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1º Domingo do Advento

Ilustração: Fábio Vasconcelos, OFM

Uma profissão que quase não existe mais é a de oleiro. Mesmo assim, ainda se encontra pessoas que fazem vasos de barro usando métodos antigos. Alguns anos atrás encontrei um oleiro numa feira de artesãos. Fiquei observando enquanto o oleiro fazia um vaso de barro. Ele pegou uma bola de barro e colocou num torno, uma roda que girava com a força dos seus pés. Em pouco minutos, o oleiro moldava aquele barro e com os dedos de artista, transformava o barro num vaso. Ele metia a mão no meio do barro para fazer um buraco e aos poucos o vaso ia tomando forma. Depois, com um instrumento chato, fazia desenhos no vaso. Cada vaso era diferente conforme a criatividade do oleiro e a maneira que ele trabalhava o barro.
Ao escutar as palavras do profeta Isaías, me lembrei do oleiro que fazia vasos de barro: “Senhor, tu és nosso Pai, nós somos barro; tu nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (Is 64, 7). É Deus, com seus dedos de artista, que nos molda. Mas há uma diferença entre o barro nas mãos do oleiro e nós, nas mãos de Deus. Enquanto o barro não tem vontade própria e é moldado sem resistência, nós precisamos nos deixar moldar.
O tempo de Advento, que iniciamos hoje, é esta grande oportunidade para deixar que sejamos moldados por Deus. A primeira coisa é lembrar que o Advento é tempo de espera. Mas nossa espera não é de ficar de braços cruzados aguardando que algo aconteça. Pelo contrário, nossa espera precisa ser de ação e não de acomodação. Para isto é preciso a vigilância, como disse Jesus no evangelho: “O que vos digo, digo a todos: vigiai” (Mc 13, 37).
Para sermos moldados por Deus, precisamos ficar atentos, porque não sabemos quando chegará o momento. Vigiar é lembrar que toda a vida cristã é um caminho no qual precisamos nos converter para as ações de bondade e solidariedade sendo sinais do amor de Deus no mundo.
Vigiar também é reconhecer que como cristãos enfrentamos muitas dificuldades e somos pressionados por propostas atraentes e enganosas. Nós, como servos vigilantes, precisamos vencer o egoísmo pela prática do amor e do serviço. É na vivência da comunhão fraterna em comunidade que somos moldados por Deus.
Vigiar é também lembrar que precisamos ser responsáveis pela casa de Deus que é o nosso mundo. Estamos diante de uma situação em que se usa muitos agrotóxicos, veneno na agricultura e nestes últimos tempos o fogo com muita fumaça no ar. Tudo isso causa muitos danos à natureza e à vida da humanidade. Cuidar da vida, respeitar a natureza, defender os direitos dos povos originários e das suas culturas é ser moldado por Deus.
São Paulo nos lembra que é Deus que nos dá perseverança em nosso procedimento irrepreensível até o dia de nosso Senhor. Ter um procedimento de diálogo e entendimento na família, agir com honestidade e ética no trabalho e praticar a partilha com os necessitados é ser o empregado responsável e cumprir a tarefa confiado. É este servo que espera o Senhor dando testemunho dos dons recebidos. Pela perseverança no testemunho e na vivência da fé que o cristão é vigilante e é moldado por Deus.
Então Advento é o tempo para sermos moldados por Deus e, assim, nos tornemos obras de Deus. Para isto lembramos que o tempo de Advento tem dois sentidos. Nas primeiras duas semanas, vigilantes e alertas, somos lembrados a esperar a segunda vinda de Jesus no final dos tempos; e nas últimas duas semanas, lembrando a espera dos profetas e Maria, preparamos mais especialmente o nascimento de Jesus em Belém.
Durante todo este tempo de Advento ficamos então na espera, não parados ou despreparados, mas pelo nosso compromisso de fé, na vigilância e na ação. Como o barro é moldado nas mãos do oleiro sem resistência, nós também queremos ser moldados por Deus como servos atentos e vigilantes. Através da criatividade de Deus, somos vasos que carregam um tesouro de valor inestimável, continuamos nossas tarefas e trabalhos como de sempre, mas agora de uma maneira diferente, com o nosso procedimento irrepreensível, confirmados pela graça de Deus e chamados à comunhão com Jesus Cristo, nosso Senhor.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Referências:

BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. 

A Fé Compartilhada – Pe. Luís Pinto Azevedo

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3º Domingo da Páscoa

Para quem ama, a experiência da morte é muito dolorida. Perder um familiar, mãe, pai, filho, filha, esposa, marido ou até um amigo nos traz uma grande tristeza. Diante da morte, há um forte sentimento de perda e de saudade. Sentimos a ausência de uma pessoa querida, mas a saudade é mais que sentir a ausência, é experimentar um grande vazio e o desejo de ficar do lado da pessoa, de ter a pessoa fisicamente presente.

Mesmo sabendo que a morte é o destino da nossa existência, ficamos inconsolados com o fato que nunca mais teremos a pessoa amada do nosso lado.  Vivemos esta realidade durante a pandemia de COVID-19. Foi um momento em que a morte estava pairando sobre nós e o medo fez com que a possibilidade da morte se tornasse mais próxima. Mas é justamente nesta hora de dor, tristeza e de medo que a fé toma conta do nosso ser. A fé não somente nos consola, mas nos traz uma grande esperança de que a morte não tem a última palavra, pois a vida sempre é a vencedora.

