Por onde começamos a história?
Geralmente não se faz história “dos fatos recentes”, antes se espera o voo da coruja de Minerva e o sentar da poeira nos móveis para que se possa escrever. No entanto, advertimos que o presente texto é um resumo do que poderíamos nomear “historiografia das coisas atuais”. Trata-se de uma crônica da vida e missão dos frades em Manaus, com pinceladas, em tons fortes, de alguns dados e elementos significativos da presença franciscana (A Ordem dos Frades Menores) no estado do Amazonas. Nesse ponto, fatos entre 2020 e 2021 iluminam o “flashback” da atuação missionária dos frades menores no maior estado do Brasil. Ademais, o título que se deu evoca uma canção que é um hino missionário muito conhecido do autor e compositor Manoel Nerys.
A Custódia São Benedito da Amazônia, uma instituição ligada a Ordem dos Frades Menores (OFM), fundada em 10 de maio 1990 como entidade autônoma, está presente nos estados do Pará, do Amazonas e em Roraima. Na Amazônia não se põe os pés em terreno plano ou único, mas em um poliedro com vasta área territorial, inúmeras culturas e diversidades regionais. Esta pluralidade segue propiciando diversas formas de evangelização e missão.
Ressalta-se que, antes do estabelecimento dos Frades da Custódia São Benedito em Manaus, registra-se uma breve, mas significativa, presença de frades menores holandeses em 1899 (Eram eles: Frei Adalberto Woolderink, Frei Gonzaga Governeur e Frei Oto Vervoort), que logo depois mudaram-se para Niterói (RJ). Esses três primeiros, foram os pioneiros daquela que viria a ser a “Província Santa Cruz” (PSC). O Amazonas também tem uma longa presença missionária franciscana de outros grupos e ordens (OFMCap, OFMConv, TOR).
No território amazonense, mais precisamente na capital Manaus, os frades menores estão presentes desde os anos finais da década de 1990. A história dessa presença recente, se confunde com o percurso da instalação de um lugar para formação filosófica dos frades nas fases iniciais. A fraternidade São Boaventura, tem sua localização atual (visto que antes estiveram outros pontos da cidade de Manaus) no bairro Santo Antônio. É sobre o patrocínio do ilustre pensador franciscano, que a fraternidade acolhe os frades de votos temporários para os estudos filosóficos, que são feitos atualmente na Faculdade Salesiana Dom Bosco (FSDB), com campus na Zona Leste da cidade. Em outros tempos, chegaram a existir duas fraternidades na cidade de Manaus, onde uma era mais situada na Área Missionária Santa Catarina de Sena (AMSCS) e outra, a “casa de formação”. Além dos frades professos temporários, os frades da fraternidade permanente têm atuação em Paróquias e em serviços da Custódia.
Presentes desde 1998, os frades sempre atuaram e assumiram compromissos pastorais com a Igreja local. São diversas as atividades realizadas: administração de áreas pastorais, formação, assistências a projetos sociais e até a atuação de frades que serviram como professores nos Institutos Teológicos. Atualmente, a fraternidade conta com três frades solenes e quatro frades de profissão temporária, que prestam serviço a Paróquia Santo Antônio recentemente assumida (começo de 2020) pela Custódia. A paróquia é composta por comunidades ribeirinhas, comunidades indígenas e as comunidades urbanas.
Missão Franciscana em Manaus
A missão franciscana tem seu passo e característica fundamental na fraternidade, pois, enquanto seguidores de São Francisco, “vivendo nas fraternidades locais, desejam servir as comunidades cristãs e querem amparar essas mesmas […], no mundo que lhes é próprio, em sua missão apostólica.” (FFB, 2001). Sendo a fraternidade o primeiro anúncio de evangelização, os frades sempre buscaram atender as necessidades que clamam na realidade local, e isto não é diferente no território amazonense. Os frades estão presente no meio do povo, participando de pastorais e envolvidos nos projetos da Igreja. Nesses serviços o frade é chamado a ser um instrumento de diálogo que “é fonte e caminho de paz”, e que “implica numa saída de si e entrada no mundo do outro.” (CASBA, 2009, p. 11).
Neste contexto, os frades de profissão temporária mediante aos estudos filosóficos, são instruídos a assumir “progressivamente a responsabilidade de sua missão eclesial e social, em sintonia com o carisma franciscano, com os próprios dons e aspirações e com as necessidades do povo de Deus.” (OFM, 2003, p. 68). Com isso, os frades, em plena comunhão entre estudo e missão, buscam formar um “espírito missionário, a fim de se preparar para a missão evangelizadora na Amazônia e no mundo.” (CASBA, 2009, p. 28). Uma forma ideal de atender as necessidades que o contexto socio-eclesial apresenta.
Por conta do surto de Covid-19, desde o início do ano passado (2020), ficaram “parados” os projetos, as pastorais e quase todas as atividades. Mesmo assim, abriram-se outros meios e portas (recordamos as portas fechadas relatadas nos evangelhos) para anunciar a Palavra de Deus neste período configurado como “catastrófico” e pandêmico. Por meio do uso das mídias sociais tornaram-se possíveis as transmissões das missas; partilha bíblicas através da Leitura Orante, encontros vocacionais e reuniões. Agora, com o avanço da vacinação e a diminuição de contaminação e mortes pelo coronavírus, estão sendo retomadas, observando os critérios e protocolos de prevenção, as pastorais, as missas com participação do povo e os projetos. Em tudo isso vê-se que a missão é um gesto de amor e preocupação com a vida de todos. Na fraternidade interagem o campo da missão e da formação e unem-se num só movimento vida pastoral e fraterna.
A missão franciscana perpassa primeiramente pela fraternidade, e daí caminha e se encontra com toda sociedade, pois como frades, somos chamados a ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-16), peregrinos e estrangeiros. Somos chamados a encarnar nas culturas dos povos da Amazônia, a abraçar os desafios da Igreja ministerial, abertos aos novos meios de evangelização, e assim sermos “fraternidades hospitaleiras e abertas a receber e acolher todas as pessoas” (CASBA, 2008, p. 13). “Fazer da vida, missão” é um convite franciscano, para que se possa amar fraternalmente e anunciar a força libertadora de Deus na nossa existência. Viver em Manaus, nestes tempos, tem sido notadamente um dos mais desafiadores, mas cremos que a presença dos frades menores tem sido fiel ao carisma e a caminhada.
Frei Márcio Lima, OFM
Acadêmico de Filosofia da Faculdade Salesiana Dom Bosco
Referências:
CUSTÓDIA SÃO BENEDITO DA AMAZÔNIA. Estatutos particulares. Santarém: [s.n.], 2008. pp 11-13.
FAMILÍA FRANCISCANA DO BRASIL. A comunidade como portadora do anúncio. In:______. A missão franciscana e o anúncio da palavra. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 08.
ORDEM DOS FRADES MENORES (Roma). Ratio formationis franciscanae. Roma: Ingegno grafico, 2003. 68p.
PROVÍNCIA FRANCISCANA SANTA CRUZ. Histórico. Disponível em:<https://www.ofm.org.br/ apresentacao/historico>. Acesso em 19.ago.2021.