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Santa Clara e a Eucaristia como nosso ponto de partida

Arquivo Custodial

Até pouco tempo atrás, Santa Clara de Assis, era uma “ilustre desconhecida”, pelo menos essa foi a impressão que tive. Mesmo eu, Frei Ulysses Calvo, sendo criado numa paróquia bem franciscana, não tive um aprofundado conhecimento sobre a Santa. Devemos ter em vista que a maior parte das comunidades dedicadas a Santa Clara, na região norte, são todas jovens, contando de 25 a 30 anos de existência. Mas,  que bom este florescer da “plantinha de São Francisco”. Assim, muito mais católicos podem conhecer e se aprofundar no carisma desta mulher. 

Marcas de uma mulher apaixonada pela Eucaristia

Clara de Assis foi bem mais que uma “versão feminina de São Francisco”, ela foi a prova mais contundente que o carisma franciscano poderia ser vivido com radicalidade por mulheres. Uma marca da determinação de Santa Clara foi o fato de que ela lutou até mesmo contra a vontade de um Papa para ter o “DIREITO DA SANTA POBREZA”. A santa é assim um exemplo de mulher corajosa e apaixonada por doar sua vida à luz do mistério pascal de Cristo. 

Eu realmente fico pasmo ao refletir sobre a ocasião em que ela enfrentou “sozinha” um exército! E qual a sua arma? a Eucaristia! Realmente Jesus Cristo que se apresenta pobre e humilde nas espécies do Pão e do Vinho Eucarístico, são seus maiores focos, como ela disse à Santa Inês: “Não perca de vista seu ponto de partida”. O ponto de partida e de chegada, para Clara convergem em servir ao Cristo pobre, nu e crucificado. Ela é a única Santa mulher a ser representada segurando a Eucaristia. 

A Eucaristia na festa de Santa Clara

As comunidades celebram geralmente a festa da Santa com uma celebração eucarística, agradecendo a Deus pela vida desta Santa tão importante. Ao celebrar a festa da Santa busca-se inspiração para fazer o que Cristo fez, doando inteiramente a sua vida. Na oração depois da comunhão rezam para que fortalecidos pela eucaristia sigam o exemplo de Santa Clara para servir ao Senhor trazendo em seus corpos os sinais do sofrimento de Jesus. 

Celebrando Santa Clara somos lembrados que a celebração do mistério pascal  é ponto de partida e clímax da missão cristã; do mesmo modo como o Concílio Vaticano II falou que a liturgia é uma fonte (ponto de partida) e cume (ponto alto). Assim pode-se sempre, em cada gesto, não perder de vista a eucaristia celebrada em comunidade. Na solidariedade com os pobres, nas justas relações, na luta por um mundo melhor temos “em vista” a mesa do Senhor. Mesa esta que Clara participou com muito fervor e amor.

Clara e a Eucaristia celebrada para todos

Durante o auge da Pandemia da Covid-19, muitos fiéis, impossibilitados de ir à Missa, participavam das celebrações através do rádio e da televisão. A celebração do corpo e sangue do Senhor, chegava às casas dos cristãos através dos meios de comunicação. Desta forma, mesmo de longe, podiam contemplar o Cristo na Eucaristia.

Santa Clara é a padroeira da televisão, justamente, pelo fato de querer tanto contemplar com os próprios olhos a consagração Eucarística, que Deus lhe concedeu a graça de mesmo à distância ver e ouvir a santa missa. E exatamente por isso, por ter sido como as cinco virgens vigilantes da parábola, que estão sempre prontas para a vinda de seu Senhor, que ela mesmo, teve seu corpo físico preservado da corrupção da morte! 

Sim irmãos, seu corpo incorrupto é testemunho centenário, da radical firmeza incorruptível de fé, como fiel “plantinha de São Francisco de Assis”. Salve Mãe Clara! Salve a plantinha de São Francisco de Assis!!!  