Os discípulos estavam caminhando de Jerusalém a Emaús, uma caminhada de onze quilômetros, e invadiu no íntimo deles uma profunda tristeza. Experimentaram bem de perto a morte de Jesus e, com medo, fugiam de Jerusalém e no caminho conversavam sobre os últimos acontecimentos.  Embora estivessem no caminho, estava abandoando o Caminho.

Naquela conversa havia um sentimento de tristeza e saudade, um grande vazio dentro deles. Lembravam as ações de Jesus, um profeta poderoso em obras e palavras e que este Jesus, entregue nas mãos dos sumos sacerdotes, foi morto de uma maneira cruel, crucificado. As saudades era tantas que não eram capazes de reconhecer Jesus que começou a caminhar com eles, parecia um estranho.

Na conversa, Jesus falava das Escrituras e eles sentiam uma nova esperança com suas palavras. Foi quando entraram na casa e Jesus partiu o pão que os olhos deles se abriram e reconheceram Jesus, mas Ele desapareceu do meio deles. Diziam: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32).

Enquanto caminhava com eles, Jesus ressuscitado estava fisicamente presente e eles matavam as saudades pelo jeito que ele explicava para eles as Escrituras. Mas agora, na partilha do pão, Jesus desaparece, não há mais a necessidade da presença física de Jesus, pois ele continua presente entre aqueles que acreditaram através dos seguintes sinais:

Presente, primeiramente, na Palavra, pois Jesus não é somente o cumprimento das Escrituras, mas ele mesmo é a Palavra que habita entre nós. Na escuta e vivência desta Palavra é que experimentamos a sua presença entre nós.

Segundo, na Eucaristia, pois ao partir o pão, Jesus repete o gesto da última ceia e lembra que os discípulos devem fazer isto em sua memória. No pão partilhado na vida comunitária e no pão abençoado do seu corpo e sangue, a comunidade de crentes recebe o alimenta para viver a fé e Jesus continua presente dando-nos o alimento que precisamos para a missão. Na comunidade, a partilha do pão eucarística é também indicação do pão partilhado na vida comunitária. Quem vive a partilha, se compromete em comunidade, e na comunidade Jesus ressuscitado está presente.

Depois, na missão, pois os discípulos, ao reconhecer Jesus na partilha do pão, imediatamente saíram em missão para contar aos outros que viram o Senhor. Assim começa arder o coração, pois Jesus caminha com a comunidade que vive a missão.

Diante da situação atual que estamos vivendo, o evangelho do caminho de Emaús nos ensina uma grande lição: Jesus ressuscitado não é um “estranho”, mas é nosso companheiro no caminho que restaura nossa esperança e nos anima para a missão.

A primeira comunidade cristã não precisava mais da presença física de Jesus, pois acreditava que Jesus estava presente na Palavra, na partilha do pão e na vida em comunidade.  Jesus não somente caminhava com eles, mas continua caminhando conosco nos mesmos sinais.

Podemos dizer que Jesus, ao caminhar junto, manifesta a solidariedade com todos aqueles que andam tristes e abatidos pelos acontecimentos. A presença de Jesus ressuscitado nos fortalece e nos encoraja também neste momento de dúvidas e incertezas, pois esta presença nos dá a certeza de que fomos resgatados, “não por meio de coisas perecíveis como a prata e o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo” (1Pd 1, 18-19).

É por isso que temos esperança de que podemos vencer as garras da morte, do mal e do medo. Cristo continua presente entre nós, e nós, comprometidos na comunidade podemos viver a certeza da ressurreição mesmo diante dos sinais da morte presente no mundo de hoje. Temos, portanto, os mesmos sentimentos dos discípulos que fizeram o encontro com Jesus no caminho:  “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras”.

Frei Gregório Jorieght, OFM

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Segundo Domingo do Advento

Todos nós já tivemos a experiência de andar por um caminho e são vários os tipos de caminho. Aqui na Amazônia há muitos caminhos: há caminhos fechados por meio da mata, que só dá para andar em fila indiana; há o caminho do rio que é largo, mas no tempo da seca é preciso conhecer o canal, senão pode encalhar; há caminhos na cidade que normalmente são as praças e onde não tem grama, pois o povo faz atalhos e assim cria caminhos. Toda caminhada exige decisões por onde vamos andar. É sempre preciso escolher nossos caminhos com cuidado, pois pode ser um caminho mais curto, mas cheio de buracos e, por isso, às vezes é melhor o caminho mais longo, pois teremos a garantia de chegar. Podemos dizer que a vida é um caminho, pois todos os dias temos diante de nós vários caminhos à nossa disposição e é preciso escolher qual vamos seguir.

