janeiro 01

Tapiri da Palavra: 4º Domingo do Tempo Comum – Ano C

Todos os dias, desde a hora que nós levantamos, estamos realizando ações. Podemos perguntar: de onde vem as ações que fazemos? O que nos motiva a agir da maneira que agimos? De fato, há vários motivos para as nossas ações.
Uma primeira coisa são nossos hábitos. Sempre fazemos a mesma coisa do mesmo jeito todos os dias e, portanto, nossas ações são determinadas pelos nossos hábitos. Agimos também pelos nossos impulsos. É o desejo ou a emoção do momento que nos impulsiona a agir. Ao mesmo tempo, há muitas influências nas nossas vidas e, por não querer ir ao contrário dos outros ou de certos conceitos na sociedade, agimos de acordo com aquilo que os outros pensam e a pressão do grupo do qual pertencemos. Existe também a mal e agimos por causa da nossa própria maldade. O mal que está dentro de nós nos leva a cometer pecados. Pelo outro lado, agimos também pelos compromissos que temos. Por causa de nossas responsabilidades muitas vezes fazemos coisas que talvez nem sejam da nossa própria vontade. Finalmente, agimos por causa da fé que temos em Deus. Pela escuta da Palavra de Deus, somos motivados a fazer o bem aos outros. A fé nos faz agir com amor e solidariedade.
O profeta Jeremias escutou a Palavra de Deus e entendeu que a sua maneira de viver e agir só podia ser conforme a vontade de Deus: “Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio da tua mãe, eu te consagrei e te fiz profeta das nações” (Jr 1, 5). Jeremias recebeu a missão de comunicar a palavra de Deus e ele não podia fugir. É o profeta que entendeu que Deus tomou conta da sua vida e não tem como escapar. O seu agir não foi determinado por influência dos outros e nem pelos pensamentos da maioria, mas de acordo com sua fé e seu desejo de fazer a vontade de Deus. Assim ele recebeu a promessa de proteção: “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 1, 19).

Podemos ver isso também na leitura do evangelho de hoje que é uma continuação do evangelho da semana passado. Jesus disse: “Hoje se cumpriu as escrituras que vocês acabam de ouvir” (lc 4, 21). Jesus assumiu a missão de proclamar o “ano da graça” e anunciar a Boa Nova aos pobres pela força do Espírito. Mas a partir desta missão Jesus é perseguido. “Não é este o filho de José?” (Lc 4, 22). Eles queriam jogar Jesus no precipício porque não podiam aceitar as suas palavras e as suas ações. Justamente é o profeta que não é aceito por causa do seu compromisso de fé e sua prática de acordo com a Palavra de Deus. Por isso, o profeta reconhece que é chamado por Deus, tem certeza da sua missão e é capaz de continuar seu caminho, apesar da rejeição dos outros, exatamente como Jesus fez: “passando pelo meio deles, continuou no seu caminho” (Lc 4, 30).
Na cidade de Corinto, o povo achava que era muito bonito falar em línguas e fazer profecias. Era a moda e a maneira de receber elogios e fama. Mas São Paulo escreve bem claro que pode falar em línguas, receber elogios e ser famoso, mas é como um “bronze que soa ou um címbalo que retine”, não vale nada se não tiver o amor. Para Paulo é a Palavra de Deus que deve motivar a nossa ação e não a influência dos outros e nem os aplausos, pois o verdadeiro profeta vive de acordo com o compromisso de fé.
Com certeza, há muitas coisas que motivam as nossas ações. Mas para nós, que temos fé, é a Palavra de Deus que deve ser a maior motivação nas ações que fazemos. Isto quer dizer que, muitas vezes, precisamos quebrar a influência dos outros, ou, a nossa própria maldade e nossos impulsos para sermos coerentes com aquilo que acreditamos. Com certeza, não é fácil, é preciso estar atento a Palavra, é preciso a oração e é preciso o compromisso de fé pela força do Espírito. Mas, é possível agir de acordo com a Palavra, pois temos a promessa que Deus está do nosso lado: “Eu te transformarei hoje numa cidade fortificada, numa coluna de ferro e num muro de bronze contra todo o mundo…” (Jr 1, 18). É a garantia para todo aquele que se torna profeta e faz a vontade de Deus.

