Nesta época do ano, o calendário da religiosidade popular dedica, dias antes do Natal, um tempo para festejar São Tomé (mesmo que o calendário litúrgico oficial festeje sua data em 3 de julho). Em muitos lugares da Amazônia, a memória do santo é associada às práticas dos roçados e invocado como padroeiro dos agricultores(as). Esta figura de Tomé parece ser mais celebrada no imaginário popular amazônida do que aquela do apóstolo, retratado nas páginas bíblicas. Um dos locais do estado do Pará que cultiva fortemente essa piedade popular e devoção ao santo é a comunidade Cametá, no município de Aveiro – PA.
Cametá é uma comunidade que fica na margem esquerda do rio Tapajós, com cerca de 200 famílias, que na sua maioria se sustentam da atividade agrícola. A padroeira oficial da localidade é Santa Terezinha, mas a festa de São Tomé é uma das mais destacadas na comunidade. Esta festa é um exemplo da piedade popular amazônida que recorda os santos e suplica sua intercessão junto a Deus. Reconhecendo a importância dessa festividade, os antropólogos Carlos Bandeira Jr. e Frei Florêncio Vaz, com base nas suas pesquisas de campo, produziram um documentário com imagens coletadas na festa de 2019. Devido à pandemia de Covid-19, os responsáveis pela produção do filme só puderam apresentar o resultado para a população local este ano.
No dia 17 de dezembro, a equipe do documentário (Frei Florêncio e os irmãos Carlos Bandeira Junior e Felipe Bandeira) partiu de Santarém com destino à Cametá, no barco Edmundo Braga. Na ocasião, Frei Fábio Vasconcelos e Frei Andrei Anjos, também acompanharam a equipe como convidados. A viagem pelo rio Tapajós iniciou às 19h30min. Com as redes atadas e muitas expectativas, a expedição percorreu uma noite de viagem pelo rio Tapajós, acompanhada de outros viajantes com seus sonhos e histórias.
Depois de subir o majestoso rio Tapajós, às 9h do dia 18 de dezembro, o barco que conduzia a equipe aportou na comunidade Cametá. Os viajantes desembarcaram suas bagagens e o material para exibir o filme. Subindo a escadaria, percorreram algumas casas e logo chegaram à capela e barracão de São Tomé. Na capela, encontrava-se a pequena imagem de São Tomé, recoberta de fitas e acomodada em um oratório artesanal recoberto de um estampado tecido de chita. O estilo do oratório era como de uma tenda ou cabana. Ao lado estava o barracão, onde realiza-se a programação social da festa do Santo, inclusive as festas dançantes. À noite, o barracão se transformaria em sala de cinema.
As irmãs Terezinha e Irene Marques, da família que promove a festa, aguardavam a equipe no local de hospedagem. Frei Florêncio Vaz, que é originário da comunidade vizinha Pinhel, relatou que conhecia a bastante tempo aquele festejo de São Tomé. Disse ainda que aquele já era o segundo documentário produzido sobre o tema, sendo o primeiro feito pelo cineasta Clodoaldo Correa, em 2009. A comitiva do filme aproveitou a manhã e conversou com os comunitários, revisitou pessoas que colaboraram na filmagem e convidou para a sessão de cinema. Dona Irene Marques, integrante da equipe da festa de São Tomé, guiou o grupo nas visitas.
Este ano, a festa de São Tomé não aconteceu com a grandiosidade costumeira por dois motivos: a pandemia de Covid-19 e o falecimento de uma das lideranças locais, a senhora Maria de Fátima, conhecida como Maria Pretinha. Por isso, a festa de São Tomé não contou com levantamento de mastro e nem com a festa dançante. No almoço, um peixe muito apreciado foi servido no local, xaperema assado. À tarde começaram os preparativos para a noite de cinema, precedida por um momento religioso.
O “canto das seis horas” em louvor ao Glorioso São Tomé foi entoado por um grupo de foliões com tambores, caixas, reco-reco e outros instrumentos. Foliões em geral são pessoas adultas, mas as crianças também acompanharam o momento de cantoria e louvação. Os foliões puxaram cantos que evocavam Jesus Cristo, Rei da Glória, Filho Santo de Maria. Mencionaram a “hora de alegria” e “Glorioso São Tomé”, pedindo que o santo os guiasse sempre. Antes do grupo de mulheres cantar a ladainha, uma das comunitárias fez uma motivação espontânea das intenções daquela ladainha. Então uma súplica ao Espírito Santo foi cantada, que traz em sua letra elementos das grandes súplicas litúrgicas ao Divino, o pedido “Veni, Sancte Spiritus”, a petição dos dons, entre outros aspectos. A ladainha entoada foi dirigida aos títulos de “Nossa Senhora”, num misto de canto gregoriano em latim e tons amazônicos. Ainda fizeram parte do momento religioso algumas falas da família guardiã do Santo, dos visitantes, o ritual do beija-fita e o canto da despedida feito pelos foliões.
Por volta das 20h, o esperado documentário começou a ser projetado. Uma fala introduziu o enredo e a importância deste festejo popular. Os comunitários, ao vislumbrar as cenas do documentário, recordaram os participantes da festa que já não estão vivos. A exposição fez uma menção honrosa à Maria Pretinha, falecida este ano, que aparece nas filmagens e era foliã de São Tomé. O documentário apresenta olhares sobre a manifestação de religiosidade popular e festa social com a ajuda dos depoimentos das lideranças. As imagens retratam diversos momentos da festa: levantamento de mastro, folias, rezas, momentos dançantes e etc. O vídeo contempla a história e futuro desta festividade. Na circunstância, outro documentário produzido em 2009 também foi exposto. Ao término da sessão, as pessoas manifestaram suas impressões sobre as produções cinematográficas.
O documentário deve ser divulgado em breve no YouTube. Assim, com sentimento de gratidão, a equipe do documentário e convidados se despediram de Cametá animados pela fé em São Tomé. O documentário entregue nas mãos do povo é sinal de um empenho para restituir aos povos locais toda a riqueza da sua religiosidade. Tá nas mãos de São Tomé, está nas mãos do povo também!
Frei Fábio Vasconcelos, OFM
Fotos: Equipe de Comunicação Custodial