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Natal Munduruku: o fim de ano na Missão Cururu

Capela de Nossa Senhora da Conceição – Aldeia Primavera

 

Frei Edilson Rocha, Frei Fábio Vasconcelos e Frei Andrei Anjos estiveram do dia 23 de dezembro de 2021 a 04 de janeiro de 2022 na Missão São Francisco do Rio Cururu. Frei Edilson havia visitado as aldeias em outubro e com eles celebrado a festa do padroeiro da Missão. Desta vez teve a oportunidade de reunir com as lideranças, ouvir diversas pessoas do povo Munduruku, dar feedback para algumas demandas levantadas, conversar com as irmãs missionárias da Imaculada Conceição (SMIC), e também presidir os sacramentos da Eucaristia, Batismo, Reconciliação e Matrimônio. Frei Fábio e Frei Andrei retornaram à Missão depois de dois anos, local onde vivenciaram a experiência do ano fraterno pastoral em 2019.

Um clima de expectativa, próprio do Advento, embalou a viagem até o Cururu, que fica na terra indígena Munduruku, município de Jacareacanga – PA. A saída da cidade de Santarém ocorreu em 21 de dezembro e, ao chegarem em Itaituba, Frei Cândido Gean Akay – que estava indo para suas férias na sua terra natal, a Mundurukânia – somou-se ao grupo.

Em solo munduruku, os viajantes foram acolhidos pelas crianças da comunidade, uma característica da Missão. Para os frades, a sensação foi de que o próprio Menino de Nazaré veio ao seu encontro. Também no clima de recepção, encontraram-se com as irmãs Cláudia e Débora (SMIC), e as vocacionadas Leila Waro e Luciane Saw, que os aguardavam para mostrar-lhes sua estadia.

A aldeia se preparou não só para a chegada do “pain” (paĩ), mas para conjuntamente celebrar o Natal. Os irmãos indígenas prepararam toda a liturgia, incluindo os cantos e leituras, tudo para ter uma boa celebração. A igreja foi muito bem ornamentada para as liturgias natalinas, inclusive com um lindo presépio.

 

Crianças da Missão São Francisco contemplando o presépio

 

O Natal é a festa do encontro e festa das culturas reunidas, a troca de dons entre o céu e a terra. Estar na missão para celebrar o Natal é um presente, pois celebrar o Natal com os munduruku é uma grande oportunidade de sentir que o Verbo também se faz carne na Amazônia. O sentido da encarnação do verbo ganha um significado amazônico nessa experiência, pois Jesus se fez Curumim daqueles que brincam nas águas do Cururu e que se admiram com o lindo presépio da igreja.

Os frades celebraram a Noite e o Dia do Natal juntamente com as pessoas vindas de diversas aldeias do Rio Cururu, que marcaram grande presença nas celebrações. Os cantos e algumas partes da liturgia foram celebrados na língua Munduruku, um gesto que nos remete à Palavra que faz morada entre nós. Nas celebrações, o Evangelho é sempre proclamado na língua Munduruku por um Ministro da Palavra da comunidade.

As leituras da noite de Natal foram proclamadas pelos jovens da aldeia e um grupo encenou o Evangelho que narra o nascimento de Jesus. No momento da dramatização, uma criança colocou a imagem do Menino Jesus com traços indígenas no presépio. Comentando as leituras da celebração, Frei Edilson destacou que devemos ter o coração aberto para acolher Jesus que vem como criança. “Quem deixa Cristo nascer nas suas vidas, vai procurar colocar em primeiro lugar as pessoas que mais necessitam”, afirmou. Aqueles que abraçam o Menino Deus sempre saberão acolher os que vem ao seu encontro. O Natal é momento de alegria e esperança para todos os povos e isso se concretiza na mundurukânia. Ao celebrarmos o nascimento do Deus que vem até nós em um inocente bebê que nasce no desabrigo, nos traz uma grande alegria: o reacendimento das expectativas do povo. Que Deus dê a todos a alegria de viver e que o Natal seja todos os dias. Que cada uma das nossas casas seja como um presépio onde Jesus é acolhido e pode se manifestar.

 

 

Viver a Palavra que se fez carne

A tônica das leituras do dia de Natal foi a encarnação como anúncio da Palavra. O Verbo encarnado nos lança na proclamação da justiça e da paz do seu Reino. Foi nesta linha de pensamento que Frei Edilson expôs a homilia do dia de Natal. No começo da sua fala, refletiu o Evangelho proclamado à luz da importância da Palavra e da linguagem no viver humano (Prólogo do Evangelho de São João). Ele afirmou que é vital o aprendizado e o desenvolvimento da língua em uma cultura, não se pode deixar que esse aspecto importante se perca ao longo do tempo. Recordou que a presença de Jesus nos traz vida plena. Sendo a solenidade do Nascimento de Jesus um festejar da vida que nasce e que deve ser preservada, destacou a importância de preservar todas as formas de existência (todas as formas de vida).