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

janeiro 01

Tapiri da Palavra: 3º Domingo do Tempo Comum – Ano C

Todos nós gostamos de ficar numa roda de amigos para contar histórias do passado. É tão bom lembrar acontecimentos, fatos, experiências que fazem parte da nossa vida. Mas, muitas vezes quando falamos do passado, idealizamos o que aconteceu. Frequentemente comentamos que naquele tempo as coisas eram bem melhores que hoje. Ao mesmo tempo que idealizamos o passado, trazemos para hoje e atualizamos para o presente o que aconteceu: “Naquele tempo foi assim, mas hoje é diferente”. De fato, temos uma tendência de idealizar o passado, com certeza não porque somente queremos lembrar, mas porque queremos viver o mesmo ideal hoje.

Foi isto que Jesus fez quando entrou na sinagoga. Pegou o livro do profeta Isaías e olhando para a situação do passado e lembrando a missão do profeta, ele leu: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). Jesus, então, relembrou o “ano da graça”, que era o ano jubilar, quando as dívidas eram perdoadas, acontecia a partilha e o povo vivia a igualdade do projeto de Deus. Jesus relembra o passado não para retornar ao passado, mas para viver o ideal que era vivido, pois depois ele disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4, 21).

Assim, Jesus atualizou para agora o ideal do passado. Também aconteceu a mesma coisa com o profeta Neemias. O povo voltou do cativeiro e o sofrimento era demais. Era preciso retomar o caminho e todos foram convidados a escutar e ouvir a Palavra de Deus, o dia inteiro, de pé. Ao escutar, o povo chorava aquilo que se vivia, pois agora estava longe do ideal. Mas, ao terminar a leitura, todos foram enviados a voltar para casa, viver a partilha e assim retomar o caminho para a vivência do projeto de Deus. Neste novo caminho, iriam encontrar a felicidade, pois a alegria do Senhor é força para encontrar o ideal.

Este mesmo ideal também é apontado por São Paulo. A comunidade era dividida entre judeus e pagãos, escravos e livres, ricos e pobres. Era preciso retomar o ideal do corpo de Cristo, cada um, um membro deste corpo e todos com o mesmo valor e dignidade.

Viver o ideal do Reino de Deus hoje também é difícil. O que toma conta do mundo em que vivemos é o individualismo, cada um por si. Parece que a sociedade de hoje não tem mais nenhum ideal, pois ninguém pensa no bem comum, mas cada um procura o que acha de melhor para si. Acreditar que um outro mundo é possível não conta mais, e o resultado disto é a violência, as mentiras, a sociedade dividida e a destruição da vida e da natureza.

Diante disto, devemos lembrar que nenhuma comunidade se constrói sem a Palavra de Deus. É a Palavra que nos questiona e provoca conversão. Sem o alimento da Palavra, o corpo se enfraquece e cada um pensa em si sem pensar que todos os membros são importantes e que participam do mesmo Corpo de Cristo. É a Palavra que nos propõe um ideal a ser vivido e precisamos lembrar que sem ideal nunca teremos a possibilidade de transformação. É o ideal que temos na frente que nos empurra para mudar o presente e construir, no futuro, algo melhor.

Ao redor desta mesa da Eucaristia, fazemos uma roda de conversa como irmãos e irmãs, participamos do mesmo pão e do mesmo cálice. Escutamos a Palavra que nos lembra o ideal da fé vivida no passado e atualizamos esta vivência para que possamos praticar o amor e justiça hoje. As palavras de Jesus são atuais para nós, pois Ele mesmo confirma: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Que estas palavras de Jesus possam reacender em nós a vivência do ideal cristão.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

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Tapiri da Palavra: 2° Domingo do Tempo Comum – Ano C

“Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou.” (Jo 2, 4).  São estas as palavras de Jesus quando sua mãe lembra que o vinho acabou na festa do casamento. Parecem palavras duras, mas esse evangelho não é para ser lido literalmente e sim, a partir dos símbolos que o evangelista apresenta. Aqui a mãe de Jesus representa as pessoas que esperam o novo, isto é, a realização das promessas de Deus. Pessoas que compreendem que Deus é como o fiel esposo que quer a vida, liberdade e justiça para a sua esposa, o próprio povo. O profeta Isaías também fala deste casamento, a aliança de Deus com seu povo: “Não mais te chamarão Abandonada, e tua terra não mais será chamada Deserta; teu nome será Minha Predileta e tua terra será a Bem-Casada, pois o Senhor agradou-se de ti e tua terra será desposada” (Is 62, 4).

