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Missa de Natal é celebrada na Serra da Lua em Monte Alegre

Foto: Paróquia São Francisco – Monte Alegre (PA)

 

Celebrar é tornar conhecido e vivenciar algum acontecimento na vida que nos torna capazes de desfrutar de grandes emoções e experiências que ficam registradas na memória e no tempo. Natal é um grande momento quando não somente lembramos o nascimento de Jesus, mas atualizamos para os nossos dias a presença do Menino Jesus – Deus conosco – nas nossas vidas e comunidades.

Foi nos anos 80 quando os frades que residiam no município de Monte Alegre-Pará, sentiram o grande desejo de celebrar a Missa de Natal na Serra da Lua, um lugar de grande beleza situada no Parque Estadual, situado no município, e reconhecido hoje como patrimônio cultural e imaterial do planeta. Além de várias pinturas rupestres, existe uma caverna chamada de “Itatupaoca” que significa “casa de pedra onde Deus habita”. De fato, ao entrar na caverna, as pessoas sentem a grandeza de Deus diante da pequenez humana.

Naquele tempo, a celebração acontecia durante quase 4 anos, quando as comunidades ao redor do Parque se reuniam para participar de maneira especial, neste momento. Era uma grande celebração da vida e muitas pessoas saíam de suas casas em caminhões e pau de arara para celebrar na “casa de pedra onde Deus habita” o nascimento de Jesus.

Foto: Paróquia São Francisco – Monte Alegre (PA)

Devido algumas dificuldades da época, até mesmo de logística, anos se passaram sem as celebrações, mas posteriormente nos anos 90, a experiência se tornou viva novamente com mais algumas celebrações. Todavia, com o passar dos anos, a ideia caiu no esquecimento, mas neste ano de 2022, no dia 25 de dezembro, a celebração de Natal na Serra aconteceu novamente. Foi possível graças a direção do Parque que autorizou e incentivou o retorno da celebração, com a participação de aproximadamente 150 pessoas.  As pessoas vieram de várias comunidades e celebraram com muita fé e devoção o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. O momento que mais marcou foi a encenação do evangelho e a lembrança de São Francisco de Assis que no ano de 1223, na cidade de Greccio, queria vivenciar o momento do nascimento de Jesus através de um presépio vivo. Apesar das dificuldades de chegar ao local, todos os participantes sentiam uma grande emoção e pediram que mais uma vez, no ano que vem, que aconteça novamente a celebração do nascimento de Jesus na caverna de “Itatupaoca”.

Frei Gregório Joeright, OFM

 

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Mensagem do Custódio: Natal do Senhor e Ano Novo, tempo de luz, esperança e alegria!

E a Palavra se fez homem e habitou entre nós.

E nós contemplamos a sua glória:

glória do Filho único do Pai,

cheio de amor e fidelidade.” (Jo 1, 14)

Foto: Arquivo Custodial

Queridos irmãos e irmãos, amigos e amigas!

Três anos antes da sua morte (1223), São Francisco de Assis desejou celebrar o Natal, para reviver o Mistério da Encarnação e fazer reavivar nos corações, “o menino Jesus que tinha sido relegado ao esquecimento nos corações de muitas pessoas.”  Francisco quis reviver a noite santa do Natal mediante a organização de um presépio vivo, numa gruta da cidadezinha de Greccio, No Vale de Rieti, na Itália.  O biógrafo franciscano Tomás de Celano nos conta este fato com cores e emoções muito vivas, nos colocando dentro da cena do presépio. (1Cel 84-87)

Em 2023, a Ordem dos Frades Menores, junto com toda a Família Franciscana, celebrará o oitavo centenário do Natal de São Francisco em Greccio, bem como da aprovação da Regra Bulada pelo Papa Honório III (22/11/1223). Os dois centenários nos convidam a mergulhar fundo na espiritualidade franciscana, revivendo estes fatos da história do movimento franciscano e buscando reavivar em nós aquela mesma fé e o mesmo espírito que moviam o coração e a alma de São Francisco de Assis.

 

Produzido com Imagens do Arquivo Custodial e Adobe Stock

 

Quero aproveitar o ensejo para convidar todos vocês, queridos irmãos e irmãs que caminham conosco na missão, nos apoiando com suas orações e sua ajuda material e espiritual, a caminharem conosco também nas celebrações destes centenários, nutrindo em nós a fé, a esperança e o amor ardente que animava São Francisco de Assis em sua vocação e missão.

