está a sabedoria da cruz que derruba todo cálculo humano. Para São Francisco, o valor do homem não está em sua força. Vamos ouvi-lo:

Do mesmo jeito, se fosses mais bonito e mais rico do que todos e mesmo que fizesses maravilhas, espantando demônios, tudo isso te é contrário, e nada te pertence e de nada podes gloriar-te; mas disto podemos gloriar-nos: de nossas fraquezas (cf. 2Cor 12,5) e de carregar todos os dias a santa cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Lc 14,27).” (Adm 5,7-8)

 

Para Francisco, o estilo evangélico de sua vida e de seus irmãos é a primeira forma de evangelização. Só um cristão que se deixou transformar pela lógica da Cruz pode anunciar verdadeiramente o Evangelho, deixando-o encarnar-se em nós, e por isso pode ser uma palavra crível para os outros. Na Admoestação VI, São Francisco volta a isso e confirma:

“Olhemos todos atentamente, irmãos e irmãs, para o bom pastor que para salvar as suas ovelhas (cf. Jo 10,11; Hb 12,2) sustentou a paixão da cruz. As ovelhas do Senhor o seguiram na tribulação e perseguição (cf. Jo 10, 4), na ignomínia e na fome (cf. Rm 8,35), na doença e na tentação e em outras coisas semelhantes; e em troca recebiam a vida eterna do Senhor” (Adm 6,1-2)

O caminho da missão é seguir, para permanecer no caminho de Jesus

Os Protomártires de nossa Ordem que hoje celebramos ao lado de suas preciosas relíquias, são irmãos que levaram esta palavra de forma radical, quase louca. Eles seguiram o Senhor no sofrimento e perseguição, na rejeição e até na violência física. Entraram tanto na conformação ao Cristo pobre e crucificado que desejam verdadeiramente estar com ele, como ele, seguindo a ele.

“Há em toda a espiritualidade franciscana original uma aspiração característica, a de imitação do Senhor, ao extremo”; ora, não se diz do Senhor que “se ofereceu a si mesmo porque o quis”? (Is 53,7) Ele mesmo não afirma: “…dou minha vida… Ninguém a tira de mim, mas eu dou espontaneamente…”? (Jo 10, 17-18) É verdade que “ninguém deve entregar-se espontaneamente à morte” (S. AUG., De civ. Dei, 1, 26; PL 41, 39), que “não se deve dar aos outros a oportunidade de agir injustamente” (Summ. Theol., ibid. II-II 124,1 ad 3); mas, como o próprio Bento XIV observa, referindo-se a casos semelhantes, pode haver situações em que, seja por impulso do Espírito Santo, seja por outras circunstâncias especiais, o arauto do Evangelho não tenha outro meio de abalar a infidelidade senão o de fazer do seu próprio sangue, a voz de um testemunho extremo. Testemunho sem dúvida paradoxal, testemunho de choque, testemunho vão, porque não foi imediatamente aceito, mas extremamente precioso, porque é validado pelo dom total de si mesmo; testemunho que põe em evidência suprema o que é o martírio. Deve ser imediatamente passivo; na linguagem hagiográfica é chamado de passio; mas nunca é sem aceitação voluntária e ativa; que no nosso caso prevalece e, portanto, brilha mais” (São Paulo VI, Homilia de 21 de junho de 1970).

O martírio dos nossos Protomártires é um ato de amor extremo e absoluto, vertiginoso, nas pegadas D’aquele que deu a vida pelos seus amigos, testemunhando assim, por um lado, a sua total fidelidade ao Pai e, por outro, a verdade de seu anúncio, comprovada pelo sangue. Assim, para seus discípulos, assim para nós. O martírio sela a verdade do Evangelho. A Eucaristia que celebramos está enraizada neste amor que se doa.

Os Santos Protomártires da Ordem cumpriram o desejo de martírio de Francisco, Clara e Antônio de Pádua, que na passagem das suas relíquias decidiu seguir a loucura do Evangelho.