Então a hora de Jesus é a hora da cruz quando acontece a salvação de todos e as promessas de Deus se realizam. É nesta hora da cruz que Jesus realiza um novo casamento, a nova aliança, não dos mandamentos escritos na pedra, mas na lei do amor. É a partir deste entendimento que podemos olhar para os vários símbolos que aparecem neste evangelho.

O casamento em Caná acontece depois da primeira semana de atividade missionária de Jesus, isto é, no sétimo dia. Este fato lembra os 7 dias da criação, pois agora é a nova criação. As seis talhas eram usadas para os ritos de purificação e lembram as pedras da lei, mas está faltando algo, pois o número da perfeição seria sete, mas são somente seis. Representam a antiga aliança que agora está superada, pois o novo vem, é o vinho novo do Reino do Pai que Jesus vai inaugurar. “Fazei o que ele vos disser” significa crer em Jesus como verdadeiro esposo da humanidade. É Jesus que traz a vida em plenitude. Isto se confirma quando Jesus está na cruz e o soldado traspassa o seu coração com uma lança. Imediatamente, sai água e sangue: água transformada em vinho, vinho transformado em sangue, é a plena realização dos sinais de Jesus.

Todos estes sinais apontam para a nova criação e vida transformada realizada pelo sacrifício da cruz, pois Jesus venceu a cruz e ressuscitou. Então podemos perguntar: O que o milagre do casamento, a água transformada em vinho, significa para nossa fé e nossa vida? Muitas vezes caímos na mesma rotina e nossa prática de fé é limitada pelo caminho mais fácil. Ficamos acomodados e pouco ou nada queremos mudar.

Vinho novo significa:

Primeiro, conhecer a pessoa de Jesus, sua palavra é a verdade e o seu caminho é o amor. Somos capazes de vencer o nosso egoísmo e os nossos interesses para viver o amor? Podemos lembrar a vida de São Sebastião, cuja festa celebramos nesta semana. Ele foi um militar que assumiu a fé em Jesus e lutou pela dignidade das pessoas do seu tempo. São Sebastião não somente escolheu o caminho de Jesus, mas deu a vida como testemunho de amor e de misericórdia com os que mais sofriam nas prisões.

Segundo, pertencer à comunidade. Muitas pessoas querem exigir da comunidade ou usar a comunidade de acordo com os próprios desejos e interesses. É preciso transformar a água em vinho pela participação, colocando nosso tempo e dons para a edificação da comunidade. São Paulo lembra isto quando diz: “A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12, 7).

Ao mesmo tempo, o evangelho das bodas de Caná oferece para os casais uma boa oportunidade para rever sua vida matrimonial. É preciso transformar a água em vinho pela vivência do amor conjugal que exige renovar o compromisso de união e fidelidade dando sentido ao sacramento como sinal da presença de Deus.

Finalmente, é lutar pela justiça, pois é preciso transformar o mundo. O compromisso cristão com a justiça e paz é experimentar o vinho novo da transformação e da sociedade nova. Para isto, é preciso lembrar que não devemos ser cristãos só de nome, mas pela verdadeira vivência da fé e pelo compromisso em transformar a água em vinho novo do Reino.

Começar de novo pode ser uma tarefa árdua, mas necessária, muitas vezes. São Francisco de Assis recomendava a seus confrades recomeçarem de novo a cada dia quando disse: “Irmãos vamos começar, porque até agora, nada ou pouco fizemos”. Fazer o que ele disser é recomeçar novamente e é experimentar o vinho novo do Reino pela vivência do verdadeiro compromisso cristão. Assim, todos nós vamos participar da festa do casamento, da festa da alegria e participar do banquete do Senhor e do seu Reino.