E quero também desejar a todos e todas um tempo santo de Advento em preparação dos corações para o Natal! Que cheguemos todos ao Natal plenos de saúde, paz, esperança e alegria! E a Luz resplandecente do Salvador dissipe as trevas do ódio, da violência, das injustiças, divisões e desigualdades da nossa realidade interior e exterior! Que o Ano Novo que o Senhor nos dará, abra diante de nós um mundo novo, iluminado pelo Amor, pela Esperança e pela Paz! E continuemos juntos buscando uma nova humanidade, onde reine o Bem, a Justiça e a Fraternidade entre todos os povos e nações! Que possamos vislumbrar nos horizontes os sinais fortes do Reino de Deus!

 

Feliz Natal! Feliz Ano Novo, pleno de Esperança e Alegrias!

Com um abraço fraterno,

Frei Edilson Rocha, OFM

Custódio

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Natal Munduruku: o fim de ano na Missão Cururu

Capela de Nossa Senhora da Conceição – Aldeia Primavera

 

Frei Edilson Rocha, Frei Fábio Vasconcelos e Frei Andrei Anjos estiveram do dia 23 de dezembro de 2021 a 04 de janeiro de 2022 na Missão São Francisco do Rio Cururu. Frei Edilson havia visitado as aldeias em outubro e com eles celebrado a festa do padroeiro da Missão. Desta vez teve a oportunidade de reunir com as lideranças, ouvir diversas pessoas do povo Munduruku, dar feedback para algumas demandas levantadas, conversar com as irmãs missionárias da Imaculada Conceição (SMIC), e também presidir os sacramentos da Eucaristia, Batismo, Reconciliação e Matrimônio. Frei Fábio e Frei Andrei retornaram à Missão depois de dois anos, local onde vivenciaram a experiência do ano fraterno pastoral em 2019.

Um clima de expectativa, próprio do Advento, embalou a viagem até o Cururu, que fica na terra indígena Munduruku, município de Jacareacanga – PA. A saída da cidade de Santarém ocorreu em 21 de dezembro e, ao chegarem em Itaituba, Frei Cândido Gean Akay – que estava indo para suas férias na sua terra natal, a Mundurukânia – somou-se ao grupo.

Em solo munduruku, os viajantes foram acolhidos pelas crianças da comunidade, uma característica da Missão. Para os frades, a sensação foi de que o próprio Menino de Nazaré veio ao seu encontro. Também no clima de recepção, encontraram-se com as irmãs Cláudia e Débora (SMIC), e as vocacionadas Leila Waro e Luciane Saw, que os aguardavam para mostrar-lhes sua estadia.

A aldeia se preparou não só para a chegada do “pain” (paĩ), mas para conjuntamente celebrar o Natal. Os irmãos indígenas prepararam toda a liturgia, incluindo os cantos e leituras, tudo para ter uma boa celebração. A igreja foi muito bem ornamentada para as liturgias natalinas, inclusive com um lindo presépio.

 

Crianças da Missão São Francisco contemplando o presépio

 

O Natal é a festa do encontro e festa das culturas reunidas, a troca de dons entre o céu e a terra. Estar na missão para celebrar o Natal é um presente, pois celebrar o Natal com os munduruku é uma grande oportunidade de sentir que o Verbo também se faz carne na Amazônia. O sentido da encarnação do verbo ganha um significado amazônico nessa experiência, pois Jesus se fez Curumim daqueles que brincam nas águas do Cururu e que se admiram com o lindo presépio da igreja.

Os frades celebraram a Noite e o Dia do Natal juntamente com as pessoas vindas de diversas aldeias do Rio Cururu, que marcaram grande presença nas celebrações. Os cantos e algumas partes da liturgia foram celebrados na língua Munduruku, um gesto que nos remete à Palavra que faz morada entre nós. Nas celebrações, o Evangelho é sempre proclamado na língua Munduruku por um Ministro da Palavra da comunidade.

