Mensagem dos Frades Menores da Sicília
por ocasião do quinto centenário do nascimento de São Benedito, o Mouro
No quinto centenário do nascimento de São Benedito de San Fratello, os Frades Menores da Sicília, que têm a honra de tê-lo como membro de sua fraternidade e guardar seus restos mortais no convento de Santa Maria de Jesus, em Palermo, a todos os irmãos e irmãs de boa vontade (1524 – 2024).
Este ano assinala-se o quinto centenário do nascimento de São Benedito, o Mouro, o primeiro santo negro canonizado através de um processo canônico regular.
Infelizmente, às vésperas do início das celebrações do centenário foram marcadas pelo assustador incêndio, que em 25 de julho de 2023 destruiu totalmente o interior da igreja do século XV. O incêndio devastou o interior da Igreja, onde São Benedito rezava e onde se conservava o seu corpo incorrupto, destino de peregrinações. Ali também havia a imagem de Santa Maria de Jesus, diante da qual ele gostava de fazer paradas para contemplação e que, segundo a lenda, lhe confiava algumas vezes o Menino Jesus, que ele devotamente segurava em seus braços, bem como a urna em que foram guardados os restos mortais do Beato Mateus de Agrigento, fundador da igreja e do convento. Dessa forma, mesmo na morte, São Benedito compartilhou o destino daqueles que perderam suas casas e morreram nas chamas. Seus restos mortais queimados foram recolhidos com carinho pelos frades e voluntários da paróquia que generosamente fizeram o possível para que fossem recolhidos e arrumados o mais rápido possível.
Paradoxalmente, porém, o eco e a emoção suscitados pelo triste acontecimento a nível local, nacional e internacional tornaram São Benedito mais conhecido, mesmo em regiões e países onde nada se sabia da sua existência e deu origem a uma série de iniciativas que dão esperança para a rápida reconstrução da igreja e o arranjo do que foi possível recuperar do seu corpo queimado.
Benedito, nascido em San Fratello, na província de Messina, muito provavelmente em 1524, numa época em que o tráfico de escravos existia nos países cristãos, filho de Cristóvão Manasseri e Diana Larcan, sequestrados e escravizados por mercadores europeus e vendidos como escravos, acabaram a serviço de um rico proprietário de terras de San Fratello chamado Vincenzo Manasseri.
Criado como cristão, viveu uma infância serena e uma adolescência trabalhadora, alcançando uma situação econômica decente com seu trabalho. Com cerca de vinte anos, o encontro com um eremita franciscano, chamado Jerônimo Lanza, chefe de uma congregação de eremitas de inspiração franciscana que tomou seu nome, marcou um ponto de inflexão em sua existência. Benedito juntou-se a ele na solidão para levar uma vida de oração e austeridade no eremitério de Santa Domenica, perto de Caronia, em busca do rosto de Deus e de sua intimidade na escuta de sua voz. O grupo tornou-se tão popular que foi repetidamente forçado a mudar de local, movendo-se de Caronia para o vale Platani na área de Agrigento, para Mancusa entre Carini e Partinico e depois para Marineo na província de Palermo e, finalmente, para o Monte Pellegrino, lugar caro a Santa Rosália. Nesse meio tempo, Benedito tornara-se o líder do grupo de eremitas.
Em 1562, enquanto o Concílio de Trento ainda estava em andamento, um decreto do Papa Pio IV, prosseguindo o programa de reforma da Igreja, obrigou os eremitas de inspiração franciscana a se juntarem a uma das famílias religiosas da Primeira Ordem de São Francisco. Benedito, depois de longa e fervorosa oração diante da imagem da Bem-Aventurada Virgem Maria, conhecida como “aquela que liberta dos infernos”, na catedral de Palermo, bateu às portas do convento de Santa Maria de Jesus, na mesma cidade, pedindo para ser recebido entre os Frades Menores. Além de uma breve estadia durante os anos de formação em Juliana, na província de Palermo, permaneceu no convento de Santa Maria de Jesus até sua morte, distinguindo-se pelo espírito de oração, pela austeridade de sua vida, pelo serviço de seus confrades nas várias tarefas que foi chamado a realizar de tempos em tempos, como cozinheiro, porteiro, mendigo, mestre de noviços, guardião, e pela caridade para com os pobres e os doentes, homens e mulheres, de todas as classes sociais que se voltaram para ele sobretudo por sua fama de milagroso (taumaturgo).
Seu modo de vida, a sabedoria de seus conselhos (“ele lia corações”), sua sagacidade e afabilidade, sua profunda compreensão das Sagradas Escrituras, sua caridade sem limites, sua ternura para com os pequenos e os sofredores e a fama dos milagres que lhe foram atribuídos atraiu a estima, a simpatia e a devoção de leigos e leigas, religiosos e clérigos. Benedito morreu em 4 de abril de 1589, terça-feira da semana pascal. Esta foi a origem da tradição, que se perpetua até hoje, da peregrinação do convento ao seu eremitério no Monte Grifone, perto da árvore que plantou, no domingo após a Páscoa. A cidade de Palermo reconheceu imediatamente em Benedito, negro e filho de escravos, um protetor (o “advogado celeste”) a quem poderia recorrer nos acontecimentos conturbados de sua história e a cuja intercessão poderia confiar-se em momentos de dificuldade, muito antes de sua canonização, em 24 de maio de 1807 pelo Papa Pio VII. De fato, um decreto do Senado de Palermo, em 24 de abril de 1652, proclamou Benedito Padroeiro e Intercessor da cidade.
Seu culto, assim como em Palermo, em sua cidade natal San Fratello e mais tarde em Acquedolci, espalhou-se imediatamente após sua morte para a Espanha e, sobretudo, foi trazido por missionários franciscanos para os países da América Latina: Venezuela, Brasil, Peru, México, Cuba, Argentina, Colômbia, Chile, Uruguai, etc., onde se tornou muito popular entre os escravos africanos, que o tráfico de escravos deslocou aos milhões para aquelas regiões. E nas últimas décadas espalhou-se por vários países africanos. Hoje, como na sua época, os povos da América e da África reconhecem no santo negro um irmão solidário com seus sofrimentos e suas aspirações de liberdade, e um símbolo de sua esperança de libertação.
Benedito, conhecido como mouro pela cor de sua pele, filho de escravos africanos sequestrados, deportados e vendidos, desprezado por sua origem e condição social (era chamado: “scavuzzo”, “scavo nigro”, “schiavotto”), que decide sobre sua vida e escolhe se tornar eremita para se dedicar à busca de Deus e à oração; Benedito que, tendo sido dissolvido o grupo de eremitas, entrou para os Frades Menores, e aqui, de caráter amável, amado e estimado pelos confrades, tornou-se seu guia e introduziu a Reforma na família religiosa. Foi muito benquisto e procurado por sua sabedoria, disponibilidade, caridade delicada, espírito de oração e capacidade de escuta e cuidado pelas pessoas, pelos pobres, ricos e nobres, clérigos e leigos.
Por todas essas razões, imediatamente após sua morte, Benedito foi aclamado santo e padroeiro pela cidade que o acolheu, antes de ser oficialmente canonizado pela Igreja e, na América Latina, venerado como símbolo de redenção dos negros escravos deportados.
Neste mundo e neste tempo em que centenas de milhares de pessoas fogem de seus países de origem forçadas pela fome, por condições extremas de vida, falta de liberdade, água, trabalho e exploração, em busca de dignidade, respeito e uma vida digna da condição humana; ou arrancadas do afeto de seus entes queridos para serem escravizadas, muitas vezes encontram violência, exploração e morte no deserto ou no mar, Benedito é uma figura de extraordinária relevância, símbolo de esperança, redenção, acolhimento e integração.
A celebração do quinto centenário do seu nascimento é uma ocasião providencial para redescobrir a figura do Santo Mouro e a relevância da sua mensagem de solidariedade, fraternidade e diálogo para o mundo multirreligioso, multicultural e multiétnico em que vivemos, dilacerado pelo racismo e pela discriminação, pelas guerras e pela violência, afligido por velhas e novas formas de escravidão, mas sedento de liberdade, de paz, fraternidade e, sobretudo, espiritualidade.
Palermo, 3 de janeiro de 2024
Festa das SS. Nome de Jesus
Os Frades Menores da Sicília
O quinto centenário do nascimento de São Benedito, o Mouro.
No dia 03 de janeiro de 2024, dia da comemoração do Santíssimo Nome de Jesus, a Província da Ordem dos Frades Menores na Sicília, Itália, abriu solenemente as comemorações do quinto centenário do nascimento de São Benedito, conhecido como “Mouro”, por ser negro, de origem africana e filho de escravos africanos. São Benedito, como mostra a carta dos frades menores da Sicília, se tornou muito popular em várias áreas do mundo, sobretudo naquelas em que o tráfico de escravos foi mais intenso e a devoção ao santo negro foi particularmente cara às populações oprimidas e escravizadas, que se identificavam com o santo franciscano e viam nele a esperança de sua libertação da escravidão.
A devoção a São Benedito é muito grande também na Amazônia, onde são celebradas grandes festas a este santo ao longo de todo ano. Desde a periferia de Belém, subindo pelos paranás e rios da Amazônia, será possível participar de alguma festa de São Benedito. Destacam-se as festas do Bairro do Jurunas, em Belém, em Gurupá, Almeirim… etc.
Quando a nova entidade franciscana foi fundada na Amazônia, erigindo-se uma Vice-Província, o então primeiro ministro provincial, Frei Miguel Kellett, fez uma sondagem entre os frades, uma espécie de eleição para escolher um nome para a nossa entidade franciscana. Quem ganhou a eleição foi São Benedito, especialmente por causa da sua popularidade nas comunidades da região amazônica.
Portanto, para a Custódia São Benedito da Amazônia, a celebração do Quinto Centenário de São Benedito tem um brilho especial. Que o santo frade siciliano nos inspire com as suas muitas virtudes!
Tradução e comentário: Frei Edilson Rocha, OFM