 

Por: Frei Gregório Joeright, OFM

Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM

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Tapiri da Palavra: 25º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Como cristãos nós almejamos viver os valores do Evangelho e seguir fielmente Jesus. A igualdade, fraternidade e o espírito comunitário quando vivemos “uma só alma e um só coração” fazem parte destes valores. Mesmo assim, podemos dizer que a “sabedoria deste mundo” não está baseada nestes valores, mas na desigualdade. Na sociedade em que vivemos, existem pessoas mais importantes que outras e há alguns critérios que indicam quem é o mais importante diante dos outros. 

Uma pessoa mais importante é sempre aquela que tem muita riqueza. O dinheiro dá a impressão de grandeza e privilégio, tornando uma pessoa rica em alguém mais importante que os outros. Uma segunda coisa é o poder, pois quem manda nos outros se impõe, e quem manda também domina e deve ser obedecido. Mandar e dominar é ser importante. Finalmente, o prestígio e a fama são o caminho para aqueles que querem ser importantes. Atores de novela, jogadores, cantores, todos querem alcançar a fama e o prestígio. Quem alcança isto se torna famoso, e, portanto, mais importante que os outros. As pessoas importantes sempre têm o primeiro lugar, preferência de tratamento, mais respeito e consideração. Ser importante é ter privilégio e tudo isto é a sabedoria do mundo.   

As consequências desta lógica são muitas: na própria família isto cria divisões, conflitos, ciúme e até separações. Nesta situação há alguém que quer se impor e ser maior que os outros membros da família criando o clima em que um sempre quer ganhar o outro. É necessário lembrar que quando um ganha todos perdem. Na família não pode existir ganhador e perdedor, pois isto não é o amor. Também as consequências são evidentes no trabalho, onde existem discussões, críticas, ambições e rivalidades. A raiz de tudo isto é o desejo consciente ou inconsciente de ser o maior na busca de cargos, títulos, honrarias e elogios. Até na própria comunidade cristã existem conflitos pelo desejo de ser maior. São Tiago nos diz: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más” (Tg 3,16).  

No evangelho de hoje, Jesus, pela segunda vez, começou a ensinar os discípulos: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará” (Mc 9, 30). Com certeza a morte de cruz era um escândalo, reservada para os marginalizados e excluídos, os menos importantes e os desprezados na sociedade. Com o seu ensinamento e sua prática, Jesus estava na contramão.   

Para os apóstolos este ensinamento não é compreendido, e, para eles, fora de qualquer possibilidade, pois ficaram em silêncio: “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9, 34). Justamente, esta falta de compreensão se manifestou no caminho, pois eles estavam confusos pela sabedoria deste mundo e queriam buscar a posição de maior importância. Em outras palavras, queriam ter o melhor lugar com as honrarias e privilégios dos mais importantes. Jesus então dá uma grande lição, “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” (Mc 9, 35). Para mostrar com mais clareza este ensinamento, Jesus pegou uma criança e colocou-a no meio deles e disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo” (Mc 9, 37).  Jesus usou o exemplo de uma criança porque a criança não tem riqueza e nem posses, não tem poder de mandar em ninguém e não tem nem fama e nem prestígio. Em outras palavras, não tem importância na sociedade. De fato, nós não admiramos uma criança pelo poder, riqueza e sabedoria humana, mas pela simplicidade e a transparência. E este exemplo que Jesus usou para mostrar como nós devemos viver neste mundo, não seguindo a sabedoria do mundo, mas a lógica de Deus e o seu Reino.  

Este gesto significativo de pegar uma criança, símbolo dos pequenos e indefesos, nos ensina uma grande lição: a grandeza e a importância do discípulo se manifestam quando ama, abraça e serve os pequenos e desprotegidos. Esse ensinamento também nos oferece critérios e orientações para as nossas ações diárias, jamais devemos agir orientados pela sabedoria do mundo, isto é, pela tentação do domínio sobre os irmãos, dos sonhos de grandeza, da conquista de honrarias e privilégios, de títulos e prestígios. O cristão deve colocar em prática o espírito de serviço e deve passar por um processo de mudança de mentalidade, renunciando aos esquemas e propósitos egoístas e aderindo à proposta de servir a todos, como servo de todos. Assim, não será a rivalidade, a inveja e a grandeza que vão orientar nossa vida, mas as palavras de Jesus: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou” (Mc 9, 37).

