No dia de ontem, 24 de agosto, pastorais e outros setores da sociedade civil, entre eles a Custódia São Benedito da Amazônia, presentes na cidade de Santarém (PA), lançaram uma nota de apoio às lutas e direitos indígenas frente ao julgamento do chamado “marco temporal”. Muitas outras instituições sociais e eclesiais têm afirmado sua posição de somar-se aos povo tradicionais contra a aprovação judicial da tese que pode alterar as leis sobre demarcação de territórios indígenas no país. Na Nota as entidades expressam sua preocupação com retrocessos e posturas anti-indígenas no pano de fundo da tese do Marco Temporal. Os autores da nota, manifestam sua solidariedade para com os nativos de diversas partes que se encontram em Brasília no “acampamento luta pela vida”, caracterizado no escrito como um puxirum (reunião) de resistência.
Confira o texto na íntegra:
NOTA DE APOIO E SOLIDARIDADE ÀS LUTAS DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL CONTRA O MARCO TEMPORAL
Os movimentos, organizações e pastorais sociais de Santarém – PARÁ, nos solidarizamos com as lutas dos Povos Indígenas do Brasil contra o marco temporal e em defesa do direito de ser e viver em seus territórios,
Considerando que:
1. O julgamento do marco temporal das terras indígenas foi mais uma vez agendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e entrará em pauta no próximo dia 25 de agosto. Apesar de se tratar de um caso específico que discute uma reintegração de posse movida contra os povos Xokleng, Kaingang e Guarani no estado de Santa Catarina, o resultado do julgamento terá consequências para o futuro da demarcação de todas as terras indígenas no Brasil. Pois, o pleno do STF, em fevereiro de 2019, deu status de “repercussão geral” ao processo, permitindo que essa decisão final torne-se uma referência para ser seguida por todos os casos semelhantes em julgamento no STF e nos demais tribunais do país.
2. Junto ao mérito do referido Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365, a Corte Suprema discutirá se mantém ou não a medida cautelar deferida pelo ministro Edson Fachin, em maio deste ano, que suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União, AGU, instrumento usado para institucionalizar o marco temporal como norma no âmbito dos procedimentos administrativos de demarcação.
3. O Marco Temporal é uma tese anti-indígena defendida pelo setor ruralista para restringir os direitos dos povos originários. Ela estabelece a interpretação de que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou as que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores. Essa tese desconsidera o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram considerados por lei incapazes e tutelados pelo Estado brasileiro. Assim, não tinham autonomia para lutar judicialmente por seus direitos, embora as elaborações de resistência desses povos estivessem sempre presentes.
4. Se prevalecer a existência de um marco temporal, defendido pelo setor ruralista, se está legalizando o esbulho, invasões, remoções forçadas, massacres e genocídios ocorridos no passado contra os povos originários. E, neste caso, a decisão poderia incentivar uma enxurrada de outras decisões anulando demarcações, com o consequente surgimento de conflitos em regiões pacificadas, isto é, a invasão e esbulho possessório a terras já demarcadas. “Se o STF aceitar o chamado Marco Temporal em sua decisão sobre a demarcação de terras, no final deste mês, poderá legitimar a violência contra os povos indígenas e acirrar conflitos na floresta amazônica e em outras áreas” (Disponível em https://news.un.org/pt/story/2021/08/1760692), disse Francisco Cali Tzay, Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.
5. Na avaliação de indigenistas, juristas, lideranças indígenas e do Ministério Público Federal (MPF), a referida tese do Marco Temporal contrapõe o artigo 231 da Constituição que reconhece “direitos originários [dos povos indígenas] sobre as terras que tradicionalmente ocupam” – ou seja, nas quais eles já estavam mesmo antes da existência do próprio Estado brasileiro. 6. Para os povos indígenas é decisivo a garantia e manutenção de seus direitos Constitucionais, para que não sejam violados seus territórios e suas condições de vida, ameaçadas pela ganância do capitalismo que mercantiliza a floresta.
Diante disto:
1. Manifestamos toda a nossa solidariedade e apoio aos povos indígenas de diversas partes do Brasil, que saíram de suas aldeias, enfrentando longas viagens, chegaram em Brasília para fazer um grande PUXIRUM DE RESISTÊNCIA E DEFESA DOS DIREITOS INDÍGENAS, um grande acampamento indígena formado por vários rostos, pinturas, cores, cantos, uma diversidade de povos, unidos por um mesmo objetivo: DEFENDER O DIREITO DE SER E VIVER EM SEUS TERRITÓRIOS.
2. Exigimos o respeito do direito originário de todos os Povos Indígenas do Brasil de estar e permanecer nos seus territórios e levar seus modos de vida, resistindo assim ao extermínio e ao genocídio que tem sofrido até o dia de hoje.
3. Conclamamos a toda a sociedade brasileira a não compactuar com a postura antiética de quem quer se apropriar de aquilo que pertence a outra pessoa ou coletividade e exigir indenização quando se é obrigado a sair de essa invasão ilegal.
Santarém-PA, 24 de agosto de 2021.
Assinam a nota as seguintes entidades:
Grupo de Defesa da Amazônia, GDA
União de Entidades Comunitárias de Santarém, UNECOS
Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia – ADHMA
Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém, AMTR
Associação das Mulheres Doméstica de Santarém, AMDS
Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, CITA.
Conselho Indigenista Missionário, CIMI, Regional Norte II
Movimento Tapajós Vivo, MTV
Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém,
CRB, Conferência de Religiosos-as do Brasil – Núcleo de Santarém
Custódia Franciscana São Benedito da Amazônia
Comissão Pastoral da Terra da Arquidiocese de Santarém, CPT
Projeto Saúde Alegria, PSA
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, FASE
Associação Franciscana de Maristella do Brasil
Sindicato dos Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais, Agricultoras e Agricultores Familiares do Município de Santarém -STTR-STM
Vivat Internacional – Brasil (Entidade de Direitos Humanos diante da ONU)
Conselho Pastoral de Pescadores -CPP, da Arquidiocese de Santarém
Caritas do Brasil – Arquidiocese de Santarém
Terra de Direitos, TD
Sociedade para Pesquisa e Proteção ao Meio Ambiente, SAPOPEMA
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém, CJP
Companhia de Jesus – Jesuítas Santarém
Congregação do Preciosíssimo Sangue
Sindicato de Trabalhadores da Educação Pública de Santarém, SINTEPP-STM
Sindicato de Trabalhadores da Educação Pública – Regional Oeste do Pará, SINTEPP – Regional Oeste
Área Pastoral São Mateus da Arquidiocese de Santarém
Associação de Moradores do Bairro Pérola do Maicá, AMBAPEM
Instituto Uaná de Tecnologia Social
Prof. Rui Harayama do Instituto de Saúde Coletiva UFOPA
Paróquia do Perpetuo Socorro – Santarém
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Oeste do Pará e Baixo Amazonas – MOPEBAM
Sindicato dos Trabalhadores em Saúde no Estado do Pará, SINDSAUDE
Sindicato dos Urbanitários do Pará, STUPARA – Regional Santarém
Federação das Associações Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém- FAMCOS
Associação de Moradores do Bairro Pérola do Maicá, AMBAPEM
Associação de Moradores do Bairro da Liberdade, AMBAL.