Frei Ulysses Calvo, OFM

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A frutífera amizade de São Francisco e Santa Clara

 

Como franciscano, sempre tive curiosidade sobre a frutífera amizade entre Francisco e Clara de Assis. As suas histórias de vida se uniram em uma amizade com um grande Amigo, Cristo, que os chamou para dar muitos frutos. Eles, decerto não eram amantes, mas eram profundamente dedicados um ao outro; construíam suas ordens juntos e se voltavam um para o outro em busca de apoio e sabedoria.  

Clara desistiu de tudo para estar com Francisco, para viver como ele viveu, para ver o rosto Divino no rosto dos pobres e oprimidos e amá-los como seu amigo os amava. Um dia ouvi um confrade dizer que “Santa Clara, não queria ser um reflexo de Francisco, mas ser, como ele, um reflexo de Cristo”.

Enquanto Francisco guiava sua crescente fraternidade  de Irmãozinhos, ele designou Clara como líder das Damas Pobres (as Clarissas). Quando Francisco se sentia mais sozinho no mundo, mais perseguido e incompreendido, era a sua amiga Clara que ele se dirigia para obter clareza, sabedoria e um amor despido de sentimentalismo. 

No final de sua vida, quando a fraternidade floresceu tão rapidamente que ameaçou implodir, a saúde física de Francisco espelhava a doença que se espalhava por sua comunidade. Assolado por uma dor incessante nas articulações e na carne, e quase cego, o jovem de 44 anos se refugiou ao lado do convento das Clarissas em São Damião (onde Clara viveu e morreu). Ali, perto da mulher que conhecia sua alma e o amava com um amor perfeito, e envolto nos sons e cheiros sagrados da criação, Francisco compôs o Cântico das Criaturas.

Quando Francisco não conseguiu mais esconder a gravidade de sua condição, os frades o levaram para casa para morrer. Clara imediatamente ficou gravemente doente, compartilhando o sofrimento de seu amado em seu próprio corpo. 

Alguns dias depois, os irmãos levaram o corpo sem vida de Francisco para o convento de São Damião e pararam sob a janela de Clara. Eles o ergueram bem alto para que Clare quase pudesse estender a mão e tocá-lo. Os frades ficaram ali o tempo que Clara quis para se despedir do seu amigo-amor.

A vida de Francisco e Clara é inspiradora e até hoje serve como exemplo para todos aqueles que querem servir a Deus de uma maneira mais radical. Nos inspira ainda, o amor daqueles dois amigos que nunca negaram um ao outro seu apoio, suporte, atenção, oração e bem-querer. A amizade destes dois santos de Assis não dependia do encontro diário, dos telefonemas semanais, das mensagens de WhatsApp, do cartão de natal; a amizade deles era mantida pelo amor de um pelo outro. E esse amor era demonstrado especialmente através das orações oferecidas diariamente.

Neste dia do amigo, eu te desejo alguém que possa diariamente rezar por ti. Desejo ainda que você tenha a possibilidade de retribuir fazendo o mesmo e oferecendo seu abraço, sua atenção e seu coração a esta pessoa que você tem o privilégio de chamar de amigo.

Feliz 20 de Julho, amigo(a).

Frei Erlison Campos, OFM



The Mission 30

Santa Clara, pobre dama da querida Amazônia

Foto: Missão São Francisco do Cururu – Maribeth Joeright, 2016

A vida de Clara, como o nome nos permite dizer é um cadeeiro aceso na Igreja e no mundo. A virgem Clara ilumina igualmente o chão amazônico e é nisto que queremos agora centrar a nossa reflexão. Pois vemos na santa uma mulher humilde, orante e servidora que clareia os passos dos amazônidas para a busca da terra sem males. Observamos que um primeiro traço de Clara é ser uma moça sonhadora, encantada com a vida e com o projeto de Deus. A canoa da vida dela ganha novos rumos a partir de sua sede pessoal e do testemunho de Francisco. É o Divino Amor que move a Santa de Assis, como nas narrativas míticas da Lua e da Vitória-Régia. Seu Amado é um noivo crucificado-ressuscitado por quem ela suspira e age movida por uma força enorme.