Advento, por exemplo, é um caminho em preparação para o Natal. Nas notícias falam já sobre as previsões do Natal. Será bom ou ruim conforme as vendas no comércio. O Natal se torna uma grande festa do consumo e se perde o verdadeiro sentido do nascimento de Jesus. O Evangelho apresenta um outro caminho. A figura de João Batista representa o caminho do anticonsumo, pois vestia roupa de pele de camelo, comia gafanhotos e andava no deserto. A pregação de João é mudança de vida e transformação: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? Produzi frutos que provem a vossa conversão” (Mt 3, 7-8). Para João não basta ser “filho de Abraão”, é preciso a mudança de mentalidade e da maneira de pensar e agir. Em outras palavras, não basta ser batizado, nós como cristãos precisamos trilhar o caminho do bem, praticar os valores do evangelho e viver de acordo com os dons do Espírito que recebemos no batismo: “Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com Espírito Santo e com fogo” (Mt 3, 11). 

Esta mudança de vida e de ação nos traz uma grande esperança. O profeta Isaías fala da vinda do Messias que vai reavivar nossa esperança: “Naqueles dias, nascerá uma haste do tronco de Jessé, surgirá um rebento de uma flor” (Is 11, 1). É desta esperança que nascerá também um novo mundo e a criação retornará à sua origem como desejada por Deus: “A vaca e o urso pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha como o boi; a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa; e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente” (Is 11, 7-8). O profeta ainda confirma que “não haverá danos e nem morte”. Será uma nova criação.

Qual o caminho que vamos escolher neste Natal? Advento não é o tempo de preparar os presentes, a comida e as festas, mas é o tempo de caminhar no encontro pessoal e comunitário com Jesus. E esta caminhada exige mudança de mentalidade, de pensamentos e ações.

É uma mudança que nos leva a nadar contra a correnteza, embora seja mais forte que a do Rio Amazonas. Significa produzir os frutos de justiça e paz diante de um mundo de ódio e injustiça, pois “o machado já está na raiz das árvores”.  Natal é escolher o caminho da transformação e não de consumo e festas. Escolher este caminho significa: praticar a partilha através do Natal Solidário cujo objetivo é dar às famílias mais necessitadas cestas básicas; reconhecer nossa responsabilidade na missão de evangelizar pela nossa oferta na Campanha da Evangelização promovida pela CNNB todos os anos neste tempo de Advento; é celebrar junta a Eucaristia onde pelo compromisso de fé não somente relembramos o nascimento de Jesus, mas fazemos com que este mesmo Jesus continue nascendo entre nós para nos devolver a nossa esperança do Reino de acordo como o plano criador de Deus nosso Pai. 

São muitos os caminhos na nossa frente e com muitos perigos, alguns são estreitos, outros tortos e outros largos, mas neste Advento precisamos trilhar um novo caminho de conversão e transformação, pois “Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga” (Mt 3, 12).

 

Frei Gregório Joerigth, OFM

 


Referências:

BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. Acesso em: 03 fev. 2022.

A Fé Compartilhada – Pe. Luis Pinto Azevedo

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Solenidade da Santíssima Trindade

Imagem: Frei Fábio Vasconcelos

Talvez a definição mais bonita, mais fácil e mais acessível à nossa compreensão humana de Deus é a afirmação de que “Deus é Amor” (Cfr. 1Jo 4, 7-15). Trata-se de uma afirmação que expressa uma profundidade infinita.  Buscar compreender o mistério de Deus, como se revela em nossa fé cristã, implicará sempre num mergulho profundo na realidade divina, cuja presença luminosa podemos apenas pressentir, como que às apalpadelas – para usar a expressão do Apóstolo Paulo – tocando nos sinais de que Deus nos permite ver e sentir, sobretudo aqueles que são frutos do Seu amor imenso por nós. A maior destas provas de amor é o próprio Filho Unigênito, doado pelo Pai para a salvação do mundo (Cfr. Jo 3, 16). O mistério de Deus não pode ser apropriado e contido por ninguém. Não cabe nos limites da nossa inteligência e compreensão. Diante do mistério insondável de Deus nos sentimos pequenos como um grãozinho de areia na margem do oceano ou como um pontinho bruxuleante no universo infinito: podemos somente contemplar e mergulhar em êxtase nestes espaços imensos, que nos fascinam tanto!

Celebrar o nosso Deus como Trindade Santíssima é festejá-lo como expressão sublime e completa do Amor. É celebrar Deus que se revela próximo da humanidade e que se identifica conosco, que busca se manifestar a partir da nossa interioridade, do nosso coração, estabelecendo uma relação pessoal conosco e agindo no mundo através de nós.  Deus é o único Bom, nos ensina Jesus, e sopra e age onde quer. Todos os gestos de amor, de bem, de bondade, de unidade, de paz e tudo o que é bom tem sua fonte e origem em Deus. Não é mérito nosso.

A sabedoria divina, manifestada desde a criação do mundo, no Verbo que se fez carne, no amor de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (Cfr. Rm 5, 1-5), nos revelam a realidade maravilhosa do nosso Deus, uno e trino. Deus que se faz pequeno para habitar em nós, fazendo de nós sua morada e nos inspirando também a amar a todos e a buscar sempre a unidade. Só em Deus existe a perfeita unidade. Só mergulhados nesta maravilhosa experiência do Amor, podemos superar as divisões e desigualdades entre nós, seres humanos, e nos humanizar a partir da nossa experiência de Deus, contemplado seu mistério como fonte de toda unidade. Talvez, tentando simplificar para entender melhor o mistério, possamos dizer que a Santíssima Trindade é a melhor e mais perfeita comunidade. Deus é amor! Quem ama, conhece a Deus, porque Deus é Amor! Para haver amor, é sempre necessário haver um eu, um tu e um nós! A vida fraterna em comunidade será sempre uma mediação indispensável para a experiência genuína do Deus-Amor e o conhecimento verdadeiro do Deus Uno e Trino.