Frei Gregório Joeright, OFM

Tapiri09

Tapiri da Palavra: 24º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Quem é Jesus? Para nós, cristãos, é uma pergunta muito fácil para responder e a resposta está na ponta da língua. Jesus é o Filho de Deus, o Messias, aquele que veio a este mundo para nos salvar. Mas, é uma pergunta que estava muito presente no início do cristianismo e o evangelho de São Marcos é justamente uma catequese sobre a pessoa de Jesus e o que significa ser discípulo dele. Ao mesmo tempo, esta pergunta é atual para nós hoje, pois muitos cristãos ainda não conhecem o verdadeiro rosto de Jesus

Jesus estava a caminho com seus discípulos e ele os conduziu para uma região pagã, os povoados da região de Cesareia de Filipe. Era uma região controlada por Herodes, o mesmo que matou João Batista e era uma cidade construída em honra do imperador de Roma. Portanto Jesus estava na sombra do Império Romano, um império que perseguia e matava todos os seus opositores.  É neste lugar que Jesus perguntou: “Quem dizem os homens que eu sou?” Os discípulos responderam conforme as opiniões do povo: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros ainda que és um dos profetas”. Mas Jesus queria saber da opinião dos discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou”. A resposta de Pedro foi muito rápida: “Tu és o Messias” (Mc 8, 27-30).

No tempo de Jesus, muitos achavam que o Messias seria um messias triunfalista. Em outras palavras, um líder que iria realizar as expectativas de vingança contra os inimigos e manifestar toda a sua força e glória. Este tipo de messias iria estabelecer um reino poderoso de acordo com os reinos deste mundo. O evangelho deste domingo é justamente para mostrar a verdadeira missão de Jesus e que significa acreditar nele como o Messias. 

Apesar da resposta de Pedro, ele ainda não tinha compreendido, pois estava contaminado pelo fermento dos fariseus. Quando Jesus começou a explicar o que significa ser o Messias: “O Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, ressuscitar, depois de três dias” (Mc 8, 31), Pedro começou a repreender Jesus, pois isto certamente não podia acontecer. De fato, a partir deste momento, Jesus quer mostrar aos discípulos a sua verdadeira identidade e sua missão no mundo. Na sombra do império Romano, Jesus falou abertamente sobre esta missão e o significado de ser seu discípulo: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la” (Mc 8, 34-35). É esta missão da qual o profeta Isaías fala na primeira leitura. O Messias é o Servo Sofredor que mostra a sua total confiança em Deus: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba: não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas, o Senhor Deus é meu auxiliador…” (Is 50, 6-7).  

Estamos nos aproximando da festa dos estigas de São Francisco e podemos dizer que ele também fez uma longa caminhada na sombra do poder deste mundo. Francisco compreendia que Jesus era o Messias Servo Sofredor que ofereceu sua vida por nós. Por isso, Francisco abraçou a causa e a cruz de Jesus e entendia que o sofrimento de Jesus continuava nos leprosos, nos abandonados e nos excluídos. Assumiu isto na sua vida ao receber as chagas de Jesus que não vieram de fora, mas nasceram a partir de sua vida e da sua prática de fraternidade com todas as pessoas. Podemos dizer que Francisco levava a cruz enraizada em seu coração e os estigmas impressas em sua carne mostrava que também tinham penetrado profundamente em seu coração. Isto significa que as chagas expressam que a vivência concreta do amor deixa marcas. 

Nesta nossa caminhada de fé, devemos todos perguntar: quem é Jesus para nós? Muitos hoje em dia olham para Jesus como milagreiro, solução de todos os problemas, um Jesus adocicado.  Assim é uma religião sem cruz, sem desafios e sem o compromisso de viver a compaixão e solidariedade com as pessoas. Podemos ter a mesma mentalidade dos discípulos: uma religião de poder, brilhantes celebrações e acomodação diante das injustiças, violência e corrupção no mundo. Mas, seguir Jesus, experimentado na dor, é assumir o nosso compromisso de fé. São Tiago nos diz: “O que adianta alguém dizer que tem fé, quando não a põe em prática? A fé se não se traduz em obras, por si só está morta”. Por isso, somos chamados como Francisco de Assis a expressar a nossa fé em Jesus, o Messias Servo sofredor, pela vivência do amor que supera as barreiras da discriminação, preconceito e violência para promover a verdadeira fraternidade com todas as pessoas e toda a criação.