Hoje nos lembramos deles. A memória torna-se contemporânea. A loucura desses frades colide com nossa mentalidade moderna, tão atenta à autopreservação, tão cética e desprovida de impulsos ideais, pronta a se satisfazer com uma mínima medida do humano.

Admiramos esses mártires, mas ao mesmo tempo nos sentimos distantes de sua força interior. Seu exemplo clama, abala nossa fé entorpecida, nossa incerteza, nossa hesitação. Eles nos provocam a redescobrir a coragem da verdade, que é Cristo, crucificado e ressuscitado.

Seu testemunho robusto nos faz uma pergunta difícil: como devemos nos relacionar com o mundo de hoje, com a sociedade que nos cerca? Temos que enfrentar o mundo em vez de ficar indiferente a ele? Devemos romper nossas relações com o tempo que vivemos e suas realidades contraditórias e múltiplas, com o risco de nos isolarmos e dificultar a missão? Esses protomártires queriam recusar seu tempo e se colocar fora dele? Se olharmos atentamente para o que os reconhecemos como sendo movidos por um amor forte e ao mesmo tempo ingênuo, animado por uma louca esperança. Eles realmente achavam que poderiam converter aqueles homens? Fizeram um cálculo errado, mas por amor, para beneficiar os outros, para pavimentar o caminho do Evangelho. Eles simplesmente rejeitaram e até odiaram o mundo muçulmano? Não, porque eles andavam entre aqueles homens de diferentes religiões e os amavam à sua maneira, querendo levar-lhes o amor de Cristo.

Por isso, à luz de seu exemplo, também podemos caminhar para apreciar como cristãos a ação de Deus em outras religiões, porque a Igreja nada rejeita do que é verdadeiro e santo nessas religiões. Considera com sincero respeito aqueles modos de vida, aqueles preceitos e doutrinas que muitas vezes refletem um raio daquela verdade que ilumina todos os homens (Nostra Eetate, 2, citada na Fratelli Tutti 277).

Ao mesmo tempo, recorda-nos o testemunho dos nossos Protomártires, como diz a Fratelli Tutti no n. 277, que “como cristãos não podemos esconder que ‘se a música do Evangelho deixar de vibrar em nossas entranhas, teremos perdido a alegria que brota da compaixão, a ternura que vem da confiança, a capacidade de reconciliação que encontra sua fonte no fato de saber-nos  sempre perdoar-nos. Se a música do Evangelho parar de tocar em nossas casas, praças, locais de trabalho, política e economia, teremos desligado a melodia que nos levou a lutar pela dignidade de todo homem’ [e mulher]. Outros bebem de outras fontes. Para nós, esta fonte de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo. Dele ‘nasce para o pensamento cristão e para a ação da Igreja o primado dado à relação, ao encontro com o sagrado mistério do outro, à comunhão universal com toda a humanidade como vocação de todos’”.

São sentimentos que nos levam a celebrar o Senhor nos Santos Protomártires da Ordem Franciscana. Sinto-me honrado por poder fazê-lo este ano aqui em Terni, junto às suas relíquias. São Francisco nos lembra novamente: “Por isso, é uma grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito essas obras e queremos receber glória e honra simplesmente contando-as!” (Adm VI, 3).

Não queremos apenas honrar sua memória, mas continuar a inspirar nossas vidas com seu exemplo, invocar sua proteção celestial para a Igreja, para esta terra da Úmbria de onde partiram, para toda a nossa família franciscana e para o mundo inteiro.

Fr. Massimo Fusarelli, ofm

Ministro Geral

Tradução: Frei Rômulo Canto, OFM

 

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Tapiri da Palavra: Segundo domingo do Advento – Ano C

A roupa que nós usamos diz muito sobre quem somos. Sem a gente perceber, a maneira que nos vestimos revela a nossa personalidade e como nós mesmos nos identificamos. Às vezes, usamos a roupa de acordo com a ocasião: roupa para o trabalho, para participar de uma festa ou a roupa que usamos para ir à igreja. Tem pessoas que usam roupa de grife ou da moda para “aparecer”, e outras pessoas que querem dizer uma mensagem com a roupa que usam. Existe também uma roupa específica para identificar quem somos: o bombeiro e o policial têm sua roupa; o médico usa uma bata; a professora tem seu uniforme, os alunos também.  Também trocamos a roupa para assumir várias identidades e até para nos identificar com uma causa ou com um acontecimento. Sim, a roupa que usamos diz muito sobre quem somos. 