Frei Edilson Rocha, OFM

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Tapiri da Palavra: Domingo de Páscoa – Ano C

Nós somos cercados por sinais. Todos os dias usamos sinais para ajudar na comunicação e nos nossos afazeres. Um sinal de trânsito, por exemplo, serve para nos orientar nas estradas para não errar o caminho e nem correr o risco de um acidente. Usamos sinais com nossas mãos para comunicar algo para as pessoas e dizer o que precisamos ou expressar um sentimento. Na Bíblia os sinais indicam que Deus está realizando algo que não é percebido por quem não faz a experiência de fé e amor. Estes sinais não são provas lógicas ou argumentos, mas apontam para uma nova realidade para quem tem fé e vive o amor.

No final da leitura do evangelho de hoje, o discípulo amado ao entrar no túmulo: “viu e acreditou, de fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura”. O que ele viu? A pedra retirada, o túmulo vazio e os panos enrolados à parte. São sinais!

Para compreender estes sinais, vamos olhar para o início deste evangelho. Foi Maria Madalena que foi primeiro ao túmulo, bem de madrugada. Ela representa toda a comunidade que não podia acreditar, pois diante da ausência do corpo de Jesus, ela diz: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20, 2b). Ela e a comunidade procuram uma explicação para o sinal do sepulcro vazio.

Podemos lembrar os acontecimentos e por aquilo que a comunidade passou:

Eram pessoas pobres e simples que seguiram Jesus, acreditavam na sua palavra e nos seus sinais, apostaram no seu projeto, por isso eram capazes de deixar tudo;

Participaram da ceia quando Jesus repartiu o pão e o cálice, lavou os pés e mostrou o caminho do amor pelo sinal da partilha. Foram tocados pelo ensinamento do amor e da promessa do Espírito Santo;

Mas, de repente, viram Jesus condenado, torturado e morto na cruz. Não só a morte de alguém que eles amavam, mas o fim do projeto de esperança, da possibilidade da libertação e da realização das promessas de Deus. Parecia que o sinal da vida era vencido pela morte.

Diante disto, foi o discípulo amado que correu mais depressa ao sepulcro, ele viu e acreditou. Ele foi o discípulo que Jesus amava e foi justamente o amor que o fez correr mais depressa. Então ele representa a comunidade que não compreende, mas, ao mesmo tempo, é capaz de acreditar que o amor é mais forte que a morte. A explicação para o sepulcro vazio é justamente a vitória da vida.

Assim, o sinal da ausência de Jesus no sepulcro se tornou uma oportunidade de acreditar. Foi a partir deste sinal que os discípulos compreenderam que Jesus ressuscitou e seu projeto de amor venceu. Assim, os sinais da ressurreição são justamente os sinais de fé e amor. Foi a fé e o amor que venceram o poder romano que condenou Jesus à morte, o amor é mais forte que a violência. A fé e o amor venceram os fariseus que não podiam acreditar na superação da Lei. A fé e o amor venceram a sociedade que exclui os pobres, os aleijados e leprosos, pois em Jesus todos têm esperança de vida nova. Foram estes os sinais do amor que o discípulo viu e por isso acreditou. Assim, a comunidade testemunhou e começou a pregar, a viver o projeto que Jesus anunciava e viver os sinais da ressurreição.

Nós também somos capazes de acreditar na ressurreição que significa não simplesmente superar dúvidas de fé, mas manifestar os sinais da ressurreição. E o maior sinal da ressurreição é o amor.  O amor que vence a sociedade violenta em que vivemos e é capaz de viver a solidariedade, mesmo nos momentos de dificuldade e sofrimento que enfrentamos ao longo da pandemia da Covid-19. É este amor que vence as desigualdades sociais, a miséria, a pobreza e é capaz de viver a partilha com os mais necessitados. É este amor que vence a destruição da vida e da criação, capaz também de respeitar toda a vida e promover ações de justiça e fraternidade. Enfim, é o amor que vence a morte e a fé que vence as dúvidas.

Então, nós somos o discípulo amado, capazes de correr, viver o amor e manifestar os sinais da ressurreição. Por isso, lembramos a resposta do salmo de hoje: “Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos”.

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Tapiri da Palavra: Domingo de Ramos da Paixão do Senhor – Ano C

Com o Domingo de Ramos da Paixão do Senhor celebramos o início da Páscoa do Senhor, nessa que é a mais importante semana do calendário litúrgico, pois, nos recorda a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

As leituras que nós meditamos nesse domingo nos colocam no clima da semana santa. Delas brotam duas atitudes de Jesus: esvaziamento e misericórdia. Tal ensinamento queremos vivenciar nesses dias, acompanhando os últimos passos de Nosso Senhor para ressuscitar com Ele no domingo de Páscoa.