Frei Gregório Joeright, OFM

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Tapiri da Palavra: 23º Domingo do Tempo Comum – Ano B

 

Setembro é o mês que dedicamos à Bíblia e lembramos que é a Palavra de Deus que orienta e é luz para todo aquele que quer viver a fé em Deus. Ouvimos, semana passada, na carta de São Tiago que não queremos “ser meros ouvintes da palavra, mas praticantes”. Para que isto aconteça, é preciso duas atitudes fundamentais: os olhos abertos para enxergar a realidade em que vivemos e os ouvidos atentos para ouvir os apelos de Deus diante desta realidade. São essas atitudes que nos ajudam a descobrir como podemos ser cristãos autênticos e praticar a Palavra que ouvimos diante de tantos desafios que enfrentamos no mundo.

No livro do profeta Isaias escutamos a promessa de Deus: “é Ele que vem para nos salvar. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos” (Is 35, 4b-5). Deus quer que o povo seja capaz de enxergar e escutar a sua palavra, assim a “terra árida se transformará em lago e a região sedenta em fontes de água” (Is 35, 7ª). Nós, porém, muitas vezes ficamos cegos e surdos diante da Palavra que Deus nos dirige. Isto acontece por causa do nosso próprio pecado, pois é o egoísmo que não nos permite enxergar o sofrimento ao nosso redor e nem escutar os apelos de Deus. É justamente nosso pecado que nos fecha no nosso próprio mundo, ficamos de ouvidos fechados diante da proposta de Deus e de coração fechado diante dos irmãos e do mundo.

Todavia, há também outros motivos que nos levam a rejeitar a voz de Deus. É a maneira como a sociedade está organizada. Neste mundo, o que conta é o lucro e o crescimento econômico e não a vida. A riqueza e o poder de alguns, enquanto uma maioria continua na exclusão. Quando somos influenciados por estas atitudes e só visamos o nosso próprio bem, ficamos de olhos fechados e ouvidos cerrados diante da proposta de Deus.

No Evangelho Jesus está diante de um mutilado na sociedade, um surdo e mudo que representa os excluídos de ontem e de hoje e que tem dificuldade em falar, pois a sua voz não é ouvida e nem escutado. Jesus nos mostra uma nova atitude. Não é somente curar o homem, mas recuperar a sua dignidade e o reconhecimento do seu valor e da sua missão. Jesus leva o homem para longe da multidão, lá com gestos ele toca nos ouvidos e na língua, e depois de pronunciar a palavra “Efata”, os seus ouvidos se abrem e a sua língua se solta. É a palavra que realiza a cura e transforma a vida. Esta mesma palavra “Efata”, é usada na cerimônia do Batismo para dizer que o cristão precisa abrir os ouvidos para ouvir e solta a língua para falar. Significa que a cura de Jesus é para todo o batizado.

Depois da ação de Jesus, o surdo mudo começa a divulgar o fato com muita insistência, pois é no anúncio da palavra e no testemunho da vida que todos podem reconhecer: “Ele tem feito bem todas as coisas”. Esta afirmação feita pelo povo que testemunhou a ação de Jesus nos lembra que, no ato da criação do mundo, Deus contemplava a sua obra e viu que tudo era bom, todas as coisas eram bem-feitas.

Falar da criação como obra de Deus é também lembrar da Amazônia que é um dos patrimônios naturais mais valiosos de toda a humanidade e a maior reserva natural do planeta. Hoje, 05 de setembro, é comemorada o dia da Amazônia. Conhecemos muito bem que a Amazônia é uma região abençoada por Deus, mas, apesar disto, é uma região mutilada pela ganância, pelo desrespeito e pela violência. Amazônia é o surdo e mudo que quer gritar, ser ouvido, é o excluído que grita: “A vida em primeiro lugar”.