As leituras da noite de Natal foram proclamadas pelos jovens da aldeia e um grupo encenou o Evangelho que narra o nascimento de Jesus. No momento da dramatização, uma criança colocou a imagem do Menino Jesus com traços indígenas no presépio. Comentando as leituras da celebração, Frei Edilson destacou que devemos ter o coração aberto para acolher Jesus que vem como criança. “Quem deixa Cristo nascer nas suas vidas, vai procurar colocar em primeiro lugar as pessoas que mais necessitam”, afirmou. Aqueles que abraçam o Menino Deus sempre saberão acolher os que vem ao seu encontro. O Natal é momento de alegria e esperança para todos os povos e isso se concretiza na mundurukânia. Ao celebrarmos o nascimento do Deus que vem até nós em um inocente bebê que nasce no desabrigo, nos traz uma grande alegria: o reacendimento das expectativas do povo. Que Deus dê a todos a alegria de viver e que o Natal seja todos os dias. Que cada uma das nossas casas seja como um presépio onde Jesus é acolhido e pode se manifestar.

 

 

Viver a Palavra que se fez carne

A tônica das leituras do dia de Natal foi a encarnação como anúncio da Palavra. O Verbo encarnado nos lança na proclamação da justiça e da paz do seu Reino. Foi nesta linha de pensamento que Frei Edilson expôs a homilia do dia de Natal. No começo da sua fala, refletiu o Evangelho proclamado à luz da importância da Palavra e da linguagem no viver humano (Prólogo do Evangelho de São João). Ele afirmou que é vital o aprendizado e o desenvolvimento da língua em uma cultura, não se pode deixar que esse aspecto importante se perca ao longo do tempo. Recordou que a presença de Jesus nos traz vida plena. Sendo a solenidade do Nascimento de Jesus um festejar da vida que nasce e que deve ser preservada, destacou a importância de preservar todas as formas de existência (todas as formas de vida).

Os Munduruku têm sido por séculos defensores da cultura, da natureza e do seu território. Hoje, muitos dos poderosos, como no tempo de Jesus, têm ameaçado a vida dos povos originários do Brasil. O Natal reacende em nós a consciência daquilo que precisamos para cultivar a paz. A leitura de Isaías, proclamada da liturgia daquele dia, recorda que a paz é um belo dom que deve ser buscado, o que também inclui a preservação da nossa Casa Comum.

Também recordamos que os Ministros da Palavra têm sido grandes anunciadores do Evangelho, e nesse mesmo dia fizeram uma reunião de planejamento de atividades com a presença de Frei Edilson. Foram celebrados oito batizados e um matrimônio no dia de Natal na Missão.

 

Batizados na Aldeia Primavera

 

A Família de Deus 

O dia 26, terceiro dia na Missão, foi marcado pela celebração da festa da Sagrada Família. Ao ter presente a figura de Jesus, Maria e José, recordamos a importância dos núcleos comunitários e familiares para acolher a vida nova que chega. Na homilia, Frei Edilson destacou que as crianças chegam até nós com a sua fragilidade e com a necessidade do cuidado. De forma similar, podemos observar a realidade da aldeia e compará-la às atuais ameaças do sistema de exploração.

Os Munduruku formam uma comunidade-família, de fato, uma numerosa família. Como em todo núcleo familiar, temos que acolher as diversidades e resolver no diálogo as nossas divergências, sempre visando o bem viver de todos(as). Com os olhos na família de Nazaré, nos colocamos a pensar nas relações internas entre as famílias, com suas mudanças em cada período histórico e o repasse geracional e refletir sobre o legado que as próximas gerações Munduruku receberão. Outro aspecto bem familiar é o da acolhida. Nas aldeias, sempre que um visitante chega, recebe um sinal de aconchego fraterno. Um dos temas bem frequentes nessa visita é a pergunta sobre a possibilidade dos frades ajudarem na realização de registros civis de casamento, uma demanda levantada desde outubro de 2021. Frei Edilson tem procurado os meios para viabilizar, juntamente com as instâncias competentes, os registros de casamentos civil.

 

Aldeia Primavera

 

Nas veias dos rios da Amazônia

Navegar pela Amazônia é fazer um processo de tornar-se um elemento na corrente dos rios, deixar-se mergulhar e enveredar por varadouros como componentes de um fluir dos rios que levam vida. Dentro das veias da Amazônia, que são os rios e suas ramificações, entramos em um processo de encarnação na realidade (ideia sonhada desde o Encontro dos Bispos em Santarém, em 1972). Assim, nossos missionários adentraram no devir do Tapajós, Cururu e seus afluentes. Logo ao chegar, algumas aldeias solicitaram a visita dos pains, entre elas Primavera, Santa Maria e Paxiúba. As liturgias no tempo do Natal foram celebradas na sede da Missão e nas visitas às demais comunidades indígenas.

