As vocações no seio da Igreja
A palavra vocação tem sua origem no verbo latino vocare, cujo significado remete ao ato ou efeito de chamar, convocar alguém, atribuindo-lhe uma missão que deve se tornar serviço gratuito e generoso à comunidade. A ação de chamar, segundo a tradição bíblica do Antigo Testamento, é própria de Deus e pertence exclusivamente a Ele. É Deus o autor de toda vocação!
A Igreja é o povo de Deus, comunidade dos seguidores de Jesus a caminho do Reino. A Igreja também é sinal visível da ação misericordiosa de Deus no meio do mundo. Sendo comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus, Mestre e Bom Pastor (Jo 10,11), é a assembleia dos chamados, escolhidos e convocados para a vivência da ministerialidade, como bem canta a irmã Verônica Firmino, FSP, na letra de sua música:
“Assembleia dos chamados
Escolhidos aos ministérios
Em missão pela Trindade
Coração deste mistério”
O Espírito Santo, com a sua dynamis (força, poder, potência) renovadora, inspirou os Bispos do Brasil reunidos para a 19ª Assembleia da Conferência Episcopal, realizada no ano de 1981, que reconheceram a importância do caráter vocacional para a vida e a missão da Igreja e instituíram agosto como o mês das vocações. Desde então, a cada domingo do referido mês, paróquias e comunidades são incentivadas a celebrar, refletir e rezar por uma vocação específica da Igreja.
A vocação familiar à luz da Sagrada Família
No segundo domingo do mês de agosto, seguindo o calendário civil, no qual se comemora o Dia dos Pais, a Igreja no Brasil celebra a vocação à paternidade e, por conseguinte, a vocação familiar.
Quando se fala em família, a Igreja toma como modelo a Sagrada Família de Nazaré, pois nela identifica características importantes que podem ajudar as famílias a assumirem a sua vocação com compromisso e fidelidade. Jesus, o Filho amado do Pai, encarnou-se em nossa humanidade naquele movimento que Paulo, na Carta aos Filipenses (2,7), chama de Kenosis, ou seja, esvaziamento. Encarnou-se no seio da Virgem Maria, jovem da vila de Nazaré, prometida em casamento a José, descendente da casa de Davi (Lc 1,26-27). O Salvador da humanidade – o Messias esperado pelas nações – entrou neste mundo nascendo em uma família: a Sagrada Família de Nazaré.
Os Evangelhos que relatam a infância de Jesus trazem poucas informações sobre a figura de José, seu pai putativo. No entanto, as notícias por eles reportadas nos mostram as características de homem zeloso, justo e amoroso no cuidado com a família. José, homem justo (Mt 1,19) e temente a Deus, acolheu Maria e a criança que ela carregava no ventre (Mt 1,24), fruto da ação amorosa do Espírito Santo (Lc 1,35), tornando-se assim o pai de Jesus. Desse modo, assumiu com compromisso a sua vocação à paternidade (Mt 2, 13-23), cuidando da esposa e do filho, protegendo-os contra as ameaças de Herodes e de todos aqueles que o queriam matar, no exercício de uma paternidade que transcende àquela puramente biológica, pois brota o coração. Isso faz de José, segundo expressão querida pelo Papa Francisco, o “Patris corde”, aquele que amou Jesus com coração de Pai.
Sempre atento às necessidades da Sagrada Família, José viveu plenamente sua vocação à paternidade, abraçando com amor a missão que lhe fora confiada por Deus. A exemplo de José, toda paternidade deve se tornar expressão do amor de Deus, que cuida de todos os seus filhos e filhas. Esse amor é experimentado de forma plena e visível na relação familiar, através do sacramento do matrimônio. A família, para nós cristãos, é o núcleo central da sociedade, a pequena igreja doméstica; lugar onde os pais, abertos à vida, comprometem-se a viver na fidelidade o amor mútuo, acolhendo e educando os filhos – frutos do amor conjugal – colocando em prática a vocação para a qual foram chamados.
Santuário do amor gratuito e generoso
O magistério dos papas, ao longo dos últimos anos, tem nos ajudado a compreender a importância e a missão da família na Igreja e na sociedade. De acordo com São João Paulo II, a família é o “santuário da vida” (Carta às famílias, 11), isto é, lugar sagrado, onde a vida humana nasce, cresce, é cultivada e formada. Para o Papa, o “futuro da humanidade passa pela família” (Familiaris Consortio). Já para Francisco, a família é o lugar do encontro, da partilha, da saída de si mesmo para acolher o outro e estar junto dele. É o primeiro lugar onde se aprende a amar” (mensagem no encerramento do X Encontro Mundial das Famílias, 2022); pois, segundo o pontífice, “a alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja” (Amoris Laetitia, 1).
Como pode-se perceber, a Igreja reconhece a importância da vocação familiar para a sociedade e, apesar dos sinais de crise no sacramento do matrimônio (Amoris Laetitia, 1), encontra nela um grande valor, pois acredita que a instituição familiar tem muito a contribuir para o progresso e o bem-estar da vida social. Para que isso aconteça, todas as famílias são chamadas à vivência do amor gratuito e generoso, capaz de construir, no diálogo com os variados setores da engrenagem social, pontes que nos ajudem a sonhar com um futuro de vida e esperança.
Para concluir, permitam-me compartilhar com vocês uma bela experiência desses poucos anos de ministério ordenado. Desde o diaconato, quando ainda estava me preparando para ser admitido à ordenação presbiteral, fui convidado para ser conselheiro espiritual das Equipes de Nossa Senhora, serviço que, desde então, desempenho com muito amor e dedicação ainda hoje, com quase onze anos de presbítero. As Equipes de Nossa Senhora são um movimento de leigos católicos, constituídos por casais que abraçaram o sacramento do matrimônio e desejam viver em profundidade a espiritualidade conjugal. Cada Equipe é uma pequena Ecclesia, isto é, assembleia/comunidade. Enquanto comunidade, faz a experiência da oração, da escuta da palavra e da partilha de vida. O conselheiro espiritual acompanha a Equipe e os casais e é também por eles acompanhado, em uma verdadeira interação entre vocação matrimonial e vocação sacerdotal. Sou muito grato a Deus por me possibilitar esta bela experiência.
Frei John of God Araújo, OFM
Frade Franciscano da Custódia São Benedito da Amazônia
¹Cf.: A vocação de Abraão (Gn 12,1-2); a vocação de Moisés (Ex 3, 1-12); a vocação de Isaias (Is 6, 1-10); a vocação de Jeremias (Jr 1, 4-10); vocação de Jonas (2Rs 14,25), etc. No Novo Testamento, especialmente nos evangelhos sinóticos, é Jesus, que em obediência ao Pai, realiza o chamado: Ex.: O chamado dos primeiros discípulos à beira do mar da Galileia (Mt 4,18-22; Mc 1, 16-20; Lc, 5, 1-11).