Diante desta realidade, queremos ser curados por Jesus para enxergar a realidade mutilada pela ganância, para ouvir os apelos de Deus diante da realidade e para proclamar que toda a criação é obra de Deus, pois “ele fez bem todas as coisas”. Quando somos curados da nossa cegueira podemos manifestar nossa gratidão a Deus e assumir nosso compromisso de proclamar a Boa Nova de Jesus. Assim, vamos compreender as palavras do profeta Isaias: “A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta em fontes de água”. (Is 35, 7a).

Frei Gregório Joeright, OFM

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Tapiri da Palavra: 22º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Como pessoas de fé, todos nós rezamos e até sentimos a necessidade de rezar. Mas, por que rezamos e por que precisamos rezar? Muitas vezes sentimos a necessidade de rezar porque enfrentamos algum problema, na família ou de doença, ou fomos ofendidos e queremos nos livrar do rancor e do ódio. Pode ser também que sentimos uma grande insegurança na vida e precisamos pedir ajuda de Deus. Outro motivo, algo está errado na vida, tudo está dando ao contrário daquilo que queremos e precisamos pedir para Deus uma mudança nesta situação, ou simplesmente pedir a força de Deus. Também, pode ser que a vida ficou sem sentido e é necessário buscar a razão da nossa existência em Deus, assim queremos descobrir onde está Deus e entrar em sintonia com Deus. Talvez seja pelo fato que estamos buscando algo e não sabemos onde achar, por isso precisamos rezar.

De fato, a pergunta – “onde está Deus?” – acompanha todo aquele que crê, pois muitas vezes enfrentamos problemas, dificuldades, incertezas, somos tentados a fazer o mal, ficamos vazios e não sabemos onde achar Deus em nossas vidas.

No Exílio, antes do nascimento de Jesus, o povo perguntava: “onde está Deus?”.  Longe de sua própria terra e do templo onde cultuava Deus, este povo estava sofrendo uma grande escravidão. Perdeu a sua identidade como povo, sentia a necessidade de rezar, de achar Deus porque existia um grande vazio na vida deles.

O autor de Deuteronômio responde: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida… guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus… e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos…” (Dt 4, 1.6). É justamente através destas leis e destes decretos que Deus se manifesta como um Deus fiel e grande que sempre está próximo do seu povo.

Mas não é qualquer lei – são leis e decretos justos que fazem brotar a justiça. Aí São Tiago diz: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1, 27). Religião então significa solidariedade com os marginalizados e nos guardar sempre contra o mal da mentira, ganância, vingança e corrupção deste mundo. Diante de tudo isto, ainda continua a pergunta: “onde está Deus”?

Jesus nos ajuda a compreender: Para os fariseus e mestres da lei, Deus estava no cumprimento da lei da aparência: “Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos” (Mc 7, 3). Jesus cita Isaias: “este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim. De nada adiante o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7, 6). E Jesus ainda diz que a maldade, os roubos, as mentiras e a ambição veem de dentro de nós e são eles que tornam o homem impuro. Em outras palavras, é preciso inverter a lógico do mundo, pois a lógica de Deus é diferente e somente podemos entender quando somos capazes de sermos praticantes da palavra e não meros ouvintes.

Então, a pergunta: “Onde está Deus e como achar Deus?”, é atual para nós hoje. Para muitas pessoas, o lugar para achar Deus é na igreja, mas será que podemos encontrar Deus em outros lugares?

Para sentir a presença de Deus em nossas vidas é necessário rezar e escutar a voz de Deus no nosso cotidiano. Rezar e entrar em sintonia com Deus, com sua vontade e suas palavras para que não sejamos meros ouvintes, mas praticantes da religião pura e sem mancha através da solidariedade e da vivência do amor enfrentando todas as maldades do mundo para descobrir que Deus sempre está do nosso lado. O salmista de hoje então responde nossa pergunta: “onde está Deus?”: “Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará? É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; que pensa a verdade no seu íntimo e não solta calúnias com sua língua. Quem em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor”. (Sl 14(15) 2-4).

Frei Gregório Joeright, OFM

 

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Tapiri da Palavra: 21º Domingo do Tempo Comum – Ano B

Há um ditado que diz: “o que os olhos não veem, o coração não sente!”. Significa que aquilo que está fora da nossa vista, nós não sentimos necessidade de possuir e nem desejamos, mas, pelo contrário, aquilo que enxergamos vamos sentir a necessidade de possuir, vamos desejar. Com certeza a mídia e a propaganda trabalham com esta noção, querem apresentar uma boa imagem para que as pessoas comecem a sentir necessidade, desejo e assim compram. Chamamos isto de estética e é muito presente em nossa sociedade. O que vale mais é a aparência e não aquilo que realmente é.