O profeta Baruc diz: “Despe, ó Jerusalém, a veste de luto e de aflição, e reveste, para sempre os adornos da glória vinda de Deus. Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e põe na cabeça o diadema da glória do Eterno” (Br 5, 1-2). O povo é convidado a vestir uma roupa nova justamente para se identificar com o Projeto de Deus e assim, liberto do luto e da aflição, ser levado para uma nova terra onde reina o amor e a paz. O profeta convida para levantar e começar uma nova caminhada para transformar a realidade onde vai se abaixar altos montes e colinas e os vales serão aplainados. A roupa, o manto da justiça, identifica o povo que assume o compromisso no projeto de transformação e a glória de Deus habitará entre eles.   

No Evangelho escutamos sobre a maneira que João Batista se vestia, com pele de camelo, usava cinto de couro e comia gafanhotos. João é o precursor que vem proclamar a conversão e o perdão dos pecados. Essa maneira de se vestir e agir certamente não identificava João com a história oficial mencionada no início do evangelho, quando São Lucas fala dos que mantinham o poder político e religioso:  César, Herodes, Pilatos, Anás e Caifás.  João, que apareceu no deserto com sua maneira de vestir e agir, se identifica com este mesmo povo que caminhava no deserto à procura da libertação. Por isso, João faz um apelo ao povo: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas” (Lc 3, 4). Assim, lembrando as palavras do profeta Baruc, João anuncia que “Todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3, 6). 

Diante das leituras neste segundo domingo de Advento podemos perguntar: Qual é nossa identidade cristã e como nós nos identificamos como cristãos? Qual a veste que devemos usar neste tempo de preparação para o Natal? 

Primeiro, devemos endireitar as estradas. Nem sempre seguimos o caminho reto, indicado por Jesus. Aceitar o convite para a conversão significa viver o amor, a doação e o serviço aos outros e à comunidade. É preciso vencer os obstáculos do egoísmo e do pecado e endireitar as estradas tortuosas do mal para chegar no caminho de Deus. Devemos também reconhecer que existem muitos vales que nos separam uns dos outros. Podemos preencher estes vales na família, no trabalho, na escola e na comunidade por atos de solidariedade e compaixão que certamente vão nos unir. Muitas vezes somos tentados a nos exaltar, a querer ser maiores e melhores que os outros. Nosso orgulho e nossa autossuficiência nos impedem de nos aproximar dos outros e, portanto, de Deus. Precisamos endireitar os caminhos tortuosos por uma vida de retidão na simplicidade e humildade. Assim podemos abaixar os montes da separação. 

Certamente a nossa identidade com as pessoas vai além da roupa que usamos e das aparências, e do mesmo jeito, a nossa identidade cristã precisa ir além do fato que somos batizados. Vestir o manto da justiça significa que a nossa identidade como cristãos vai além das aparências quando as ações que praticamos mostram o que acreditamos.

Queremos que este tempo de Advento seja uma oportunidade de conversão, e que as palavras de João possam ressoar em nossa vida: “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mc 1, 15). Pela escuta destas palavras, somos convidados a nos despir da roupa da maldade, do egoísmo, do pecado e do comodismo para nos vestir com o manto da justiça e manifestar verdadeiramente nossa identidade cristã.

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

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Tapiri da Palavra: 25º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Como cristãos nós almejamos viver os valores do Evangelho e seguir fielmente Jesus. A igualdade, fraternidade e o espírito comunitário quando vivemos “uma só alma e um só coração” fazem parte destes valores. Mesmo assim, podemos dizer que a “sabedoria deste mundo” não está baseada nestes valores, mas na desigualdade. Na sociedade em que vivemos, existem pessoas mais importantes que outras e há alguns critérios que indicam quem é o mais importante diante dos outros. 