São Paulo, na carta aos Filipenses, afirma que “Jesus Cristo…esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo… humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz”. No momento decisivo, na hora de Jesus, o mestre de misericórdia entra solenemente em Jerusalém sem pompas, num total despojamento e humildade, montado num jumentinho. Toda a sua vida foi um testemunho de simplicidade. E chegado o momento final, Jesus ensina a nos esvaziarmos de nossa arrogância, prepotência e orgulho. Se quisermos celebrar a Páscoa do Senhor com o coração purificado é preciso viver a humildade nas relações com os nossos irmãos e irmãs. Superar essa nossa mania de grandeza e superioridade e a de nos acharmos melhores do que os outros.

O relato da Paixão do Senhor segundo o evangelista Lucas nos apresenta a outra atitude de Jesus que perpassa toda a sua vida: a misericórdia. Destaca-se nesse relato para a nossa meditação quatro gestos de Jesus. O primeiro: a cura da orelha decepada do empregado do sumo sacerdote (Lc 22,51). Com esse gesto, Jesus nos ensina que o discípulo não só não pode agredir ninguém, mas tem de estar sempre disposto a curar as feridas provocadas pelos outros. Jesus cura até quem lhe causou o mal. Infelizmente no nosso cotidiano ferimos as pessoas com as nossas palavras e gestos. Até destruímos vidas com o poder da palavra. Da nossa boca deveria sair só palavras para edificar e curar as pessoas. É hora de repensar nossas atitudes e pedir ao Senhor que nos ajude a sermos homens e mulheres que tocam e curam a alma de tantos irmãos e irmãs.

O segundo gesto: o olhar misericordioso para com Pedro (Lc 22, 61). Esse gesto comovente mostra a compreensão de Jesus pela fraqueza do seu discípulo e é sinal do perdão que lhe concede. Com o olhar de Jesus, Lucas quer ensinar aos cristãos que não se deve desencorajar diante das fraquezas e pecados. Jesus é muito compreensivo e a todos dirige um olhar misericordioso e pleno de amor. Vamos nessa semana rever o nosso olhar de condenação diante dos pecados e fraquezas de nossos irmãos e irmãs.

O terceiro gesto: o perdão dado aos que tramaram a sua morte (Lc 23, 34). As palavras de perdão de Jesus não se referiam aos soldados ocupados em dividir entre si suas vestes, mas aos verdadeiros responsáveis pela sua morte: as autoridades religiosas do seu povo. Jesus não se limitou a ordenar aos seus discípulos que perdoassem sempre e sem impor condições, mas deu o exemplo. Que tal nessa semana procurarmos nos reconciliar com alguém que há muito tempo não falamos.

Por fim, o quarto gesto: o salvamento do ladrão arrependido (Lc 23, 43). A vida de Jesus foi toda uma doação aos desprezados, aos últimos, aos impuros de Israel. Viveu cercados pelos publicanos, pelos pecadores, pelas prostitutas. E no fim, com quem morre? Com os santos? Não! Também no fim e era de se esperar, Ele se encontra no meio de quem mais amou: os pecadores. Na cruz está no meio de dois infelizes que fizeram tudo errado na vida. Ele veio de Deus, cumpriu a sua peregrinação nesta terra e agora volta ao Pai. Mas não volta sozinho. Volta acompanhado por alguém que representa a todos nós: um pecador, recuperado pelo seu amor. Nessa semana vamos repensar nas nossas atitudes de discriminação e preconceito. Vamos julgar menos e amar mais.

Que tenhamos uma feliz caminhada nessa semana santa e que os gestos de humildade e misericórdia possam ecoar na nossa vida. Uma santa e abençoada Páscoa.

 

 – Frei Haroldo Pimentel, ofm

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Tapiri da Palavra: 4º Domingo da Quaresma – Ano C

“Ó Deus, que por vosso Filho realizais de modo admirável a reconciliação do gênero humano, concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam cheio de fervor e exultando de fé…” A oração da coleta – isto é, aquela primeira oração da Eucaristia – que se chama assim justamente por recolher todas as intenções da assembleia orante, ali presente.  Além de colher as orações de todos os corações presentes, esta oração também já nos indica a mensagem central da Palavra de Deus que logo mais se ouvirá.

Assim, neste quarto domingo da quaresma, está expressa na oração da coleta o nosso reconhecimento da infinita e admirável misericórdia de Deus, que nos acolhe e nos abraça de novo como filhos e filhas muito amados, mediante o perdão e a reconciliação oferecidos a toda a humanidade, no Filho amado: “Aquele que não cometeu nenhum pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornemos justiça de Deus.” (2Cor 5, 21). A oração também expressa o sentido do domingo laetare, a alegria e exultação com que somos convidados a correr ao encontro das festas que se aproximam, pois este domingo nos deixa mais próximos da festa da Páscoa! Festa da nossa redenção.