No dia 27, os frades, irmã Débora e uma equipe missionária partiram para a Aldeia Primavera, que fica próxima da nascente do rio Tapajós. No caminho, o grupo parou em diversas aldeias ao longo do Cururu para deixar materiais para as celebrações da Palavra e uma imagem de Santa Clara para a aldeia Saw Muybu. No dia 28, celebraram com a comunidade e depois do almoço retornaram para a Missão. A subida do Rio Cururu para a aldeia Santa Maria foi feita na tarde do dia 29 de dezembro. Desta vez a equipe de missionários foi composta por Frei Edilson, Irmã Cláudia, Frei Andrei, Frei Gean, Frei Fábio e a vocacionada Leila Waro. Materiais de celebração também foram deixados nas aldeias. Na comunidade Bananal, uma imagem de Cristo Rei foi entregue para o povo.

Na manhã do dia 30, a aldeia celebrou a eucaristia com a participação de um bom número de pessoas. Na ocasião, realizou-se o matrimônio de dois jovens casais e em seguida o batizado de nove crianças. A visita foi igualmente uma oportunidade de rever algumas pessoas conhecidas, de conversar com os Ministros da Palavra e com as lideranças da aldeia. Depois do café comunitário partilhado, a equipe partiu de volta à Missão, com paradas para momentos de encontro e sacramentos nas aldeias Bananal, Muiussu e Pratati-Cajual. Esta segunda etapa da viagem foi de certa maneira uma “maratona” de celebrações, no bom sentido do termo. Na segunda parte deste relato veremos um pouco sobre como foram as celebrações do Ano Novo e da manifestação do Senhor.

 

Texto: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

Fotos: Frei Andrei Anjos, OFM e Frei Edilson Rocha, OFM.

Foto: Acervo da Custódia.

São Francisco de Assis e o Natal

Foto: Acervo da Custódia

 

Ancorada no testemunho evangélico de João 1, 14 (1), desde os seus primórdios a Igreja ensina que o mistério da Encarnação “é o fato de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana para realizar nela a nossa salvação” (CIC 461). A graça da Encarnação é intimamente ligada à salvação humana, é o grande dom de Deus-Pai que ama toda criatura; e, por isso, comove-se com o gênero humano e quer que todos tenham a vida eterna (2).

A Tradição fez eco desta verdade bíblica como um dos sinais distintivos da fé cristã. Com a Encarnação, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Igreja teve que clarear e defender tal verdade de fé perante as heresias, que começaram a surgir nos primeiros séculos do Cristianismo (3) e ameaçavam ruir a doutrina da Encarnação de Cristo como parte do plano amoroso de Deus de fazer a humanidade participar da sua natureza divina: “Pois o Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus” (4).

 

A humildade da Encarnação

Há treze séculos de distância do nascimento de Cristo Salvador, São Francisco de Assis (1181-1226) respirou e viveu o ensinamento da Tradição acerca do mistério da Encarnação. Para ele, o Natal era “a festa das festas, em que Deus, tornando-se criança pequenina, dependeu de peitos humanos” (2Cel 199,1). A festa do Natal o enternecia mais do que as outras solenidades, pois essa evoca “a humildade da Encarnação de Deus” (1Cel 84, 3; 4CtIn 19-22), que permanecendo o Deus que sempre era, assumiu o ser humano que nem sempre era.

A tal mistério de humildade do Deus-Menino, o Pobrezinho de Assis não quis somente professar a sua fé ortodoxa, mas ir além das teorias. São Francisco quis abrir o coração, alegrar-se totalmente e celebrar “a memória daquele Menino que nasceu em Belém e ver de algum modo com os olhos corporais os apuros e necessidades da infância dele” (1Cel 84, 8). Ele bem entendia que se todos os homens tivessem presente e concreta a imagem do Salvador, amariam a Deus com obras, e não somente em palavras. É o mistério da noite abençoada do Natal, na qual “Deus nos deu um Presente sem preço: deu-se a si mesmo num Menino” (5).

