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A luz da Palavra na Mundurukânia: os primeiros dias do ano no Alto Tapajós

Na primeira parte do relato apresentamos as vivências de Frei Edilson, Frei Andrei e Frei Fábio nos primeiros oito dias de viagem, coincidindo com a oitava do Natal, da sua passagem pela Missão Cururu.

As narrativas que seguem se concentram do dia 31 de dezembro de 2021 até 06 de janeiro de 2022. O que embala as descrições é o forte sinal da luz, uma ilustração profunda do tempo natalino, e o simbolismo dos dons manifestados na epifania do Senhor, tudo isso mesclado com a realidade da nação munduruku do Alto Tapajós. 

 

Muita Luz no Ano Novo!

O dia que encerrou 2021 foi marcado pela celebração do Ano Novo. Em clima de vigília pela chegada de um novo tempo, as pessoas reunidas para a missa renderam graças pela vida no decurso do calendário civil que concluímos. Por algum motivo, após a liturgia da palavra, o gerador que fornece luz para a igreja deu uma parada, mas, com luz de velas e lanternas, seguiram com a eucaristia. É uma boa analogia ver que mesmo em uma capela escura sempre se pode dar um jeito e achar luzes para prosseguir. 

 

Santa Maria, Mãe de Deus

No primeiro dia de 2022, celebramos a liturgia de Santa Maria Mãe de Deus, que concluiu a oitava do Natal, com uma boa participação dos fiéis. Frei Edilson alertou que ao celebrar, temos sempre como centro da nossa fé a pessoa de Jesus, mas em Maria encontramos um exemplo de como deixar Cristo ser o mais importante em nossas vidas. Ele recordou que o ano novo representa para todos uma nova esperança, e que para os povos indígenas é uma oportunidade de buscar o bem viver, valorizando as sabedorias dos antepassados e o cuidado com a Terra. As temáticas das leituras mesclavam tanto a figura de Maria com o começo do novo tempo que chega com mais este ano civil. Na conclusão das preces, foi rezada a oração da paz, atribuída a São Francisco de Assis. No final da celebração, Frei Edilson deu a bênção para o início do ano de 2022.    

 

A luz das nações manifestou-se no Rio Cururu

No domingo da Epifania, este ano celebrado no Brasil no dia 02 de janeiro, tivemos a missa dominical na aldeia Missão São Francisco, a última celebração desta visita. Depois do Evangelho, Frei Edilson anunciou as datas das solenidades móveis, destacando a data da Páscoa (17 de abril), e afirmando a presença dos frades para essa celebração litúrgica. O Frade, ao começar sua reflexão, explicou o significado de Epifania como manifestação, derivada da sua origem na língua grega. Em seguida, pontuou que essa presença do Senhor que se revela é sentida em um só clima de Natal e de manifestação de Jesus. A luz é o grande símbolo deste tempo, pontuou ele. Vemos o mundo que se ilumina, mesmo muitas vezes sem saber e nem entender o sentido de tanta luminosidade. No entanto, no coração dos fiéis se acende a mais forte luz da fé. O nascimento de Jesus Cristo e sua manifestação acontece aos mais simples, como os pastores. Também aos magos, gente que vem de fora para adorar e reconhecer o seu esplendor. No meio do caminho de encontro com a luz, pode-se também topar com a perversidade de gente distante da claridade, nas vias da corrupção e da ganância, figurado em Herodes. Que a presença de Cristo acenda a luz que clareia os nossos passos na unidade neste ano de 2022, com clareza e lucidez para seguirmos como povo cheio de vida.

 

Primeira Missa na aldeia Paxiúba

Na tarde do domingo da epifania (02 de janeiro), os frades, irmãs e um grupo de leigos foram visitar e celebrar a eucaristia na aldeia Paixúba. O nome da aldeia, nome de uma palmeira, se deve na verdade a um igarapé de mesma denominação que passa pela comunidade. Celebraram a liturgia no barracão comunitário, e essa foi a primeira vez que a comunidade celebrou a eucaristia. A aldeia tem em torno de dois anos e ainda não tem uma capela e nem um santo padroeiro. Na ocasião, todos ficamos ao redor da grande mesa. Em seguida, no mesmo espaço, partilharam uma refeição com vinho de bacaba, beiju (beyo’a), café, chá e suco de muruci. Neste momento de partilha fraterna, as pessoas trouxeram também os seus animais de estimação para o barracão e uma diversidade de espécies de macacos, quatis e outros animais foi vista.

 

Testemunhas da luz

Os ministérios leigos na área pastoral da Missão Cururu têm se mostrado bastante fecundos na construção de uma ministerialidade eclesial com rosto amazônico. A formação e investidura de ministros da palavra tem evidenciado o protagonismo dos leigos para uma igreja missionária em saída. Uma consciência de responsabilidade pastoral frente aos desafios atuais da realidade munduruku tem crescido cada vez mais entre as lideranças da igreja local. Desde o ano de 2017, ano onde o ministério foi conferido para o primeiro grupo, os ministros da Palavra estão presidindo as liturgias com as aldeias e tem assumido seu bem papel eclesial. No ano de 2019, uma outra turma de ministros recebeu o mandato. No desempenho dessa função, que não é apenas da presidência litúrgica das celebrações, os ministros se enraízam na Palavra de Deus e testemunham a habitação dela no meio da vida dos Munduruku. A comunicação da Palavra é outra marca desse ministério, que pode muito bem ser feito na própria língua indígena. Dentro da Palavra que é luz emergem testemunhas como a de João Batista, pronta a anunciar o Cristo que ilumina as nações.

Inspirados por esse tipo bíblico, o grupo de ministros das aldeias da mundurukânia resolveu por iniciativa própria promover as “caravanas de São João Batista” como momentos de evangelização das comunidades. Esta ação se coloca como sinal da luz e efeito da Palavra de Deus. Esse trabalho também é fruto do trabalho missionário das pessoas que ajudaram na formação desses ministros e das comunidades que acolhem a Palavra de Deus.

 

 

Os dons que recebemos

No dia 04 de janeiro, os frades retornaram para Jacareacanga e seguiram rumo à Santarém, aonde chegaram no dia 06 de janeiro, dia da festa popular dos “Santos Reis”, trazendo na mala muitos presentes, que não são provenientes das “riquezas materiais”, mas simbólicas, que vem do encontro com a rica cultura no seio da Amazônia. Os frades trouxeram um paneiro cheio de boas conversas, de aprendizados e de situações inquietantes para pensar e refletir. Percebemos que estes são dons que devemos partilhar e que nos fazem crescer em comunhão com estes mais de cem anos de convivência. Outro dom desta viagem foi perceber como o Espírito faz germinar e florir as sementes dos ministérios, em especial na atuação dos(as) ministros(as) da Palavra e na sua atitude de testemunhar o Reino. Recolhemos no coração a dádiva de vocações religiosas autóctones, membros do povo Munduruku vocacionados a ser pains (paĩ) e irmãs. Isto tudo são candeeiros acesos do sonho socioecológico-eclesial da Querida Amazônia.   

Texto: Frei Fábio Vasconcelos

Fotos: Frei Edilson Rocha e Frei Andrei Anjos