Jesus nos ensinava, no domingo passado, que todos precisamos nos converter. Reconhecer-nos pecadores e necessitados do perdão de Deus e de reconciliação. Pois muitas pessoas olham para os outros e pensam que são os outros que precisam de perdão, de reconciliação, de conversão. Esta postura reflete o pensamento mesquinho de quem se julga melhor do que as outras pessoas. Mais que mesquinha, a atitude de se julgar melhor é desmascarada por Jesus como hipocrisia.

A parábola do filho pródigo, contada por Jesus para responder às críticas dos fariseus e mestres da lei, revela como Deus é um pai misericordioso, que se alegra e faz festa por um filho pecador, perdido, mas que retorna arrependido para a casa de onde saiu, em busca do perdão e do abraço acolhedor do pai. As críticas daquelas pessoas religiosas devotas revelam toda a sua mesquinhez e hipocrisia. Não admitiam que Jesus se misturasse com a gente considerada por eles como “desgraçada, pecadora e impura”. Pareciam ignorar a misericórdia divina, tantas vezes experimentada pelo povo de Deus em momentos cruciais da sua história. Pessoas religiosas e devotas, mesquinhas e hipócritas como os fariseus e escribas do tempo de Jesus, continuam a olhar com desprezo para os irmãos e irmãs, que como o filho perdido da parábola, buscam arrependidos ou desejosos de conversão, retornar ao abraço reconciliador do pai, que festeja a volta de quem estava perdido e mergulhado na lama fétida do pecado.

O irmão mais velho, que aparentemente estava mais próximo do pai, revela a distância imensa que na verdade os separava. Ele chega a ser duro e exigente com o pai, na mesma medida em que manifesta o desprezo e dureza em relação ao irmão, que ele trata como se não o fosse: “esse teu filho”. Este irmão mais velho simboliza as pessoas que, como os fariseus e mestres da lei, tentam sequestrar Deus a favor de seus interesses mesquinhos. Mas Deus não se deixa manipular por ninguém. O irmão mais velho é convidado pelo pai a se alegrar e festejar pelo irmão que estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado. A parábola termina por aí. Não se sabe se o filho mais velho mudou de atitude ou não. Mas fica a certeza de que ele, como todos nós, é convidado ao perdão, à reconciliação, à conversão. Não podemos nunca nos iludir com uma falsa convicção de somos melhores do que os nossos irmãos e irmãs mais frágeis e supostamente mais pecadores do que nós. Ninguém é melhor do que ninguém, diz um ditado popular. Todos somos pecadores, necessitados de conversão, perdão, reconciliação.

A Igreja também recebeu o dom de perdoar e reconciliar. O tempo quaresmal também é um momento propício para celebrar esse dom, no sacramento da penitência como preparação para a Páscoa. Que nossas comunidades e nossos ministros favoreçam a quem desejar, a celebração deste sacramento tão vital para nos guardar na paz da reconciliação conosco mesmos, com os irmãs e irmãs e com o nosso Deus, que é bom!

 

– Texto: Frei Edilson Rocha, OFM.

– Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

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Tapiri da Palavra: 3º Domingo da Quaresma – Ano C

“O Senhor é bondoso e compassivo!”

O refrão do salmo responsorial deste domingo, Salmo 102 (103), 1-2.3-4.8.11, recolhe a mensagem central da Palavra de Deus que nos é oferecida em nosso caminho quaresmal. Deus se revela como o Ser por excelência, que percebe quem se aproxima d’Ele, e percebe toda a realidade carregada por quem se aproxima, no caso, Moisés. Deus se revela como alguém que vê, que escuta, que sente e conhece os sofrimentos e a aflição do seu povo. Nada da realidade trazida por Moisés escapa de seu conhecimento. É o Deus da vida que fala com Moisés do meio da sarça ardente, que revela toda a sua indignação diante da escravidão e maus-tratos a que é submetido o seu povo. Não somente vê a condição de sofrimento e aflição, não somente conhece esta realidade, mas desce para libertar o seu povo dessa condição desgraçada em que se encontra. Não se omite, nem somente envia seu emissário para anunciar a libertação, não o deixa só nesta missão, mas promete estar com o seu missionário da libertação. O Deus que se revela a Moisés, no ardor da sarça, no coração do deserto, é o Deus dos vivos e não dos mortos, como Jesus vai lembrar em suas respostas aos saduceus, que não acreditavam na ressurreição. É o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó… O nome de Deus o revela não somente como o Ser por excelência e fonte de todo ser, mas também como o Deus da vida!

O Salmo responsorial sempre nos dá ganchos ou pontes para fazermos a ligação entre todas as passagens da Palavra de Deus que a Igreja nos oferece a cada domingo. O Senhor é bondoso e compassivo para conosco e, de nossa parte, somos exortados a viver em fidelidade a Ele, nutrindo-nos de Sua Palavra, reavivando continuamente a nossa fé e compromisso, mediante um caminho ininterrupto de conversão, cuidando para manter-se sempre de pé. Assim nos exorta o Apóstolo na epístola aos Coríntios.