A celebração do Natal de 1223, realizada pelo santo de Assis (cf. 1Cel 84-87), deu-se num vilarejo da Itália, próximo de Assis, chamado Greccio, onde havia uma gruta semelhante àquela de Belém; e próprio ali, São Francisco pediu que tudo fosse preparado diligentemente para celebrar a Eucaristia, de maneira digna num dia tão santo e festivo. Ao representar, ao vivo, o nascimento do Menino de Belém, o santo demonstrou a todos os presentes a certeza que a humanidade inteira foi realmente salva naquela noite santa, através da humildade da Encarnação de Deus.

São Francisco de Assis não foi o idealizador do presépio que hoje conhecemos. Representações teatrais da Natividade de Jesus – com canções, máscaras e roupas luxuosas – já existiam naquele tempo (6). Contudo, ao contrário de todas aquelas majestosas encenações – muito mais folclóricas que realistas – na manjedoura franciscana preparada para a solenidade da missa “se honra a simplicidade, se exalta a pobreza, se elogia a humildade; e de Greccio se fez como que uma nova Belém” (1Cel 85, 5). A originalidade de São Francisco está, portanto, na sua celebração vivida com grande fervor, simplicidade e festosa alegria, estabelecendo “uma ligação entre a vinda de Jesus no presépio de Belém e sua vinda sacramental no altar da Eucaristia” (7).

 

Toda Eucaristia celebrada é Natal

O presépio vivo organizado por São Francisco transmite a manifestação real do encontro entre o divino e o humano, e é neste encontro que Deus se humilha pela salvação da humanidade. Porém, na manjedoura não está o Menino de Belém representado por uma criancinha, pois é na hora da consagração eucarística que Ele descerá invisivelmente, vivo e verdadeiro, sobre as formas humildes do pão e do vinho, e assim, em pessoa estará sobre o altar-manjedoura.

Para o santo de Assis, todos os dias Deus se humilha e vem até nós em aparência humilde, já que “diariamente ele desce do seio do Pai sobre o altar nas mãos do sacerdote (…) Ele se manifesta a nós no pão sagrado” (Ad., I, 18-19). Isto é, a realidade da carne física do Filho de Deus é presente verdadeiramente na realidade da “carne” eucarística de Jesus. A conjunção manjedoura-altar é a originalidade de São Francisco, que no seu presépio vivo em Greccio atualiza no sacramento da Eucaristia o mistério do nascimento histórico de Jesus de Nazaré.

É muito claro o pensamento deste santo medieval, isto é, Eucaristia e Encarnação remontam ao mesmo cenário de fundo: o amor gratuito de Deus. E a maior prova do seu amor é a Encarnação do seu Filho para a salvação humana, recordada em cada Eucaristia celebrada. Sendo assim, “a Eucaristia perpetua a Encarnação de Cristo na história” (8). É por isso que em São Francisco a viva voz grita, exortando: “Pasme o homem todo, estremeça o mundo inteiro, e exulte o céu, quando sobre o altar, nas mãos do sacerdote, está o Cristo, o Filho de Deus vivo … Vede, irmãos, a humildade de Deus e derramai diante dele os vossos corações!” (Ord 26; 28).

O Natal não é somente um dia do ano. Jesus se oferece no altar todos os dias, como num novo nascimento. Em toda celebração eucarística Ele está vivo no pão sagrado, renasce no meio de nós, como outrora em Belém. Portanto, toda Eucaristia celebrada é Natal.

 

Noite Feliz 

Já dizia o papa S. Leão Magno na vigília de Natal: “Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade” (9). E São Francisco experimentou o mesmo sentimento jubiloso quando ficou “contrito de piedade e transbordante de admirável alegria” (1Cel 85, 10) diante do presépio, e contemplou na Eucaristia natalícia o nascimento do Menino Deus.

A noite de Natal não deve ser como as demais noites! Aquela noite foi uma noite feliz. Se até os anjos cantaram jubilosos “glória a Deus nas alturas” (Lc 2, 14), como também não devem alegrar-se os homens para os quais o Filho de Deus nasceu? Em Greccio, a multidão que acorreu à celebração natalina se alegrou, cantou, dançou a Cristo como Luz de felicidade que irradiou as trevas da tristeza, salvando toda criatura. Então, a causa de alegria nesta noite deve ser comum a todos: “Exulte o justo, porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida” (10).

