Todos nós gostamos de ficar numa roda de amigos para contar histórias do passado. É tão bom lembrar acontecimentos, fatos, experiências que fazem parte da nossa vida. Mas, muitas vezes quando falamos do passado, idealizamos o que aconteceu. Frequentemente comentamos que naquele tempo as coisas eram bem melhores que hoje. Ao mesmo tempo que idealizamos o passado, trazemos para hoje e atualizamos para o presente o que aconteceu: “Naquele tempo foi assim, mas hoje é diferente”. De fato, temos uma tendência de idealizar o passado, com certeza não porque somente queremos lembrar, mas porque queremos viver o mesmo ideal hoje.
Foi isto que Jesus fez quando entrou na sinagoga. Pegou o livro do profeta Isaías e olhando para a situação do passado e lembrando a missão do profeta, ele leu: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). Jesus, então, relembrou o “ano da graça”, que era o ano jubilar, quando as dívidas eram perdoadas, acontecia a partilha e o povo vivia a igualdade do projeto de Deus. Jesus relembra o passado não para retornar ao passado, mas para viver o ideal que era vivido, pois depois ele disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4, 21).
Assim, Jesus atualizou para agora o ideal do passado. Também aconteceu a mesma coisa com o profeta Neemias. O povo voltou do cativeiro e o sofrimento era demais. Era preciso retomar o caminho e todos foram convidados a escutar e ouvir a Palavra de Deus, o dia inteiro, de pé. Ao escutar, o povo chorava aquilo que se vivia, pois agora estava longe do ideal. Mas, ao terminar a leitura, todos foram enviados a voltar para casa, viver a partilha e assim retomar o caminho para a vivência do projeto de Deus. Neste novo caminho, iriam encontrar a felicidade, pois a alegria do Senhor é força para encontrar o ideal.
Este mesmo ideal também é apontado por São Paulo. A comunidade era dividida entre judeus e pagãos, escravos e livres, ricos e pobres. Era preciso retomar o ideal do corpo de Cristo, cada um, um membro deste corpo e todos com o mesmo valor e dignidade.
Viver o ideal do Reino de Deus hoje também é difícil. O que toma conta do mundo em que vivemos é o individualismo, cada um por si. Parece que a sociedade de hoje não tem mais nenhum ideal, pois ninguém pensa no bem comum, mas cada um procura o que acha de melhor para si. Acreditar que um outro mundo é possível não conta mais, e o resultado disto é a violência, as mentiras, a sociedade dividida e a destruição da vida e da natureza.
Diante disto, devemos lembrar que nenhuma comunidade se constrói sem a Palavra de Deus. É a Palavra que nos questiona e provoca conversão. Sem o alimento da Palavra, o corpo se enfraquece e cada um pensa em si sem pensar que todos os membros são importantes e que participam do mesmo Corpo de Cristo. É a Palavra que nos propõe um ideal a ser vivido e precisamos lembrar que sem ideal nunca teremos a possibilidade de transformação. É o ideal que temos na frente que nos empurra para mudar o presente e construir, no futuro, algo melhor.
Ao redor desta mesa da Eucaristia, fazemos uma roda de conversa como irmãos e irmãs, participamos do mesmo pão e do mesmo cálice. Escutamos a Palavra que nos lembra o ideal da fé vivida no passado e atualizamos esta vivência para que possamos praticar o amor e justiça hoje. As palavras de Jesus são atuais para nós, pois Ele mesmo confirma: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Que estas palavras de Jesus possam reacender em nós a vivência do ideal cristão.
Por: Frei Gregório Joeright, OFM
Arte: Frei Fábio Vasconcelos, OFM