Jesus nos revela a bondade e compaixão de Deus para conosco, lembrando-nos que mesmo as situações de infortúnios, perseguições,  sofrimentos e tribulações não devem ser interpretadas como castigos de Deus por causa dos pecados. Isso seria atribuir a Deus situações que resultam mais das maldades dos seres humanos e de suas escolhas erradas. As vítimas das situações de tribulações, sofrimentos e até mesmo de tragédias nunca devem ser julgadas sem mais nem menos como se fossem responsáveis pelos próprios infortúnios. Estes julgamentos frequentemente soam como injustiça contra as vítimas. Ninguém pode se considerar melhor ou menos pecador dos que os outros por ser poupado de situações de sofrimento e de dor. Mas todos devem se lembrar da necessidade de viver em estado de conversão: “Mas, se não vos converterdes…”.  No final de tudo, Jesus nos revela a paciência de Deus para conosco. Jesus é o cuidador da figueira e acredita na possibilidade de sua conversão em uma árvore frutífera. O adubo é a Palavra de Deus, que alimenta a nossa oração e nos irriga o coração com seu amor, concretizado em bondade e compaixão, que são eternos.  Deus é paciente, bondoso, compassivo  e amoroso para conosco. E nós, como correspondemos ao amor e fidelidade de nosso Deus para conosco?  E em relação aos nossos irmãos e irmãs, como anda a nossa paciência, bondade e compaixão?  A nossa experiência de Deus, de intimidade com o Cristo e sua Palavra, fará arder o nosso coração e nos transformará em imagens vivas d’Aquele que nos envia ao encontro uns dos outros.  Vamos continuar a viver a nossa caminhada quaresmal com os exercícios da oração, da caridade e do jejum, que nos fortalecem no caminho de conversão.

 

– Texto: Frei Edilson Rocha, OFM.

– Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

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Tapiri da Palavra: 2º Domingo da Quaresma – Ano C

Depois de entrarmos no deserto da nossa existência com o Mestre Jesus para vencermos as tentações da nossa vida, continuamos nossa subida rumo ao Calvário, no nosso retiro quaresmal, a fim de ressuscitarmos com Ele. Nesse segundo domingo da quaresma, somos convidados a subir a montanha sagrada com Jesus e nos deixar transfigurar com Ele, isto é, transformar as realidade de pecado de nossa vida.

O evangelista Lucas apresenta Jesus em diversos momentos em oração, principalmente quando este deve tomar uma decisão. O relato da transfiguração é uma dessas passagens que atestam esse fato. Nesse relato, Jesus convida três de seus discípulos, Pedro, João e Tiago para entrarem em oração com Ele. O porquê dessa escolha não fica claro na passagem. Mas, podemos deduzir da relação deles com o Mestre, que estes estavam precisando fazer uma parada de oração para compreenderem um pouco melhor a missão de Jesus e seu coroamento na cruz.

Na oração Deus se revela e vem ao nosso encontro. Pela oração íntima com Deus nos desvelamos, ou seja, saímos de nós mesmos para estar com Deus e com os irmãos e irmãs. E nesse sentido a oração intima com Deus faz acontecer a mudança em nossa vida. É preciso vez ou outra fazer uma parada em nossa vida agitada para estar com Deus. Somente com essa parada poderemos compreender os desígnios de Deus e tantas outras situações desafiantes da nossa caminhada. Os três discípulos que acompanharam Jesus estavam de fato precisando dessa parada, uma vez que estavam confusos sobre a entrega e morte de Jesus na cruz.

Durante essa quaresma, nós também, estamos tendo essa oportunidade privilegiada de parada obrigatória de tempos de silencio e recolhimento. É preciso fazer essa parada para escutar Deus e seu filho Jesus. Somente no silêncio e em oração podemos encontrar forças e voltarmos animados para a missão. Claro que assim como Pedro, podemos ficar maravilhados e tentados a querer viver no monte. Quando fazemos uma experiência forte do encontro com Deus em oração, seja um retiro ou outro momento orante, nossa tendência é querer não mais sair dali. No entanto, a parada tem somente o objetivo de dar um novo vigor para enfrentarmos com coragem o que virá pela frente. Jesus ao se transfigurar diante dos discípulos nos ensina isso e apesar dos três não terem compreendido muito bem naquele momento essa realidade, só mais tarde, depois da ressurreição o compreenderam; Jesus os motiva a descer e continuar a caminhada.

Esse fato tem muito a nos dizer. Não são poucas as vezes que nós queremos chegar ao céu e a glória eterna sem abraçar a cruz e o sofrimento. Só que para chegar ao céu é necessário carregar a cruz. É indispensável em nossa vida de cristãos encontrar o equilíbrio entre momentos de oração e de ação. Paradas e recomeços são necessários para um renovado vigor e ânimo.

Que a presença do Espírito de Jesus nos ajude a seguirmos firmes em nossos propósitos quaresmais, mesmo quando o desanimo chegar e assim perseverantes contemplaremos um dia em definitivo a gloria eterna que nos aguarda.

 

– Texto: Frei Haroldo Pimentel, OFM.

– Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM.