São Francisco, inclusive, queria que todos comessem carne fartamente, sobretudo os pobres e os famintos, recusando a prescrição do jejum no dia de sexta-feira; queria que os animais e os passarinhos também tivessem feno e ração com fartura (cf. 2Cel 200). O santo entendeu bem o mistério da Encarnação, pela qual também “o Filho enobrece toda a criação…fazendo-a divina e tornando-a filho e assim a conduz ao Pai” (11).

Sinal de tão grande júbilo de festa no Natal de Greccio foi a luz. Velas e tochas foram trazidas pela multidão com ânimo exultante para iluminar aquela noite (cf. 1 Cel 85, 2), na qual o Bendito Menino Deus, novo astro cintilante, iluminou a noite como o dia. A sua luz é para sempre! Na época de São Francisco de Assis, sabe-se que era uma prática litúrgica reforçar a iluminação nas igrejas na noite de Natal, como uma forma de representar aos fiéis a clareza e o fulgor daquele evento divino celebrado (12). O povoado de Greccio e São Francisco agiram de acordo com a práxis e as normas litúrgicas do tempo.

Não pode reinar no coração humano a indiferença quando o Natal ilumina, alegra e encoraja a vida. Celebrar a Encarnação de Cristo implica mais do que saber e refletir. Assim como fez o Pobrezinho de Assis, o Natal nos lembra que é preciso reconhecer humildemente nossa pobreza humana tão necessitada da graça divina. E, ao mesmo tempo, reconhecer também a realidade sagrada existente em nossa vida tão necessitada de amparo. E neste tempo obscuro pelo qual a humanidade passa com a pandemia da COVID-19, mais uma vez é Natal. E só será Natal real e significativo quando a luz da caridade e do cuidado com os mais vulneráveis da sociedade se transformam em ações generosas de solidariedade, que são gestos de esperança e vitalidade que afugentam a tristeza e a morte.

 

Frei Elder de Sousa Almeida, OFM

 


 

(1) Cf. Jo 1, 14: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”; cf. também Jo 3, 16; 1 Jo 4, 10. 14

(2) Cf. G. de Nissa, Or. Catechesis, 15: “Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-lo restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer-nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a Deus a ponto de fazê-Lo descer até nossa natureza humana para salvá-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?

(3) Cito algumas: Docetismo, Gnosticismo, Arianismo e Nestorianismo.

(4) S. Atanásio, De Incarnatione, 54, 3; Cf. Credo Niceno-Constantinopolitano, DS 150.

(5) L. Boff, Natal: A humanidade e a jovialidade de nosso Deus, Petrópolis 2001, 37.

(6) C. Van Hulst, Natal, em Dicionário Franciscano, Petrópolis 1999, 471.

(7) Van Hulst, 469.

(8) F. Accrocca, Il Natale di Francesco a Greccio nel 1223, 170: “ L’eucaristia perpetua quindi l’incarnazione di Cristo nella storia …”

(9) S. Leão Magno, Sermo in Nativitate Domini, 1.

(10) S. Leão Magno, 1

(11) S. Atanásio, Ad Serapionem, 1, 25.

(12)  Cf. F. Accrocca, 172.

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Tapiri da Palavra: Natal do Senhor – Ano C

Todo ano temos o costume de montar o presépio em nossas Igrejas e casas. Podemos olhar para o presépio e perguntar: o que de fato enxergamos? A cena é do nascimento de Jesus, aquilo que aconteceu 2000 anos atrás. Esta cena nos atrai, gostamos de olhar para o presépio e contemplar aquela cena. Mas, pensando bem, não foi nada de extraordinário. É simplesmente a cena do nascimento de uma criança e uma criança pobre. Algo que acontece todos os dias. Contudo, a cena do nosso presépio é especial e só pode ser compreendida com os olhos da fé. A fé enxerga para além das imagens no presépio, para algo que nos toca, pois é uma cena da manifestação do verdadeiro amor. Deus assumiu a nossa natureza, foi ao nosso encontro para nos indicar o sentido da vida e nos mostrar o caminho do amor e da verdade.

Foi justamente esta cena que Francisco de Assis queria contemplar e reviver quando no ano de 1223 ele queria lembrar o menino que nasceu, como foi posto no presépio e ver com os próprios olhos como o menino foi deitado em cima da palha entre o boi e o burro. Vieram as Clarissas e frades de todos os cantos com tochas nas mãos para iluminar aquela noite não só com a luza do fogo, mas com a luz do menino que nasceu. O povo chegava e o mistério foi renovado com muita alegria, pois a voz do povo ressoava por toda parte: Glória a Deus nas alturas e paz aos homens de boa vontade.  Era uma manifestação de fé e amor.