Uma pessoa mais importante é sempre aquela que tem muita riqueza. O dinheiro dá a impressão de grandeza e privilégio, tornando uma pessoa rica em alguém mais importante que os outros. Uma segunda coisa é o poder, pois quem manda nos outros se impõe, e quem manda também domina e deve ser obedecido. Mandar e dominar é ser importante. Finalmente, o prestígio e a fama são o caminho para aqueles que querem ser importantes. Atores de novela, jogadores, cantores, todos querem alcançar a fama e o prestígio. Quem alcança isto se torna famoso, e, portanto, mais importante que os outros. As pessoas importantes sempre têm o primeiro lugar, preferência de tratamento, mais respeito e consideração. Ser importante é ter privilégio e tudo isto é a sabedoria do mundo.   

As consequências desta lógica são muitas: na própria família isto cria divisões, conflitos, ciúme e até separações. Nesta situação há alguém que quer se impor e ser maior que os outros membros da família criando o clima em que um sempre quer ganhar o outro. É necessário lembrar que quando um ganha todos perdem. Na família não pode existir ganhador e perdedor, pois isto não é o amor. Também as consequências são evidentes no trabalho, onde existem discussões, críticas, ambições e rivalidades. A raiz de tudo isto é o desejo consciente ou inconsciente de ser o maior na busca de cargos, títulos, honrarias e elogios. Até na própria comunidade cristã existem conflitos pelo desejo de ser maior. São Tiago nos diz: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3,16).  

No evangelho de hoje, Jesus, pela segunda vez, começou a ensinar os discípulos: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará” (Mc 9, 30). Com certeza a morte de cruz era um escândalo, reservada para os marginalizados e excluídos, os menos importantes e os desprezados na sociedade. Com o seu ensinamento e sua prática, Jesus estava na contramão.   

Para os apóstolos este ensinamento não é compreendido, e, para eles, fora de qualquer possibilidade, pois ficaram em silêncio: “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9, 34). Justamente, esta falta de compreensão se manifestou no caminho, pois eles estavam confusos pela sabedoria deste mundo e queriam buscar a posição de maior importância. Em outras palavras, queriam ter o melhor lugar com as honrarias e privilégios dos mais importantes. Jesus então dá uma grande lição, “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” (Mc 9, 35). Para mostrar com mais clareza este ensinamento, Jesus pegou uma criança e colocou-a no meio deles e disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo” (Mc 9, 37).  Jesus usou o exemplo de uma criança porque a criança não tem riqueza e nem posses, não tem poder de mandar em ninguém e não tem nem fama e nem prestígio. Em outras palavras, não tem importância na sociedade. De fato, nós não admiramos uma criança pelo poder, riqueza e sabedoria humana, mas pela simplicidade e a transparência. E este exemplo que Jesus usou para mostrar como nós devemos viver neste mundo, não seguindo a sabedoria do mundo, mas a lógica de Deus e o seu Reino.  

Este gesto significativo de pegar uma criança, símbolo dos pequenos e indefesos, nos ensina uma grande lição: a grandeza e a importância do discípulo se manifestam quando ama, abraça e serve os pequenos e desprotegidos. Esse ensinamento também nos oferece critérios e orientações para as nossas ações diárias, jamais devemos agir orientados pela sabedoria do mundo, isto é, pela tentação do domínio sobre os irmãos, dos sonhos de grandeza, da conquista de honrarias e privilégios, de títulos e prestígios. O cristão deve colocar em prática o espírito de serviço e deve passar por um processo de mudança de mentalidade, renunciando aos esquemas e propósitos egoístas e aderindo à proposta de servir a todos, como servo de todos. Assim, não será a rivalidade, a inveja e a grandeza que vão orientar nossa vida, mas as palavras de Jesus: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou” (Mc 9, 37).

Frei Gregório Joeright, OFM