Os Munduruku têm sido por séculos defensores da cultura, da natureza e do seu território. Hoje, muitos dos poderosos, como no tempo de Jesus, têm ameaçado a vida dos povos originários do Brasil. O Natal reacende em nós a consciência daquilo que precisamos para cultivar a paz. A leitura de Isaías, proclamada da liturgia daquele dia, recorda que a paz é um belo dom que deve ser buscado, o que também inclui a preservação da nossa Casa Comum.

Também recordamos que os Ministros da Palavra têm sido grandes anunciadores do Evangelho, e nesse mesmo dia fizeram uma reunião de planejamento de atividades com a presença de Frei Edilson. Foram celebrados oito batizados e um matrimônio no dia de Natal na Missão.

 

Batizados na Aldeia Primavera

 

A Família de Deus 

O dia 26, terceiro dia na Missão, foi marcado pela celebração da festa da Sagrada Família. Ao ter presente a figura de Jesus, Maria e José, recordamos a importância dos núcleos comunitários e familiares para acolher a vida nova que chega. Na homilia, Frei Edilson destacou que as crianças chegam até nós com a sua fragilidade e com a necessidade do cuidado. De forma similar, podemos observar a realidade da aldeia e compará-la às atuais ameaças do sistema de exploração.

Os Munduruku formam uma comunidade-família, de fato, uma numerosa família. Como em todo núcleo familiar, temos que acolher as diversidades e resolver no diálogo as nossas divergências, sempre visando o bem viver de todos(as). Com os olhos na família de Nazaré, nos colocamos a pensar nas relações internas entre as famílias, com suas mudanças em cada período histórico e o repasse geracional e refletir sobre o legado que as próximas gerações Munduruku receberão. Outro aspecto bem familiar é o da acolhida. Nas aldeias, sempre que um visitante chega, recebe um sinal de aconchego fraterno. Um dos temas bem frequentes nessa visita é a pergunta sobre a possibilidade dos frades ajudarem na realização de registros civis de casamento, uma demanda levantada desde outubro de 2021. Frei Edilson tem procurado os meios para viabilizar, juntamente com as instâncias competentes, os registros de casamentos civil.

 

Aldeia Primavera

 

Nas veias dos rios da Amazônia

Navegar pela Amazônia é fazer um processo de tornar-se um elemento na corrente dos rios, deixar-se mergulhar e enveredar por varadouros como componentes de um fluir dos rios que levam vida. Dentro das veias da Amazônia, que são os rios e suas ramificações, entramos em um processo de encarnação na realidade (ideia sonhada desde o Encontro dos Bispos em Santarém, em 1972). Assim, nossos missionários adentraram no devir do Tapajós, Cururu e seus afluentes. Logo ao chegar, algumas aldeias solicitaram a visita dos pains, entre elas Primavera, Santa Maria e Paxiúba. As liturgias no tempo do Natal foram celebradas na sede da Missão e nas visitas às demais comunidades indígenas.

No dia 27, os frades, irmã Débora e uma equipe missionária partiram para a Aldeia Primavera, que fica próxima da nascente do rio Tapajós. No caminho, o grupo parou em diversas aldeias ao longo do Cururu para deixar materiais para as celebrações da Palavra e uma imagem de Santa Clara para a aldeia Saw Muybu. No dia 28, celebraram com a comunidade e depois do almoço retornaram para a Missão. A subida do Rio Cururu para a aldeia Santa Maria foi feita na tarde do dia 29 de dezembro. Desta vez a equipe de missionários foi composta por Frei Edilson, Irmã Cláudia, Frei Andrei, Frei Gean, Frei Fábio e a vocacionada Leila Waro. Materiais de celebração também foram deixados nas aldeias. Na comunidade Bananal, uma imagem de Cristo Rei foi entregue para o povo.

Na manhã do dia 30, a aldeia celebrou a eucaristia com a participação de um bom número de pessoas. Na ocasião, realizou-se o matrimônio de dois jovens casais e em seguida o batizado de nove crianças. A visita foi igualmente uma oportunidade de rever algumas pessoas conhecidas, de conversar com os Ministros da Palavra e com as lideranças da aldeia. Depois do café comunitário partilhado, a equipe partiu de volta à Missão, com paradas para momentos de encontro e sacramentos nas aldeias Bananal, Muiussu e Pratati-Cajual. Esta segunda etapa da viagem foi de certa maneira uma “maratona” de celebrações, no bom sentido do termo. Na segunda parte deste relato veremos um pouco sobre como foram as celebrações do Ano Novo e da manifestação do Senhor.

 

Texto: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

Fotos: Frei Andrei Anjos, OFM e Frei Edilson Rocha, OFM.