Mas é preciso lembrar que esta noite não é somente para contemplar a cena do presépio, mas também experimentar o nascimento de Jesus em nossas vidas. É uma experiência comum para todos os cristãos de todos os tempos. Jesus nasce novamente, e nós, pela fé e vivência do amor, atualizamos a cena do presépio em nossa vida. Por isso, podemos dizer que Jesus continua nascendo e fazemos hoje a experiência do presépio.

Para compreender melhor esta experiência podemos também lembrar de tantas pessoas que no passado viveram a cena do presépio em suas vidas. Vamos então usar nossa imaginação e trazer personagens do passado para os nossos dias e perguntar para eles – quando e como foi que Jesus nasceu para eles?

Primeiramente, podemos perguntar para Pedro e certamente ele vai responder: naquela noite quando os sumos sacerdotes levavam Jesus e eu ficava no pátio, perto da fogueira, três pessoas me perguntaram se eu conhecia aquele homem e eu neguei. Naquela hora compreendi a misericórdia de Deus e que Jesus é o Filho de Deus, assim Ele nasceu na minha vida.

Perguntamos para Paulo e certamente ele responderá: foi na estrada de Damasco e eu, convencido da lei dos Judeus, pensava que era necessário perseguir os cristãos. De repente uma luz me envolveu e escutei uma voz: Saulo, Saulo, por que me persegues? Fiquei cego, mas três dias depois recuperei a minha visão e enxerguei a luz do mundo novo. Neste dia Jesus nasceu na minha vida.

E se perguntamos para Tomé, ele vai responder: quando Jesus apareceu ressuscitado e pediu que eu tocasse nas suas chagas. Compreendi que Ele é o caminho, a verdade e a vida. Jesus nasceu na minha vida.

E Judas, o que ele vai responder:  quando vi o julgamento de Jesus, um homem justo e inocente condenado, vi que Jesus está acima de qualquer tesouro terreno. Não consegui compreender a misericórdia de Deus, mas mesmo na minha fraqueza, Jesus mudou toda a minha vida.

João Batista vai nos dizer: na hora do batismo de Jesus, escutei uma voz do alto: Este é meu Filho amado, escutem o que ele diz – compreendi o que significa preparar o caminho. O Messias nasceu em minha vida.

Os pastores foram os primeiros a visitar o menino recém-nascido e eles vão nos dizer: o anjo apareceu e nos anunciou uma Boa Notícia, vocês vão encontrar um recém-nascido deitado na manjedoura e enrolado em panos. Fomos correndo e acreditamos que aquela criança era o Salvador do mundo. Era uma grande luz que nos envolveu e nasceu para nós a esperança do mundo novo.

Maria, a mãe de Jesus, vai responder: em Belém, sob as estrelas e aquela luz, José e eu recebemos a visita dos pastores. Era o nascimento de um novo tempo, pois meu filho ensinou o mandamento do amor e por este amor, morreu por nós. Me tornei a serva do Senhor e por causa disto, a Palavra habitou entre nós e se tornou carne.

Outra pessoa que podemos perguntar é Francisco de Assis. E ele vai nos dizer: quando estava na praça pública, diante do meu pai, o bispo e o povo, entreguei a bolsa, a roupa e até meu próprio nome, compreendi o que é viver o Evangelho e Jesus se tornou a razão da minha vida.

Então nesta noite o presépio nos fala, não é somente uma cena com imagens, mas a realidade do encontro de Deus com a humanidade. Encontro que não só aconteceu 2000 anos atrás, mas continua acontecendo na vida de cada um de nós. A pergunta continua atual para nós hoje, quando Jesus nasceu? Esta pergunta deve ser respondida por cada um de nós e, para responder, é preciso olhar para dentro de nós e recordar a experiência que nos leva a compreender que o presépio é o encontro de Deus conosco, que a Boa Notícia continua acontecendo hoje e que nós vivemos a experiência do presépio quando seguimos o mandamento do amor que Jesus nos ensinou. E para viver o amor que Jesus nos ensinou, não podemos separar o Natal da realidade atual; quem contempla o presépio contempla a vida e reconhece o compromisso de lutar em favor da vida das pessoas, da natureza e de toda criatura.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM