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Chamados e consagrados: Uma partilha de Frei Diogo Henrique sobre a renovação dos votos e a conclusão de mais um ano letivo

Foto: Fraternidade São Boaventura, Manaus – AM

 

“Recomecemos, irmãos, pois até agora 

pouco ou nada fizemos”.

Chegamos ao fim de mais um ano letivo e acabamos de renovar mais uma vez, nossos votos evangélicos. Penso que agora é um tempo de graça que o Senhor nos proporciona para uma revisão da nossa vida e caminhada vocacional. Como os passos catequéticos, faz-se necessário olhar para trás e recordar este processo.

Nós, Frades Menores de votos temporários, precisamos escrever uma carta ao Ministro Custodial, pedindo para que nossos votos sejam renovados. A carta normalmente é iniciada assim: “Tendo experienciado por um ano os votos religiosos, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade, junto a Fraternidade São Boaventura, na cidade de Manaus (AM), amadurecendo e discernindo profundamente a vocação franciscana a que fomos chamados…” Desse modo, nós somos levados a entender que toda a caminhada vocacional realizada neste ano que está findando, com vivas alegrias e também fadigas; risos e lágrimas, nos impulsionaram até este momento em que reafirmamos nosso pedido. Fazemos o pedido porque temos a certeza de podermos corresponder ao chamado de Deus.

Durante o processo formativo, e não diferentemente deste ano que finda, muitos são os fatores que nos lapidam, tanto a nível pessoal quanto comunitário. A nível pessoal somos desafiados a superar o nosso próprio ser frente aos desafios, da vida religiosa, as demandas da vida acadêmica e até mesmo aquilo que trazemos de nossas famílias. A nível comunitário, os desafios também estão presentes. Mas, para cada desafio, uma oportunidade de aprendizado!

Foto: Fraternidade São Boaventura, Manaus – AM

Durante este ano, nossa fraternidade nos proporcionou uma vivência real do serviço de Deus aos irmãos. Esta vivência começa em nossa fraternidade e se estende até a paróquia a que servimos.  É importante dizer que, a presença e o suporte dos nossos confrades de votos solenes que residem conosco (Frei Amauri, Frei Messias e Frei John) são primordiais e providências no discernimento da nossa vida. Este mesmo suporte dado pelos confrades mais experientes, também é encontrado entre nós, que estamos na formação inicial. Encontramos suporte naqueles que ficam e naqueles que vão, como aconteceu com nosso irmão de caminhada, Walter Neto, que hoje trilha um novo caminho. A alegria destes confrades é a nossa alegria.   

Este ano foi marcado por outras experiências vividas fora da fraternidade São Boaventura. Nossa missão realizada junto a Paróquia Santo Antônio (Manaus-AM) e a visita à Missão São Francisco do Rio Cururu (em julho), nos apresentaram as exigências de uma evangelização comprometida em terras amazônicas. São missões que nós abraçamos com muito amor e dedicação. A graça do reencontro e o reavivamento vocacional experienciado durante o Capítulo Custodial 2022, também foi outro momento da ação de Deus em nossa vida. Talvez não estamos mais atentos a isso, mas, os momentos de oração, convívio, trabalho e partilhas, são muito especiais e valorosos para nós.

Chegado o fim de mais um ano (o primeiro para Frei Jailson e segundo para Frei Gean e para mim, Frei Diogo), o Senhor nos possibilitou aprofundarmos os votos evangélicos, tendo como base de reflexão a obra “Teologia dos Votos” (Pe. Lourenço Kearns, dividida em três volumes), em dois dias de retiro que contou com reflexões, partilhas e um momento de adoração ao Santíssimo Sacramento, na Fraternidade São Boaventura, acompanhados pelo mestre de formação, Frei John Araújo. 

Por graça de Deus renovamos nossos votos junto a Custódia São Benedito da Amazônia, na pessoa do Frei Edilson Rocha (Ministro Custodial), que acolheu paternalmente nossos pedidos, representado por Frei John, que presidiu a celebração eucarística da Solenidade da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, Matrona da Ordem e Padroeira da Arquidiocese de Manaus, que teve início às 07h, na Paróquia de Santo Antônio, concelebrada pelo Pároco Frei João Messias, junto a amigos e demais paroquianos. Encerrando com um almoço festivo em nossa fraternidade.

Novamente somos chamados à missão e ao discernimento, reafirmando nosso propósito de viver por mais um ano esta graça santificadora, que se faz possível pela ajuda mútua dos irmãos e confrades. Eles que pelo testemunho assumido e pelas dedicadas orações, ajudam a conduzir-nos ao amor e a doação de nossa vida, confiantes de que é o Senhor que nos conduz a todos. Contem conosco.

Fraternalmente,

Frei Diogo Henrique da Silva Siqueira Oliveira, OFM.

 

Veja algumas fotos da Celebração de Renovação e Votos

 



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Frades em Manaus celebram as festividades de São Francisco

 

Peregrinação da Imagem de São Francisco. Foto: PASCOM Santo Antônio.

 

A Fraternidade São Boaventura e a Paróquia de Santo Antônio (Manaus-AM), realizaram a festividade de nosso Pai Seráfico, São Francisco de Assis, que neste ano trouxe o tema: “Com São Francisco, renovemos nossa visão, abracemos nosso futuro”, fazendo ressonância ao Capítulo Geral da Ordem dos Frades Menores realizado este ano. Vários grupos e pastorais se envolveram neste projeto, idealizado no Capítulo da Fraternidade do mês de setembro e acordado junto ao CPP da Paróquia de Santo Antônio. 

Peregrinação de São Francisco 

A programação, que iniciou no dia 1º de outubro com a Celebração Eucaristica às 19h, contou com o envio dos missionários de cada comunidade, que neste mês realizarão visitas pelo bairro. No sábado (2), aconteceu a peregrinação da imagem de São Francisco pelas comunidades que, apesar da chuva, começou na Igreja de Santo Antônio, às 15h, seguindo em carro aberto para a Comunidade da Sagrada Família, Santa Clara, Sagrado Coração de Jesus, São Pedro e encerrando na comunidade de São Filipe com a Santa Missa, presidida por Frei Messias às 19h.

 

Bênção dos Animais. Foto: PASCOM Santo Antônio

 

Domingo Franciscano (Missa, Bênção dos animais, Feira Vocacional e Transitus)

O domingo começou com a Missa às 7h, seguida da especial bênção dos animais realizada pelos frades. A tarde, a concentração foi às 16h na quadra da paróquia para a Feira Vocacional, que neste ano contou com a presença das Irmãs Filhas de Sant’Ana, Redentoristas, Salesianos de Dom Bosco, Frades Menores Capuchinhos, Juventude Franciscana (JUFRA), Ordem Franciscana Secular (OFS), Pastoral da Juventude (PJ), além do estande dos Frades Menores. A feira vocacional contou ainda com a participação de grupos de música da Paróquia que animaram o evento, equipe especial de ornamentação e limpeza e, a venda de alimentos fornecidos por cada comunidade. A noite começou com a encenação do transitus de São Francisco, promovido pelos jovens da paróquia, às 19h, seguida da Santa Missa presidida pelo Pároco, Frei Messias, OFM, e concelebrada por Frei Francisco, OFMCap.  

Frades em momentos celebrativos. Foto: PASCOM Santo Antônio.

 

A solenidade de São Francisco

Na segunda-feira (4), foi realizada a Celebração Eucarística na solenidade de nosso Pai Seráfico às 7h, direto da capela da Fraternidade São Boaventura e transmitida pelo Facebook da Paróquia de Santo Antônio. 

Frei João Messias, durante a homilía, enalteceu São Francisco dizendo que “olhar para São Francisco é entender a loucura do Evangelho. Francisco de Assis é um ícone que nos coloca em outra perspectiva, nadando contra a corrente. Em nossos dias o Papa Francisco a partir do exemplo do Santo tem  evidenciado o ‘ser pessoa’ na humildade. A pequenez é para Francisco um ato de  identificar-se com Cristo que se despojou. E este ‘ser pessoa’ se une a atenção para com os outros. A imagem do Bom Samaritano é retomada em Francisco de Assis que abraçou os sofredores do seu tempo. O Santo de Assis, soube parar, despojando-se de projetos pessoais e de temores, parar no caminho da vida e doar-se ao outro ferido às margens”. Concluindo as suas palavras Frei Messias exortou os ouvintes a uma vivência dos valores evangélicos,  inspirados na coragem e alegria para anunciar o amor de Deus que teve Francisco, o santo que desejou acima de tudo o Santo Espírito do Senhor e seu modo de operar.

A “Live Festiva” , que estava programada para quela noite, não pôde ser realizada devido ao apagão em algumas redes sociais (incluindo a página do facebook), o que deverá ser remarcada para o final deste mês. OS recursos de toda a venda de alimentos e a rifa (que será vendida até o fim de outubro) será destinada à formação dos frades estudantes de Manaus-AM.

Assim, as atividades desempenhadas pelos Frades Menores e Comunitários de Santo Antônio, marcaram os festejos de São Francisco de Assis na cidade de Manaus. Agradecidos ao Senhor Deus, desejamos a todos copiosas bênçãos e graças do céu.

Paz e Bem!

Frei Diogo Henrique da Silva Siqueira Oliveira, OFM

Frade Menor e Acadêmico de Filosofia (FSDB)

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O Oikos de Deus e a Filosofia de São Boaventura

Ilustração: Fábio Vasconcelos

 

São Boaventura, um dos mais importantes filósofos franciscanos, usou duas imagens para descrever o Oikos de Deus: espelho e livro.  Como um espelho, esta casa reflete o poder, a sabedoria e a bondade da Trindade, precisamente pela maneira como as coisas se expressam. Boaventura também descreve a casa de Deus como um livro no qual o Autor (o Criador), a Trindade, brilha e é representado em três níveis de expressão: o  traço (vestígio), imagem e semelhança

A diferença nesses níveis de expressão reflete o grau de semelhança entre a criatura e o Criador, a cópia e o modelo, o Oikos e o seu autor.  O traço (ou vestígio) é o reflexo mais distante de Deus e é encontrado em todas as criaturas (os integrantes da casa).  Ou seja, cada grão de areia, cada estrela, cada minhoca, cada plantinha reflete a Trindade como sua origem (causa eficiente), sua razão de existência (causa formal) e o fim a que se destina (causa final). A imagem, entretanto, é encontrada apenas em seres intelectuais (humanos).  Reflete o fato de que a pessoa humana não se estrutura apenas à imagem da Trindade, mas, como imagem, é um receptáculo apto para o divino.  A pessoa humana está estruturada para expressar a Trindade de forma limitada e finita. Assim sendo, Boaventura ainda descreve os humanos conformados a Deus pela graça como semelhança, visto que, pela graça, são semelhantes a Deus.  

A casa de Deus com toda criação é uma teofania para Boaventura, uma expressão da glória de Deus.  Porque o mundo expressa a Palavra por meio da qual todas as coisas são feitas (João 1), cada criatura, membro da casa de Deus, é em si uma “pequena palavra”.  O Oikos de Deus, portanto, aparece como um livro que representa e descreve seu Criador.  Cada criatura é um aspecto da auto expressão de Deus no mundo e, uma vez que cada criatura tem seu fundamento na Palavra, cada uma está igualmente próxima de Deus (embora o modo de relacionamento seja diferente).  

Visto que a Palavra de Deus é expressa na variedade multifacetada da criação, Boaventura vê o Oikos de Deus como sacramental – um mundo simbólico cheio de sinais da presença do próprio Deus.  O mundo (a casa de Deus) é criado como um meio de auto-revelação de Deus para que, como um espelho possa nos levar a amar e louvar o Criador.  Nós, os humanos, somos então, criados para ler o livro da criação para que possamos conhecer o Autor da Vida.  O livro da criação, de acordo com Boaventura, foi concebido por Deus para ser o livro da sabedoria divina tornado visível para todos. No entanto, este livro se tornou ininteligível para os humanos por causa do pecado.  Como um livro escrito em uma língua estrangeira, a criação tornou-se ilegível porque a mente humana, nublada pelo pecado, ficou envolta em trevas.  Quando o pecado tornou este livro incompreensível, a Sabedoria, a Palavra, tornou-se carne, de modo que o livro escrito (a Palavra divina) foi escrito fora na humanidade de Jesus Cristo.  Na encarnação, o Verbo divino, fundamento de toda a realidade, apareceu no centro do Oikos de Deus.  O Verbo, que é a verdade de todas as coisas, se fez carne e se deu a conhecer na pessoa de Jesus Cristo.  Quem conhece a Cristo, portanto, conhece a verdade da realidade.  

Boaventura destaca Francisco como o exemplar místico de Cristo.  Boaventura percebeu a conexão entre o Oikos de Deus exemplar e a centralidade de Cristo na vida de Francisco de Assis.  Na biografia de Francisco, ele descreve o mundo (a casa de Deus) exemplar como deveria ser.  Francisco é aquele que viu a beleza divina nas coisas belas da criação porque viu essa beleza primeiro em Cristo, crucificado e glorificado na cruz.  Por meio de sua relação com Cristo, Francisco identificou toda e qualquer criatura como irmão e irmã, porque reconheceu que tinham a mesma fonte (ou bondade) primordial que ele.  Boaventura descreve essa capacidade de ver a realidade das coisas em relação a Deus como “contuição”.  Contuição é a consciência da presença de Deus junto com o objeto da própria criação, seja uma árvore, uma flor ou um pequenino ser. Francisco foi capaz de apreender as verdadeiras profundezas da criação porque entrou profundamente no Verbo encarnado.  Lá, no centro de seu ser, e agora, no centro da criação, ele descobriu a verdade de si mesmo e de toda a criação em Deus, a saber, que ele e a criação estavam juntos na jornada  para Deus.  

Por meio de sua relação com Cristo, Francisco experimentou uma transformação de consciência pela graça.  Sua consciência do mundo criado mudou.  O mundo criado não era mais um livro ilegível para ele;  antes, cada aspecto da criação falava a Francisco do amor de Deus revelado em Jesus Cristo.  Francisco foi capaz de ler as “palavras da criação” como o livro de Deus.  Tudo falava a ele do amor de Deus manifestado em Cristo, e ele fez de todas as coisas uma escada para subir e abraçar “aquele que é absolutamente desejável”. 

Através da vida de Francisco podemos apreciar o mistério de Jesus Cristo como o mistério do Verbo divino que se fez carne, pelo qual conhecemos a profundidade de toda a realidade.  Em uma pequena obra chamada “As Cinco Festas do Menino Jesus”, Boaventura descreveu como Jesus nasce em uma alma humana que é devota, humilde e dedicada a Deus.  Quando alguém encontra Jesus dentro de si mesmo, Boaventura diz, então pode-se encontrar Jesus nas estruturas do Oikos de Deus. A mesma ideia é expressa teologicamente em seus escritos.  Boaventura afirma consistentemente que Cristo pertence à própria estrutura da realidade – como Palavra, à realidade de Deus;  como Verbo encarnado, à realidade do Oikos de Deus.  É Cristo quem revela ao mundo seu próprio significado.  

Visto que a criação é um símbolo vasto no qual Deus fala o mistério divino naquilo que não é divino, a criação (especialmente os humanos) mantêm uma relação “congruente” com a Palavra.  Porque a criação é a “palavra expressa” da Palavra divina, ela é dirigida em seu âmago para a realização e completude em Deus.  Mas como a criação alcançará seu objetivo?  Para Boaventura, a meta é alcançada por meio da pessoa humana que, como Francisco, se conforma com Deus pela graça.  Tal pessoa reconhece os sinais divinos da criação e oferece a Deus louvor e ações de graças.  A palavra “pessoa” está relacionada com o latim “per-sonare”, que significa “soar”. Ser uma pessoa não se baseia no que fazemos, mas em quem somos em relação a Deus e aos outros.  instrumento de alteridade pelo qual o outro “soa” na própria vida. Na pessoa de Jesus Cristo, Deus irradiou-se ao longo de sua vida, em suas palavras e ações e, finalmente, em seu ato de amor na cruz. 

Francisco também foi  uma pessoa verdadeira porque, como Cristo, o amor de Deus irradiou por meio dele, pelo que se tornou irmão de toda a criação. Daí Boaventura nos lembra uma grande responsabilidade vivendo no Oikos de Deus: somente a pessoa humana tem a liberdade de trazer paz e reconciliação dentro desta casa, porque somente a pessoa humana tem a capacidade de amar  em união com Deus. O destino do Oikos de Deus, portanto, depende de como nós. Amemos.

 

Irmã Ilia Delio, O.S.F. 

Membro da Congregação das Irmãs Franciscanas de Washington D.C. 

 

Texto originalmente publicado em Inglês no segundo volume da série “A herança franciscana” da Conferência dos Frades Menores para língua inglesa.

Tradução: Frei Erlison Campos, OFM