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Tapiri da Palavra: 1º Domingo da Quaresma – Ano C

Em nossa vida sempre existe adversários. Adversários são aqueles que tem interesses e projetos contrários aos nossos. Por isso, os adversários se enfrentam com objetivo oposto, pois cada uma quer defender e garantir a realização do seu próprio projeto. Podemos citar exemplos de adversários:

  • No esporte, os dois times que entram no campo são adversários e os interesses são exatamente contrários, pois cada time quer ganhar o jogo, mas somente um vai conseguir;
  • No trabalho, existem adversários pois tem pessoas que querem derrubar os outros para ganhar alguma vantagem e justamente alcançar seu próprio projeto e objetivos;
  • Até na família pode ter adversários, marido e mulher que devem ser companheiros, mas podem se tornar adversários no pensamento e na ação, colocando o interesse pessoal acima do amor. Muitas vezes, os filhos querem seguir seu próprio caminho enquanto os pais têm outro plano e assim se tornam adversários.

Jesus também enfrentou um grande adversário! Ao ser batizado, Jesus recebeu o Espírito Santo, e depois, foi ao deserto onde foi tentado por Satanás. A palavra Satanás significa adversário. No evangelho de hoje, no confronto entre Jesus e Satanás, há também o confronto de dois projetos. O projeto de Jesus é bem claro: “O Reino de Deus está próximo, convertei-vos e crede no evangelho” (Mc 1, 15).

O adversário de Jesus tinha outro plano, a destruição, manifestada nas três tentações, que são um resumo de tudo o que poderia desviá-lo de sua missão. São também um retrato das tentações que devemos vencer para não nos desviar do projeto de Deus. Jesus recusa o caminho do materialismo, do poder e do prestígio.

A primeira tentação do adversário é: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão” (Lc 4, 3).  Diante da tentação, Jesus respondeu: “A Escritura diz: não só de pão vive o homem.” (Lc 4, 3). É a tentação do materialismo e do consumismo, que leva a perder a sensibilidade humana e espiritual, favorecendo a ganância pelos bens materiais.  Para Jesus não é o acúmulo dos bens que deve guiar a vida das pessoas, mas a partilha que é o sinal da presença do Reino.

Na segunda tentação, o adversário disse a Jesus: “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória…se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu” (Lc 4, 6-7). É a tentação do poder. Todos nós temos sede de domínio sobre os outros e frequentemente somos tentados a nos tornar mais poderosos e donos dos outros e, assim, adversários uns dos outros. Na família, o pai e a mãe querem ser donos dos filhos, ou da esposa ou esposo. Na comunidade tem gente quer ser dono da comunidade, ser mais importante que o outro e mandar nos outros. Assim, existem adversários na comunidade na disputa pelo poder. Na sociedade, queremos dominar os outros com nossos interesses. Desta forma, a disputa pelo poder leva para a corrupção e injustiça. Diante da tentação do adversário, Jesus respondeu: “A Escritura diz: Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás” (Lc 4, 8).  Para Jesus não é o poder que é mais importante, mas o servir, que significa não buscar nossos interesses, mas nos colocar a serviço dos outros e de um mundo melhor.

A terceira tentação é do prestígio ou da fama. O adversário levou Jesus para a parte mais alta do Templo e disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!” (Lc 4, 9-10).  Mas Jesus resistiu às ciladas do adversário: “A Escritura diz: não tentarás o Senhor teu Deus” (Lc 4, 12).  Ainda hoje tem pessoas que buscam o prestígio e a fama. Pode ser através de uma religião mais fácil, sem compromisso, que promete milagres, salvação, dinheiro, emprego, saúde. Pode ser através de elogios, colocando as pessoas no pedestal, dando prestígio e fama. Para Jesus o que importa não é o prestígio, mas fazer a vontade de Deus e agir de uma maneira digna de nosso nome de cristãos.

O adversário da nossa fé continua se manifestando na sociedade hoje: na violência e vingança que geram insegurança e medo, no consumismo exagerado, na corrupção, na mentira e na falsidade, na ganância e prepotência e na destruição e desrespeito pela vida. São as tentações de todos os tempos que querem destruir a humanidade e nos desviar do caminho da fé. Por isso precisamos lutar contra o adversário, através de três práticas recomendadas para nós na Quaresma:  oração que nos leva a ficar em sintonia com Deus e sua vontade; jejum que é fazer sacrifício em vista do nosso objetivo que é construir o Reino; a caridade que é praticar o bem e amar o outro na partilha, no serviço desinteressado e na humildade.

A Campanha da Fraternidade, este ano com o tema “Fraternidade e Educação”, é também uma maneira de vencer as tentações do adversário. Assim, quando promovemos uma educação integral, fraterna e solidária estamos nos esforçando para viver de acordo com o plano de Deus e lutando contra o adversário que quer ver seu projeto de injustiça e divisão vencer pela ignorância e desinformação. Por isso, precisamos lembrar que nosso adversário é perigoso, mas, como Jesus, podemos vencê-lo para continuar o nosso caminho de fé e renovar o compromisso de servir uns aos outros em vista de uma educação que promova uma pedagogia de diálogo, solidariedade e paz.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

 

Referências:

BORTOLINI, Padre José. Roteiros Homiléticos: Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Brasil: Paulus Editora, 2014.

COSTA, Padre Antônio Geraldo Dalla. Buscando Novas Águas. Disponível em: https://www.buscandonovasaguas.com/index.php?menu=home. Acesso em: 24 fev. 2022.

A Fé Compartilhada – Pe. Luis Pinto Azevedo