Isto também acontece entre nós como pessoas, pois hoje em dia, há uma grande preocupação com a beleza do corpo e muito pouco com a beleza da pessoa. Em outras palavras, dá-se mais valor com aquilo que aparece por fora e muito pouco com os valores que se vive. Até a nossa comunidade pode cair nesta tentação quando a preocupação maior está nas aparências e na estética. Por exemplo, celebrações que parece mais como show e esquecem o fundamental, que na Eucaristia celebramos a morte e ressurreição de Jesus. Não podemos esquecer que uma comunidade que celebra e vive o mistério de Jesus é uma comunidade servidora que põe em prática a proposta de Jesus.

Hoje, na primeira leitura, Josué pergunta ao povo: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram na Mesopotâmia… Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24, 15). Estes deuses do passado são os deuses estranhos e falsos com suas imagens e aparências. Pelo contrário, o Deus que Josué quer servir é o Deus verdadeiro que libertou o povo do Egito, da terra da escravidão.  Em outras palavras, Josué compreendeu que estes falsos deuses e ídolos enganam pelas aparências e ele escolheu servir ao único e verdadeiro Deus. Acreditar nos ídolos é viver uma falsa religião, isto é, uma fé simplesmente em vista de uma troca de favores. É uma falsa imagem de Deus baseada na teologia da prosperidade que prega uma religião onde a oferta é feita para receber de volta a benção de Deus. Por causa disto, pode se criar uma falsa imagem de Deus a partir dos próprios pensamento e interesses, pois em vez de acreditar no único e verdadeiro Deus, se torna mais conveniente ser enganado pelas aparências.  Por isso, Josué fala que é preciso abandonar os falsos deuses e servir somente o Senhor que libertou o povo da casa da escravidão e que indicou o caminho rumo a liberdade em visto do projeto de justiça e fraternidade.

Este caminho da fé exige compromisso. Muitos dos seguidores de Jesus queriam um sinal, um milagre de Jesus, uma religião de estética e de aparência. Jesus disse que ele é o “pão descido do céu” que dá a vida pela humanidade e que quem come deste pão também se compromete em doar a vida em serviço dos outros. Em outras palavras, quem come deste pão tem que assimilar Jesus e que sua palavra e sua vida fazem parte da vida da pessoa que o come. Neste sentido, a religião não pode ser simplesmente uma beleza estética ou uma imagem, mas preciso ser motivação de servir, doar a vida em prol do projeto de transformação onde existe vida digna e justiça para todos.

Para muitos viver este tipo de fé é difícil de aceitar, pois disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo. 6, 60). Mas, é Pedro que compreendeu e acreditou na proposta de Jesus: “Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus” (Jo 6, 69). Então, quem come deste pão e bebe deste cálice se compromete não com uma falsa religião de promessas, de estética, de troca de favores, mas com o serviço em prol da comunidade e da vida.

Hoje em dia, nós católicos devemos lembrar que ser cristão é uma decisão, uma escolha para os caminhos da nossa vida. Por isso, é bom perguntar que tipo de cristão queremos ser ou religião queremos viver. Muitos podem inventar uma imagem de Jesus que não corresponde à realidade e viver uma religião que simplesmente atende aos interesses pessoais. Quem escolhe o Cristo como o “pão descido do céu” precisa ser educado no pensamento de Jesus e escolher amar como ele mesmo amou. Muitos preferem uma religião de estética e de troca de favores onde não existe compromisso e nem exigência. Por isso, queremos conhecer Jesus, sua palavra e sua vida para que possamos ser cristãos autênticos no mundo. É este o verdadeiro desafio de todos nós como seguidores e seguidoras de Cristo, que sejamos sal da terra e luz do mundo.

Viver a fé e a verdadeira religião é fazer a opção de nos comprometer com o pão da vida que dá a vida pela humanidade para que “na instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias”.

Frei Gregório Joeright, OFM