O casamento de Clara com Cristo se dá em um processo de iniciação, de formação, como nas diversas culturas amazônicas. A plantinha de Assis é uma “moça nova”, transcende a casa paterna e tem seus cabelos cortados em sinal da sua mudança de estado de vida. Esse rito de passagem no existir de Clara é sinal de acolhida, de desprendimento e de união. Esse abando de Clara é gesto que educa para aprender a ter mais esse olhar para os ritmos do existir, celebrando cada conversão. Sair pela porta dos mortos e fugir de casa, na noite e ser recebida com luzes pelos frades, junto com Francisco é expressão do novo caminho de Clara, e quantos não andam na estrada do medo, da opressão, e precisam achar a caminhos novos, como nos indica ainda o sínodo para Amazônia.

(Foto das Irmãs SMIC na Missão São Francisco – Maribeth Joeright, 2016)

A união de Clara com Cristo é aliança, afeto dedicado que se desdobra em comunhão, uma procura com intenso ardor. O Cristo-Amado na Amazônia é, recordando a simbologia do Cântico dos Cânticos, aquele que se reencontra depois dos afazeres do dia. É que se espera retornar da pescaria, do roçado, ou dos seus serviços diversos e que novamente se encontra para com alegria comer juntos os frutos da Terra. Essa comunhão de Clara em Cristo que gera vida partilhada é que precisamos hoje no nosso solo amazônico para que seja fecundado por uma nova forma de relação. Os suspiros de Clara por Cristo devem nos inspirar hoje a desejar e trabalhar para que a presença de Cristo floresça mais ainda na Amazônia.

Outro aspecto luminoso da vida de Clara é sua coragem. A ousadia e o testemunho profético de Clara não se encerraram na casa da família e nem nos muros do convento em São Damião, mas se espelharam pelo mundo todo como sementes da vida de pobreza evangélica. Uma mulher firme no seu ideal de viver a pobreza. Nela o espelho que reflete Cristo é um amor que faz testemunhar a vida plena para todos e todas. O amoroso viver de Clara nos indica que partamos para uma evangelização com rosto amazônico, encarnada e libertadora. Vamos ao encontro e percebamos como são as luminosas as mulheres da Amazônia!

Na Amazônia, diversas mulheres são exemplos dessa força no amor expressa em Clara. E desse cuidado com as irmãs e filhas na pobreza, é que Clara se tornou uma mãe para os que dela se achegam. Com os conselhos sábios, com o exemplo e afeto, ela se apresenta como imagem da Amazônia que se doa. No entanto esses dons da Mãe Amazônia acabaram sendo alvos do ataque e da exploração dos que somente visam o lucro, e estamos em muitos momentos acuados e com medo, como quando ameaçaram invadiram Assis. Aqui se pode evoca novamente o destemor e a confiança de Clara em Cristo para que se possa seguir na luta.

Foto: Maribeth Joeright, 2016

Clara foi identificada como a “plantinha” que cresceu no solo de Assis e que se encantou com a vida iniciada por Francisco. Os dois, Francisco e Clara, são as duas faces de um mesmo testemunho de um modo de vida diferente e nos colocam no mesmo caminho do Cristo pobre. Ambos não ficaram sozinhos em seu projeto e começaram a viver como comunidade, no grupo dos frades menores e com as pobres damas, por isso, são também modelo de comunhão. Hoje, em meio dos gritos que ouvimos em nossa Amazônia, somos convidados e dar respostas como os de Clara e Francisco seguindo os rumos apontados pelo Sínodo para Pan-Amazônia. Como Clara reagiu diante das ameaças a vida do povo de Assis, assim precisamos despertar, e firmes em nossa fé, defender a nossa Casa Comum. No amor e na simplicidade, trabalhemos juntos pela vida em plenitude no coração da Terra. Desse modo, Santa Clara nos ilumina a viver em busca de Cristo como nosso grande amor, que pulsa no coração da Querida Amazônia.

Texto: Frei Fábio Vasconcelos, OFM