O tempo passa e não podemos pará-lo! Embalados ao ritmo do relógio, seguimos em frente, projetados para o futuro. Devorados pelo cronos, nem sempre conseguimos fazer a experiência regeneradora do kairós. Cada história pessoal contém em si aquela centelha do mistério de Deus, que unida a tantas outras tornam visível o mosaico das relações humanas. Vocacionados à santidade somos convidados a viver no “tempo” o amor misericordioso de Deus. Ele nos chama e nos envia para a missão.
Desde 1981, por decisão da 19ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), agosto é o mês do calendário em que a Igreja do Brasil reflete o tema da vocação e do discernimento vocacional. A palavra vocação tem sua raiz no verbo latino vocare, que significa chamado. A Igreja, comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus, configura-se como a assembleia dos chamados, que pela força do compromisso batismal, são escolhidos para a vivência dos ministérios; suscitados pelo Espírito Santo e colocados a serviço da comunidade. Cada vocação é como téssera, uma pequena pedra, que unida a tantas outras compõe o belo mosaico da Igreja ministerial.
Neste ano de 2021, o mês vocacional tem por tema: Cristo nos salva e nos envia; e o lema: quem escuta a minha palavra possui a vida eterna (cf. Jo 5, 24). Assim, a cada domingo do mês de agosto celebramos uma vocação específica: no primeiro domingo os vocacionados aos ministérios ordenados: bispos, presbíteros e diáconos; no segundo domingo a vocação à vida familiar, na recordação do dia dos pais; no terceiro domingo, solenidade da Assunção de Nossa Senhora aos céus, rezou-se pelos vocacionados e vocacionadas à vida religiosa consagrada; no quarto domingo, os vocacionados aos ministérios leigos existentes na comunidade e, por fim, no próximo domingo, o quinto do mês, iremos recordar o ministério do catequista.
O que todas essas vocações e ministérios têm em comum? O chamado à santidade: “sede santos assim como vosso Pai celeste é santo” (Mt 5, 48). Na origem de cada resposta vocacional encontra-se o fortíssimo desejo de viver plenamente a santidade como projeto de vida. Segundo Papa Francisco, “A santidade é o rosto mais belo da Igreja” (nº 9). No entanto, o Papa reconhece que “muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim” (nº 14). Para Francisco: “Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais” (nº 14).
Todos os batizados são chamados à santidade, cada qual na sua vocação específica. Para nos ajudar nesse caminho, a Igreja nos oferece, no decorrer do ano litúrgico, vários modelos de santidade. Entre eles figuram o exemplo de Santa Mônica (331-387) e Santo Agostinho (354-430), ambos mãe e filho, celebrados na liturgia nos dias 27 e 28 de agosto, respectivamente.
A antífona do cântico evangélico da Oração das vésperas, do próprio dos santos para a memória de Santa Mônica, retrata bem a sua vida de santidade, vivida em contínua oração pela conversão do seu filho: “Santa Mônica, mãe de Agostinho, de tal modo vivia no Cristo, que, estando ainda no mundo, sua vida e sua fé se tornaram o louvor mais perfeito de Deus”. Mônica, nasceu em Tagaste (atual Souk Ahras), na Argélia e morreu na cidade de Óstia. Ainda muito jovem casou-se com um homem chamado Patrício. Dessa união nasceram muitos filhos, entre eles, Agostinho. Rezou insistentemente durante 33 anos pela conversão de seu filho Agostinho que, antes de sua conversão levava uma “vida de heresias”.
Em suas Confissões, assim Agostinho refere-se à sua mãe: “Minha mãe, forte na piedade, já vier ao meu encontro, seguindo-me por terra e por mar, em ti confiando em todos os perigos. Era ela, nos momentos críticos da navegação, quem incutia coragem aos próprios marinheiros, que habitualmente confortam os viajantes inexperientes e timoratos, prometendo-lhes uma chegada a salvo. Foste tu, em visão quem o havias prometido a ela.” (Confissões. VI, 1. p.139).
Santa Mônica rezou e alcançou a graça que tanto desejava, a conversão do seu filho. Na sua busca pela verdade, Agostinho enveredou pelo caminho das heresias de sua época, até que, em 387, converteu-se a fé e foi batizado em Milão por Santo Ambrósio, tornando-se depois bispo e doutor da Igreja. Ao se dar conta de ter encontrado aquilo que tanto buscava, Agostinho reza: “tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora” (Confissões. X, 27. p.295).
O exemplo dos santos e santas nos inspiram na busca da santidade, pois, como bem disse o Papa Francisco, “ser santo é uma vocação para todos”. Na Igreja, todas as vocações e ministérios são importantes, e na diversidade de dons e carismas, cada batizado é como uma pequena téssera que dá forma e ajuda no desenvolvimento da vida da comunidade, para que o belo mosaico da Igreja resplandeça a face de Jesus Servo; que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28).
Que ao final desse mês de agosto, mês vocacional, cada batizado cresça na consciência do seu compromisso batismal e, vivendo com fidelidade o seu projeto vocacional, possa buscar a santidade. “Santidade «ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus”. Santa Mônica e Santo Agostinho intercedam por nós!
Frei John Araújo, OFM
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. 17. ed. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus, 2004.
FRANCISCO, PP. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate sobre a chamada à santidade no mundo atual. São Paulo: Paulus, 2018.
LITURGIA DAS HORAS. v. IV. Petrópolis: Vozes. São Paulo: Paulinas/Paulus/Ave Maria, 1995.