Frei Renieverton com a Imagem de Nossa Senhora Aparecida em Boa Vista - RR. Foto: Acervo Particular.

Mãe Preta Aparecida

O culto a Nossa Senhora da Conceição Aparecida iniciou em 1717, ano em que a imagem foi encontrada por pescadores no rio Paraíba do Sul em São Paulo. Invocada como Mãe protetora, sua devoção tornou-se parte da cultura do povo brasileiro que a aclama como padroeira do Brasil.

Os relatos de que o enegrecimento da imagem da Mãe Aparecida tenha acontecido pelo tempo que ficou submersa nas águas e pela fuligem das velas não deve de forma alguma apagar a mística, o simbolismo e a importância de que ela é a Mãe Preta Aparecida, a mãe de tantos homens e mulheres que foram empobrecidos por um sistema de injustiças.

A história do Brasil revela um processo diaspórico complexo, onde os negros e negras de vários territórios africanos eram capturados, vendidos e enviados nos porões dos navios em condições desumanas, amontoados e sem alimentação adequada – muitos morriam no decorrer da longa viagem, ou mesmo cometiam suicídio.

O processo colonizador deixou marcas profundas no desenvolvimento do país, demarcando lugares de subalternidade, silenciando e apagando a cultura e a religiosidade de todo um povo que foi escravizado. As atrocidades desse tempo são sentidas até hoje por todos e todas que carregam em seus corpos a cor da Mãe Aparecida.

Frei Renieverton com a Imagem de Nossa Senhora Aparecida em Boa Vista – RR. Foto: Acervo Particular.

Nesse sentido, a Teologia Negra busca resgatar o lugar marginalizado e invisibilizado que o período escravocrata insistiu em perpetuar, e é diante da imagem da Mãe Preta Aparecida que o povo preto encontra força para caminhar e resistir à desumanidade causada pelo racismo. Segundo nos salienta Ronilson Pacheco, a Teologia Negra é desconforto na consciência da sociedade ocidental que se recusa a conhecer os legados nocivos e injustos do seu passado escravocrata e colonizador. 

Para tal, a Teologia Negra é o profetismo indesejado, visto que se trata de profetas e profetizas que impedem as igrejas de dissimular o racismo, assunto desconfortável e constrangedor, escondendo-se atrás da declaração de que “aos olhos de Deus e da Mãe Aparecida somos todos iguais”.

Independente se o enegrecimento da Virgem foi pelas águas ou pela fuligem, o fato é que o povo negro se viu representado na imagem e a tomou como Mãe, como Negra Mariama, e com voz forte entoa: “Negra Mariama chama para enfeitar, o andor porta estandarte para ostentar, a imagem Aparecida em nossa escravidão, com o rosto dos pequenos, cor de quem é irmão”.

Todavia, há de se questionar um país que festeja a Mãe Preta Aparecida com grande ardor e fé e não se revolta com milhares de mulheres negras que têm seus corpos massacrados e violentados até a morte. Portanto, celebrar a Mãe Aparecida é lutar por mudanças em um país que é racista na sua estrutura e que ainda não despertou para uma decolonialidade epistêmica. Viva Nossa Senhora Aparecida!

Frei Renieverton Telles de Oliveira, OFM

Frade da Província Santa Cruz. Graduado em Filosofia e Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA).